Injustiça e repressão, marcas do tucanato paulista, voltam a aparecer no reajuste do ônibus

GABRIEL BRITO, Correio da Cidadania

Na tarde/noite da última quinta-feira, 13, o centro da cidade de São Paulo voltou a abrigar novas demonstrações de barbárie de sua Polícia Militar. Como tem sido praxe com relação a todos os protestos sociais da cidade, imperaram a violência e total indisposição ao diálogo com as pessoas que protestavam contra o novo aumento na tarifa do ônibus na capital paulista – de R$ 2,70 para R$ 3,00.

 

Dessa forma, o ato que reuniu entre 800 e 1000 pessoas para mostrar a insatisfação popular contra esse novo ataque ao bolso do habitante do estado, gesto acompanhado por pelo menos outras 16 prefeituras das principais cidades do país que decidiram reajustar a passagem imediatamente após as eleições, não pôde sequer chegar a seu destino final, a Câmara dos Vereadores, tamanha a truculência oficial.

 

“Esse aumento, acima da inflação, tem objetivo político: aumentar agora de uma vez e não voltar a fazê-lo nos próximos anos, por motivos eleitoreiros. Mas é preciso dizer que o movimento não protesta somente pelo fato de a tarifa ter sido aumentada acima da inflação. Somos contra todos os aumentos de tarifa, por achar que a cada novo reajuste, mais pessoas não conseguem pagar o ônibus”, disse ao Correio da Cidadania Mariana Toledo, do Movimento Passe Livre (MPL), que idealiza a gratuidade no transporte coletivo – afinal, já financiado com dinheiro público.

 

O pior de tudo é que o mesmo filme foi exibido nas ruas da megalópole no início do ano passado, quando o prefeito Gilberto Kassab descumpriu pela primeira vez sua promessa de não reajustar a tarifa de ônibus em seu mandato. Na ocasião, a manifestação também teve dificuldades de evoluir e transmitir sua mensagem, e a violência policial brilhou fortemente a olhos vistos, tal como nos protestos dos professores, policiais civis, afetados pelas chuvas…

 

“Qualquer aumento no preço da passagem de ônibus significa a ampliação da exclusão que a própria existência de tarifa já realiza. O poder público alimenta, deste modo, a lógica exclusivista que mercantiliza o transporte ao invés de tratá-lo como direito. Fica cada vez mais claro que os principais beneficiários das linhas de ônibus são os donos das empresas que as operam”, critica Leonardo Cordeiro, também do MPL, em conversa com o Correio.

 

E ao menos de acordo com as informações oficiais, as queixas de Cordeiro se justificam. O orçamento divulgado pela pasta dos transportes da prefeitura informou que o subsídio às empresas de ônibus sofrerá um reajuste estratosférico de 25%, subindo de 600 milhões para 740 milhões de reais, paradoxalmente, no exato momento em que se anunciou a subida no preço da passagem.

 

“É muito interessante perceber que enquanto cerca de 740 milhões de reais dos cofres públicos (o nosso dinheiro!) serão entregues às empresas de ônibus, além da tarifa que pagamos diariamente, apenas três milhões de reais sejam previstos para a construção de novos corredores de ônibus, ciclovias e ciclofaixas”, completa Leonardo.

 

Ao mesmo tempo em que a cidade volta a cair aos pedaços por conta das chuvas e os efeitos nefastos da especulação imobiliária e impermeabilização do solo não param de crescer, a defesa intransigente em favor da prioridade de um transporte público acessível e qualificado não encontra o devido espaço na grande mídia, o que praticamente bloqueia o diálogo com a sociedade.

 

Nessas horas, ela busca seu refúgio no jornalismo anódino e descompromissado socialmente, sob a aura da neutralidade, sempre poupando o poder público e toda sua ineficiência, como se vê no caso das enchentes, atribuídas mais à natureza que aos 20 anos de gestão e negligência total dos tucanos para com a estrutura e planejamento urbano da cidade. O mesmo, obviamente, se aplica Brasil afora.

