Bom Dia Brasil
EM São Paulo, as cirurgias começarão a ser feitas em mulheres transsexuais, e consistem na retirada do útero e das trompas. Pacientes já aguardam os primeiros procedimentos.
Mudança de sexo: em São Paulo, o sistema público de saúde vai começar a fazer cirurgias em mulheres transsexuais.
A cirurgia será para a retirada do útero e das trompas, e será feita num hospital da rede pública de São Paulo. E já há pacientes aguardando pelas primeiras cirurgias, que serão realizadas no fim do mês.
Biologicamente, o educador infantil Alexandre Santos nasceu mulher, mas desde os 8 anos de idade, ele se reconhece como homem. “Eu sou um homem, não tenho duvida disso. Eu costumo falar que eu vim numa embalagem trocada, porque não me identifico com esse corpo”, comenta.
Alexandre é uma das 30 pessoas que até o fim do ano devem passar por uma operação no Hospital Público Pérola Byington, centro de referência da saúde da mulher em São Paulo especializado em atendimentos de casos de câncer e de violência.
A cirurgia irá retirar o útero, ovário e as trompas. Até agora, o procedimento só ocorria em hospitais universitários. Cada operação custa R$ 1,5 mil para o Sistema Único de Saúde (SUS).
“O tempo de espera que foi reduzido pra atendimento de câncer permitiu que a Secretaria Estadual da Saúde utilizasse parte da infraestrutura existente para dar suporte a essa nova demanda da sociedade civil que é a cirurgia dos transsexuais”, afirma o diretor do hospital, Luiz Henrique Gebrim.
Para ter direito a cirurgia, a pessoa terá de frequentar durante dois anos um serviço médico, no qual terá de comprovar que realmente necessita da operação, porque ela é definitiva.
“Profissionais de várias categorias, como médicos, psicólogos e psiquiatras, vão avaliar a situação do paciente e, junto com o paciente, vão indicar o melhor momento para a cirurgia e se a cirurgia é indicada nessa situação”, explica Maria Clara Gianna, coordenadora do programa DSTAids de São Paulo.
“Quando terminar tudo isso, com certeza eu vou ser outra pessoa. Outra pessoa no sentido de que eu vou estar mais leve, mais produtivo e mais feliz, com certeza”, espera o educador infantil Alexandre Santos.
Em setembro do ano passado, o conselho federal de medicina considerou que os procedimentos de retirada de ovários, úteros e mamas de transsexuais deixaram de ser experimentais e poderiam ser feitos em qualquer hospital público ou privado, desde que seguissem as recomendações do conselho.
Com cirurgia liberada, transexuais têm batalha para trocar ‘nome oficial’
Iberê Thenório. Do G1, em São Paulo
Operação é feita pelo SUS, mas Justiça demora para reconhecer novo sexo. Casos ganharam destaque com eliminação de Ariadna do BBB.
A cirurgia para trocar de sexo é apenas parte da mudança que os transexuais enfrentam para criarem uma nova identidade. Além da operação – que leva pelo menos 24 meses de preparação quando é feita no Sistema Único de Saúde (SUS) – muitos deles passam anos ‘brigando’ com a justiça para trocar de nome.
Foi o que ocorreu com Cristyane Oliveira, 37, que vive em Porto Alegre. Ela esperou dois anos para fazer a cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 2002. “Depois, ainda levou cinco anos para conseguir retificar meus documentos. Eu tinha um direito conquistado e outro negado. Nos meus documentos, ainda era outra pessoa”, conta.
Casos como esse ganharam destaque após a participação da cabeleireira Ariadna, de 26 anos, no “Big Brother Brasil 11”. Ela evitou declarar publicamente aos colegas que era transexual, e deixou para contar o segredo quando foi eliminada do programa, na última terça-feira (18).
A intimidade sobre a condição sexual, contudo, fica evidente quando o transexual não muda o nome. Com aparência e personalidade de mulher, tem que usar documentos de homem – ou o contrário – e contar ou não contar deixa de ser uma escolha.
“Antes da cirurgia eu havia feito um curso de cabeleireira, mas não pendurava o diploma na parede porque o nome [escrito nele] não era o que eu tinha. É um sofrimento, é uma coisa que traz muitos incômodos”, relata Cristyane, que montou um blog onde conta os desafios que tem que enfrentar como transexual.
