Correio Braziliense
Sem folga, sem férias, sem horário de almoçoAfinal, o que é trabalhar demais?
Pablo não tem medo de hora extra |
Difícil encontrar alguém que diga não trabalhar demais. Se há uma reclamação constante do brasileiro é que a rotina para vencer no mercado de trabalho põe de lado a vida social. E, entre um não e outro para festas e reuniões familiares, muitos profissionais investem na carreira sem medir as consequências, atribuindo às atitudes a pressão e competitividade no serviço.
“Hoje, por estarmos conectados à tecnologia, trabalhamos além da nossa carga. Porém, há uma mudança de pensamento em empresas que contratam funcionários não só comprometidos com ela, mas também com qualidade de vida”, garante Alessandra Tomelin, coordenadora de RH do site Vagas, especializado em tecnologia de recrutamento e seleção empresarial. Ou seja, para a especialista, o modelo tradicional de chefia, no qual o empenho exagerado estabelece qualidade de trabalho, está morrendo.
Exemplos como o do site norte-americano Facebook, no qual os funcionários fazem seus horários e tem liberdade criativa, estão sendo irradiados. “Quem passa 14 horas trabalhando não é, necessariamente, mais competente do que aquele que passa oito. Muitas empresas já perceberam que um funcionário infeliz traz prejuízos financeiros”, explica Alessandra. A questão é que não há um parâmetro que defina o que é trabalhar demais.
Para os mais jovens, a filosofia é: se nenhum esforço for feito agora não haverá como usufruir do sucesso. Esse é o caso do publicitário Pablo Bueno, 29 anos, que fez o curso de corretagem de imóveis e hoje coordena um grupo de corretores. Pablo confessa que está acostumado a ouvir do pai: “Diminua sua rotina de trabalho!”. Pensamento que desagrada o jovem. “Estou me obrigado a trabalhar desse jeito, por
que acho que tenho de fazer isso agora.” Com dois celulares, nunca desligados, ele recebe ligações constantes e fica até depois das 18h sem pestanejar. Horário de almoço? Apenas se servir para fechar algum negócio.
Apesar da completa dedicação e da ideia de que o esforço máximo deve acontecer agora, Pablo acredita que o prazer que o trabalho proporciona também deve estar em dia. “Sempre mantive uma relação passional com os locais onde trabalhei. Quando sinto que o tesão acabou, peço demissão. O que move minha dedicação é saber que estou contribuindo para um bom projeto”, orgulha-se. O pensamento do corretor de imóveis é novidade para profissionais que já estão há décadas no mercado de trabalho e consideram “normal” a ideia de trabalhar com algo que não necessariamente lhes dê prazer. “Por isso é preciso fazer com que todos entendam que trabalho não é sinônimo de algo ruim”, ressalta a coordenadora de RH Alessandra.
ENTREVISTA//Michele S., membro do Workaholics Anonymous
Você tem mais prazer quando pensa em trabalho do que em tempo com a família ou com lazer? Você leva trabalho na bagagem de férias e feriados? Fica impaciente quando conversa com pessoas que não colocam o trabalho em primeiro lugar? Então, talvez, você seja um workaholic. Para a presidente da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), Ana Maria Rossi, é o trabalhador quem deve ficar atento à importância que ele dá ao trabalho em sua rotina. A especialista acredita que a partir do momento em que o emprego interfere no estilo de vida do trabalhador, a saúde é a primeira a ser prejudicada. “Aqueles que são workaholics, ou seja, viciados em trabalho, têm dificuldade em separar o lado pessoal do profissional. Eles colocam o trabalho à frente do bem estar.” Preocupados com quem é viciado em trabalho, o grupo Workaholics Anonymous, com sede na Califórnia (EUA), reúne membros de todo o mundo que, juntos, tentam mudar esse comportamento. A Revista conversou com uma das representantes do grupo para que você também esteja atento a atitudes workaholics.
Em que situações podemos chamar uma pessoa de workaholic?
Uma pessoa se torna workaholic quando seu comportamento começa a tornar-se destrutivo para qualquer área de sua vida. Pode ser um trabalhador remunerado ou alguém ocupado com o trabalho doméstico ou voluntário. Se você tem uma compulsão por manter-se ocupado e trabalhar o tempo todo ou se você estiver mentalmente obcecado por trabalho, fazendo coisas a ponto de se prejudicar mentalmente, emocionalmente, fisicamente ou afetar suas relações pessoais, isso se torna um problema.
Quais são os sintomas?
Ansiedade, medo, estresse, depressão, fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração, procrastinação, correr para cumprir prazos, etc. Alguns workaholics são mais pontuais, outros atrasados e procrastinadores. O principal fator entre eles é que falta equilíbrio. Eles não dão à vida pessoal, aos relacionamentos pessoais e à saúde prioridade suficiente. Tendem a pensar que não são bons a menos que sejam perfeitos ou constantemente produtivos.
Um workaholic é necessariamente um bom funcionário?
Nem sempre. Muitos são, mas podem ser bem problemáticos – os sintomas acima ilustram o que não faz um bom funcionário. Alguém com mais equilíbrio em sua vida e mais feliz sempre é melhor.
Saiba mais: http://www.workaholics-anonymous.org