Por Aspásia Camargo*
O pesadelo retorna, e redobrado, com as chuvas de verão. Sempre as mesmas desgraças. E tratadas com a mesma negligência. Em geral, existe um grande interesse pelas vítimas e suas perdas e nenhuma atenção às causas de tais calamidades. Mas agora parece que a opinião pública acordou de seu longo torpor e começa a se interessar por uma solução mais racional e adequada. Vamos ter que levar a sério o aumento de frequência e intensificação das chuvas, provocado pelas mudanças climáticas.
As recomendações da Conferência das Partes da ONU são claras: aplicar o princípio da “mitigação” para eliminar as causas do aquecimento global; e o da “adaptação” para fortalecer a proteção física das áreas vulneráveis, já identificadas pelo meteorologista Carlos Nobre. Tese de mestrado defendida na UFF pela médica bombeira Edna Maria de Queiroz revela que 60% das catástrofes naturais são de origem hídrica – enchentes e deslizamentos -, mas até agora nada fizemos para planejar ações de controle e prevenção nas bacias hidrográficas, evitando o assoreamento e protegendo as matas ciliares dos rios.
A urbe se expandiu aprisionando e desprezando a natureza – precisamos nos reconciliar com ela. As cidades sustentáveis são hoje parte de uma nova agenda civilizatória, exigindo mais segurança, melhor circulação, menos desperdício e mais qualidade de vida. A impermeabilização do solo tem efeitos nefastos que podem ser mitigados com a multiplicação das áreas verdes e garantia de vegetação nas encostas.
O paralelepípedo em vez do asfalto nas ruas e as pedras portuguesas na calçada são medidas que permitem melhor escoar a água, sem dispensar a manutenção de uma rede de águas pluviais e bueiros limpos que impeçam a formação de rios urbanos – como o que vimos correr a 100 km por hora em Franco da Rocha (SP). Moacyr Duarte, da Coppe, sugere certificados de habitabilidade para evitar ocupações em áreas impróprias. Afinal, não é apenas a construção que molesta o ecossistema, diz ele, mas o ecossistema que ataca as construções que o molestam.
Quanto à adaptação, é importante saber que 80% das perdas materiais e humanas acontecem nos três primeiros dias do desastre, momento em que o poder público, desprevenido, está desarticulado e impotente. De fato, inexistem planos de contingência e gerenciamento de crises. Além do mais, a articulação federativa é precária e demagógica. O que precisamos agora é de educação ambiental para nossos governantes, menos improvisação e populismo e mais vigilância da cidadania.
A lei que reduz as emissões de gases de efeito estufa do município em 20% até 2020 é um bom começo.
ASPÁSIA CAMARGO é deputada estadual e autora da Lei de Mudanças Climáticas do município do Rio de Janeiro .
(Envolverde/O autor)