Barrada no restaurante
O constrangimento vai além de ter documentos que mostram um sexo diferente. Paula (nome fictício), 29, fez a cirurgia de readequação sexual há quatro meses, e conta que teve problemas ao entrar no restaurante da universidade onde estuda, em São Paulo. “A mulher que cuidava da entrada achou que eu estava usando a carteirinha de outra pessoa. Ela falou alto, gritou comigo”, relata.
A estudante conta que, antes da cirurgia, chegou a entrar na Justiça pedindo que o nome e o sexo em seus documentos fossem mudados, mas não obteve parecer favorável. Agora, com o sexo fisicamente mudado, pretende enfrentar uma nova batalha judicial. “Não quero perder oportunidades por causa do meu nome.”
Oficialmente mulher
Carla Amaral, 38, de Curitiba, vive o problema oposto. Há três anos, ela entrou ná Justiça e mudou o nome e o sexo em seus documentos, mas ainda não conseguiu fazer a cirurgia pelo SUS. “Eu estou há cinco meses esperando a primeira consulta”, conta ela, que é diretora-presidente de uma ONG que luta pelos direitos de travestis e transexuais.
Apesar de não ter operado, Carla é oficialmente uma mulher, e em seus documentos não há indícios de que ela nasceu com corpo masculino. Ela poderá se aposentar antes dos homens, pagar menos no seguro do carro e se casar de forma comum – sua união com um homem não é considerada um relacionamento homossexual.
Segundo a advogada Maria Berenice Dias, especialista em Direito Homoafetivo, casos como esse têm sido cada vez mais comuns, e representam um avanço na Justiça brasileira. “Nem sempre as pessoas querem fazer a cirurgia. A mudança do feminino para o masculino, por exemplo, não é uma cirurgia bem-sucedida. Além disso, o exercício da sexualidade não tem muito a ver com a genitália”, defende.
Para a advogada, é necessária uma lei que permita aos transexuais trocar de nome e de sexo nos documentos sem a necessidade de entrar na Justiça. Ela admite, porém, que isso poderia trazer problemas inusitados.
“Se a pessoa tiver filhos, quem era pai deixa de ser, passa a ser mãe. Tem gente que sustenta que quem tem filhos não pode trocar de nome. Na minha opinião, tem que trocar, mas o filho tem que ter acesso a essa informação.”
Cirurgias gratuitas
Na área da saúde, os transexuais encontram menos problemas. Sua condição é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como transtorno da personalidade. “Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto”, define o documento internacional que classifica problemas de saúde.
A cirurgia de mudança de sexo do masculino para o feminino é feita gratuitamente pelo SUS em hospitais universitários de São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro em Goiânia. Segundo o Ministério da Saúde, 60 pessoas já fizeram a operação, que foi liberada no sistema público em 2008.
Como a modificação dos órgãos sexuais é irreversível, é exigido que os candidatos passem por um tratamento psicológico ou psiquiátrico de dois anos, para ter certeza da escolha.
Feminino para masculino
No início deste ano, o governo de São Pauloanunciou que começará a realizar gratuitamente a retirada de órgãos femininos de transexuais que se consideram homens. As cirurgias liberadas serão a da retirada de útero e a de mama. A operação de construção do pênis não foi liberada porque só é permitida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em caráter experimental.
“As técnicas para essa cirurgia não são boas ainda. Se alguém quiser fazer, vai ter que ser como pesquisa”, relata o médico Edvar Araujo, relator da resolução do CFM que liberou a operação de retirada do útero, ovário e mama em transexuais.
Contar ou não contar?
Depois da modificação do corpo e dos documentos reconhecidos, os transexuais ganham a opção de manter segredo sobre terem nascido com um sexo diferente.
“Não tenho nenhum problema de falar, mas não acho que seja uma obrigação. Não vou chegar em um coquetel e falar ‘Sou Cristyane Oliveira, uma transexual’.” Paula, que fez a cirurgia há poucos meses, concorda. “Se for uma pessoa importante, eu conto, mas na universidade, não falo. Quem sabe, é por causa dos meus documentos.”
Carla, de Curitiba, diz que durante a adolescência tentou esconder, mas hoje não se preocupa mais com isso. “Se as pessoas querem ser minhas amigas, meu amor, têm que saber quem eu sou, qual é a minha identidade, minha história.”