 

“De modo geral, o que podemos dizer é que o transporte público não está sendo priorizado. Estão terminando algumas obras que já tinham começado há bastante tempo, mas as obras em favor do transporte coletivo não estão sendo feitas”, define Mariana.

 

De fato, após o anúncio do governo Alckmin de redução dos planos de expansão do metrô paulista, mais o fato de que o grosso do orçamento dos transportes será novamente gasto em vias asfaltadas, favoráveis ao uso do automóvel individual, não fica difícil constatar que mesmo diante de sua crescente inviabilidade a cidade de São Paulo não consegue colocar no topo das prioridades o transporte coletivo.

 

“É ainda mais interessante comparar esses dados com a verba destinada às obras viárias. Para a construção de um único túnel, planejado para ligar a Avenida Jornalista Roberto Marinho à Rodovia dos Imigrantes, são estimados mais de 2,7 bilhões de reais. Esses números apenas demonstram o que a maioria da população já percebeu: o transporte público – e quero dizer realmente público – não está entre as prioridades da gestão Kassab, que vende este direito e prioriza o transporte individual”, vaticina Leonardo.

 

Outras barbaridades em favor do transporte individual – que acima de tudo marcam um brutal desperdício de dinheiro público – foram perpetradas recentemente na Paulicéia desvairada, de modo que é muito difícil para o povo paulistano depositar esperanças em mais alguns anos de gestão tucana. A ampliação da Marginal Tietê (que já alaga), a caríssima Ponte Estaiada, o enrolado Rodoanel, atendo-se apenas a alguns exemplos recentes, ilustram claramente a visão rodoviarista de nossos políticos.

 

Dessa forma, resta bater em algumas teclas que podem ajudar a aliviar a dificuldade em um princípio, mas que ainda assim demorariam a reverter a lógica reinante. “Existem medidas paliativas para melhorar a mobilidade, como, por exemplo, não aumentar a tarifa, mesmo que a tarifa zero esteja fora do horizonte dos nossos políticos. Que se discuta o preço da tarifa, mesmo que no fundo sejamos contra ela. Todo tipo de medida que aponte para uma priorização do transporte coletivo consideramos interessantes: corredores, subsídios ao combustível e à aquisição de ônibus e peças, reformulação das linhas dos trens metropolitanos, a própria troca da frota de ônibus…”, enumera Mariana.

 

O grande obstáculo, como sempre, é a dificuldade em se pontuar um debate em meio a uma sociedade
cada vez mais desmobilizada, o que se nota pelo número de manifestantes na mais pulsante e influente cidade do país, ficando atrás de outras bem menos populosas.

 

“O Movimento Passe Livre defende que um transporte efetivamente público, entendido como direito, deve ser custeado indiretamente pela prefeitura como é feito com outros serviços públicos básicos, ou seja, não pode ser tarifado. Mas isso não é tudo, ele precisa ser gerido e planejado de forma realmente democrática, com participação dos usuários e dos trabalhadores do setor. Somente assim poderá haver um salto na qualidade e na organização do sistema de transporte público”, resume Leonardo.

 

Repressão ditatorial

 

Além da própria pauta do protesto, os abusivos aumentos no preço do cada vez mais ineficiente transporte público de São Paulo, é preciso voltar a registrar a intolerância com que voltaram a atuar os agentes do Estado designados a trabalhar na organização da manifestação.

 

“Havia bastante gente na manifestação, muitos estudantes, trabalhadores e pessoas que foram aderindo ao ato durante sua realização. Teve muito apoio dos pedestres, o que pudemos sentir passando nos pontos de ônibus e no caminho. Mas quando chegamos na Praça da República, um rapaz entrou na frente da polícia, que tentava ordenar o congestionamento, e isso foi usado pela PM para dispersar absolutamente todo o ato, de forma totalmente desproporcional. E também pouco profissional. Não víamos critério, não sabíamos o que fazer, usaram a munição de forma irresponsável…”, relata Mariana, num rosário de denúncias repetido por todo e qualquer participante do ato.

