Pessoas melhores para um mundo melhor

 

Por Vilmar Berna*, do Portal do Meio Ambiente

Sonhamos com um mundo melhor, mais fraterno, pacífico, ecológico, democrático, para nós e nossos filhos. Mas, estamos sendo pessoas melhores e estamos educando filhos melhores para este mundo novo? Ou seguimos fazendo escolhas que nos mantém com os dois pés no mundo velho enquanto ano a ano renovamos nossos votos num mundo melhor que só existe, na verdade, em nossas utopias, mas que não nos dispomos a por em prática?

Tendemos a julgar os outros por nós, para o bem e para o mal. Se desejamos e escolhemos um mundo melhor, sustentável, imaginamos que os outros também estão tendo a mesma percepção e propósito. O problema de pensar assim é não tomarmos as precauções contra oportunistas, gananciosos, egoístas, por não imaginar, em nossas utopias, que tais pessoas possam existir, e pode ser tarde demais ao descobrir que a realidade pode ser bem mais cruel e perversa do que sonha nossa imaginação.

O ‘Profeta’ Gentileza repetia a frase ‘gentileza gera gentileza’ que alguns tomam ao pé da letra, como se fosse possível a mudança de fora para dentro. A frase do ‘profeta’ é um desejo e não uma revelação de como as coisas funcionam na prática.

Uma pessoa gentil, generosa tende a imaginar e mesmo a gostar da idéia de viver num mundo onde as pessoas são gentis e generosas também. O mundo se torna cor de rosa. A verdade é bem diferente. O mundo não é cor de rosa muito menos em branco e preto, mas está mais para o cinza, onde as cores estão todas meio misturadas

Seria bom demais se a gentileza, o amor, tivessem este poder de mudança de fora para dentro, se ao sermos generosos e amorosos conseguíssemos tornar também as outras pessoas generosas e amorosas. Infelizmente, não é assim que acontece no mundo real. Pessoas egoístas, mesquinhas, gananciosas só tenderão a se tornar ainda mais folgadas e se aproveitarão ainda mais da situação se não encontrarem resistência.

E sequer sofrem qualquer impeditivo moral pois usam da inteligência para justificarem seu ato de predação contra o outro. Podem justificar seu ato mau com a idéia de estar fazendo uma espécie de justiça ao tirar de quem tem e que deveria dar a quem não tem, mas por ser egoísta prefere guardar tudo para si. É uma inversão de valores. Outros pensam que quem rouba de ladrão tem mil anos de perdão. Então, basta imaginar que o outro não é tão certinho assim, e que no fundo no fundo, rouba também, só que não foi descoberto ainda, para tirar dele e perdoar-se. Pessoas oportunistas, quando acham alguma coisa, não devolvem, e mesmo quando tem a chance de descobrir o dono, como um celular, por exemplo. Justificam-se dizendo que quem perdeu foi relaxado.

O primeiro cuidado que devemos ter com gente assim é identificar logo essas pessoas e tratar de nos defender delas, por que é só uma questão de tempo para que nos causem danos. Se estiver disposto a apostar numa mudança, faça, mas tome os devidos cuidados, pois quem brinca com fogo corre o risco de se queimar. O segundo cuidado, é nós próprios não produzirmos gente assim ao sermos permissivos ou negligentes na educação das  crianças sob nossa responsabilidade.

Muito antes de uma violência, ou prejuízo acontecer, são emitidos sinais de alerta, mas tem gente que prefere fazer de conta que não está vendo, ou escolhe não fazer nada para ‘não se aborrecer’, até que pode ser tarde demais.

Isso ocorre tanto nas relações familiares quanto na vida em sociedade. A violência não explode de uma hora para outra. Ela sinaliza antes. Tanto a violência quanto a paz não ocorrem por um acaso, mas resultam de escolhas. A paz não é fruto das armas, mas da justiça. Pessoas acostumadas a explorar umas às outras, tenderão a chantagear, a reagir com violência quando, por alguma razão, forem impedidas de continuar com a exploração.

O primeiro passo para acabar com as injustiças de um contra o outro, seja numa família ou numa sociedade, é tomarmos consciência de que não é natural que seja assim, muito menos é natural que continue sendo.

Quanto mais cedo se detectar em crianças e adolescentes a possibilidade de se tornarem potenciais adultos folgados e violentos, maior deverá ser o empenho dos adultos de hoje, enquanto podem e tem forca, em estabelecer limites e educar para a generosidade, a honestidade, a gentileza. Por que depois que crescem, as crianças e adolescentes poderão se tornar em adultos de difícil trato, um perigo para si e para os outros.

Impor limites é também uma forma de generosidade e amor, por mais que seja difícil dizer não.

Descobrir uma pessoa gananciosa e folgada é muito fácil. Basta ser generosa que elas são atraídas como mariposas diante da lâmpada acesa. Para saber o quanto são gananciosas e folgadas basta apagar a luz, ou seja, deixar de ser generoso, cobrar algo delas, pedir ajuda, exigir contrapartidas e elas ou se afastam ou tentam obrigar o generoso a abrir novamente a bolsa, seja fazendo-se de vitima, e alguns apelando até para a violência.

Como estelionatários emocionais, pessoas gananciosas e folgadas podem se fingir de gentis e generosas até ganhar a confiança do outro, ou reconquistar a confiança perdida. Tendem a reivindicar direitos e arranjarem desculpas para não cumprir deveres.

Pessoas gentis e generosas só costumam perceber isso quando já é bem tarde, às vezes tarde demais, quando já perderam dinheiro, saúde, equilíbrio emocional, a confiança no outro e, nos casos mais graves, a própria vida. O mais cruel é que o carrasco pode estar ao lado, ser alguém que a gente ame, e que ame desde pequeno.

Escandalizamo-nos quando ouvimos notícias de netos e filhos que matam pais e avós por interesse nos bens. Quase sempre a desculpa mais óbvia são as drogas ou as más companhias. Entretanto, os verdadeiros motivos podem ser outros. Ninguém nasce ou fica folgado ou ganancioso – ou gentil e generoso – de uma hora para outra. Requer anos de prática.

Os adultos de hoje educam os adultos folgados, gananciosos e violentos de amanhã quando não deixam que crianças ou adolescentes tenham de fazer alguma obrigação ou tarefa doméstica ou assumir responsabilidades que os afastem do prazer da brincadeira ou da preguiça, delegando tudo para empregados ou para os pais e avós.

Educam chantagistas quando escolhem não contrariar as crianças e adolescentes e cedem às lágrimas, à pirraça, aos gritos, às ameaças.

Educam gananciosos quando substituem afeto por presentes materiais, dão dinheiro sem contrapartida, não punem quando pegam o que não lhes pertence sem autorização dos donos.

Educam violentos quando ensinam que a violência se justifica quando estamos com raiva ou quando queremos que alguém faca alguma coisa que não quer fazer.

Educam os adultos folgados, gananciosos e violentos de amanhã quando não querem ter o trabalho de se aborrecer para impor limites com as crianças e os adolescentes de hoje.

Educam maus cidadãos quando desmerecem o trabalho voluntário e a solidariedade, criticam os políticos como se nenhum prestasse, quando são bons em exigir direitos e péssimos em cumprir deveres, quando estimulam o consumismo e o desperdício.

Se desejamos um mundo melhor amanhã, precisamos começar agora mesmo, praticando com as nossas crianças e adolescentes. 

*Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA
– Rede Brasileira de Informação Ambiental e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente (http://www.portaldomeioambiente.org.br/).  Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas – http://www.escritorvilmarberna.com.br/

 

(Envolverde/O autor)

 

 


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