Ulisses Capozzoli – revista Scientific American
No início de dezembro passado, falando a uma multidão de católicos o papa Bento 16 fez mais uma de suas cargas contra a ciência.
Disse, por exemplo, que “a mente de Deus esteve por trás de teorias científicas complexas como o Big Bang” e que os cristãos “devem rejeitar a idéia de que o Universo tenha surgido por acaso”.
Talvez fosse o caso de perguntar ao papa:
“Se a mente de Deus esteve por trás de teorias científicas complexas, por que a igreja que ele dirige se empenhou em reprimir e oprimir os autores de muitas delas, como fez com Galileu, Giordano Bruno e muitos outros?”
Ele poderia responder que a igreja também tem suas falhas.
E poderíamos mais uma vez perguntar:
“E a pretensa infalibilidade do papa uma das razões que levou Giordano Bruno ainda vivo às chamas da inquisição, ou Santo Ofício, seção de que ele mesmo era responsável antes de assumir o papado “por acaso foi revista?”
Quanto ao “Universo ter surgido por acaso” é uma idéia que não corresponde a uma verdadeira postura científica.
Há quem sustente, no meio científico que, de alguma maneira o Universo pode ser uma inevitabilidade, ainda que a compreensão dessa idéia não seja tão simples como pode parecer à primeira vista.
É teoricamente possível que nosso universo seja apenas um entre muitos, na concepção aceita hoje de multiversos.
O papa disse ainda que “os cristãos devem rejeitar a idéia de que as leis da natureza tenham origem aleatória e que Deus seria responsável pela origem de tudo.”
Poderíamos perguntar mais uma vez:
“Se Deus está por trás das leis da natureza, como justificar a restrição à camisinha, como ele pregou recentemente na África (onde estão concentrados perto de 50% dos casos de soropositivos de todo o mundo) se essas leis dizem que sexo sem proteção envolve risco de contaminação?”
O papa disse ainda que a ciência “deixa muitas perguntas sem respostas”.
E novamente poderíamos perguntar:
“E a fé resolve todos os problemas, responde a todas as perguntas?”
Ou até mais especificamente: “o que muita gente entende por fé, não é puro medo do grande desconhecido?”
O que se deve entender por fé?
A crença acrítica num conjunto de valores não demonstrados?
Por que razão Deus, na interpretação do papa, teria concedido inteligência aos humanos, mas em vez de permitir que façam deduções sobre a beleza do Universo com base na capacidade de raciocínio, exigiria deles a irracionalidade da fé?
O papa poderia dizer, com justa razão, que nem toda a produção da ciência tem compromisso com a dignidade humana.
Mas também poderíamos perguntar a ele se a religião, especialmente a igreja que ele chefia, não produziu e continua produzindo esses mesmos estragos.
Os padres pedófilos, mutiladores de crianças e adolescentes em todo o mundo, são por acaso exemplos a serem seguidos?
Às vésperas de sua morte, o papa anterior, João Paulo II pediu a Deus que fizesse chover para combater incêndios que se alastravam em Portugal e Espanha. E os jornais de todo mundo registraram esse pedido.
Se um pajé do Xingu dançar para pedir chuva, no entanto, os jornais não fazem qualquer registro. E, se eventualmente fizeram isso, certamente será com a qualificação de que o pajé é um selvagem ignorante.
Antes da gravitação universal de sir Isaac Newton, toda vez que um cometa se anunciava no céu as igrejas badalavam os sinos, alertando para o “fim do mundo”. E as gentes com consciência pesada se apressavam em fazer doações (à igreja, claro) para se livrar do que pensavam ser as chamas eternas.
O cometa passava, o mundo não acabava, e a igreja aumentava suas posses.
Isso tudo não é imaginação nem acusação. É fato histórico.
Já o pajé, ao menos no Xingu, em passado recente, se estivesse cuidando de um cacique, e ele morresse, o pajé era enterrado junto com seu paciente.
Ou seja, na selva, não havia espaço para enganações.