 

“Chegamos a nos concentrar novamente na Xavier de Toledo, para prosseguir até a Câmara dos Vereadores, que era o local definido como final do ato, mas voltamos para tentar impedir um enquadro (averiguações policiais arbitrárias). Infelizmente o resultado foi outro. Mesmo com pontos de ônibus lotados, mais bombas e balas de borracha foram lançadas, além de agressão física direta àqueles que entravam nos locais próximos para se proteger. Todos os detidos foram levados para averiguação. O despreparo da PM nas detenções e na recusa de diálogo ficou evidente”, denunciou ao blog Viomundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, outra integrante do movimento, Nina Capello.

 

Obviamente, a mídia usou mais doses de sua desfaçatez, tentando equilibrar os dados de violência entre ambos os lados, dando a entender que os manifestantes civis, que não fizeram ameaças e provocações prévias, têm sua responsabilidade na reação violenta e desmedida de uma corporação que comete centenas de homicídios por ano ao arrepio da lei, como já observaram diversos organismos internacionais em visitas ao país.

 

A alusão pode soar desmedida, mas a verdade é que as polícias da suposta era ‘democratizada’ já se acostumaram a atuar absolutamente à margem da lei, promovendo as mais diversas violências contra cidadãos contestadores ou da escala social mais baixa. “É bom ressaltar que as armas utilizadas pelos policiais são absolutamente inapropriadas. Por exemplo, o gás pimenta é proibido contra civis pela Convenção de Genebra. Mas, aqui no Brasil, é largamente utilizado em manifestações públicas. As bombas de efeito moral, que deveriam ser lançadas, no mínimo, a 30 metros das pessoas, foram jogadas no meio da manifestação”, exemplifica Nina.

 

“E depois de encerrada a manifestação, pela violência policial, eles (polícia) saíram fazendo uma espécie de caça pelas ruas da cidade, abordando grupos de pessoas voltando pra casa”. Nessas incursões típicas de polícias de ditadura, 31 pessoas foram presas, cerca de 10 feridas e mais algumas no mínimo tratadas de forma humilhante, como sabem perfeitamente os cidadãos que se deparam com uma abordagem policial em São Paulo.

 

Para completar o circo de horrores da PM tucana, diversos oficiais estavam sem identificação, outra grave ilegalidade. “Policiais não podem andar sem identificação. Pela experiência, quando os vemos tirando a identificação ou sem ela, já sabemos que provavelmente haverá repressão. Ficar sem identificação é o primeiro passo. Isso dificulta as nossas denúncias, pois a Corregedoria da PM não toma nenhuma atitude se não identificarmos os agressores. Aliás, a maioria dos policiais que agrediram estava sem identificação. Isso sem falar que várias pessoas que estavam fotografando a manifestação foram obrigadas, pelos policiais, a apagar as imagens”, contou Nina.

 

Como disse o líder popular do jardim Pantanal, Ronaldo Delfino, na Paulicéia agonizante “você tem que se afogar e ficar calado; caso contrário, toma porrada da polícia”. “Não conseguir terminar o ato é muito ruim, pois o sabor que fica é o das porradas da polícia, e não o de realmente se manifestar contra o aumento da tarifa, o que gera muita frustração e revolta nas pessoas”, finaliza Mariana Toledo.

 

Para completar, ela relembra o que, mais uma vez, realmente está em jogo. “A questão do transporte público tem de ser vista um pouco além da questão estrita de seu financiamento. Defendemos os subsídios ao transporte, até ao combustível, diesel, peças de ônibus; os empresários do transporte também estão mobilizados em torno de medidas parecidas. Porém, o que define a visão do movimento e a dos empresários é que nós não queremos um financiamento do transporte que vise o lucro dessas empresas, e sim reformas no transporte que visem dar maior mobilidade à população”.

 

Veja mais:

 

Vídeo da manifestação e repressão policial

 

‘Aumento da tarifa de ônibus é uma afronta à população de São Paulo’

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