FLAVIA PIOVESAN e SILVIA PIMENTEL
Que a eleição de Dilma, nossa primeira presidente, e a composição de seu ministério tragam o empoderamento das mulheres brasileiras
“Pela decisão soberana do povo, hoje será a primeira vez que a faixa presidencial cingirá no ombro de uma mulher. (…) A valorização da mulher melhora a nossa sociedade e valoriza nossa democracia.”
Assim a presidente Dilma inaugurou o seu discurso de posse, enfatizando que sua luta mais obstinada será pela erradicação da pobreza. A presidente brasileira soma-se às 11 mulheres chefes de governo, considerando 192 países.
O Brasil situa-se no 81º lugar no ranking de desigualdade entre homens e mulheres de 134 países, tendo como indicadores o acesso à educação e à saúde e a participação econômica e política das mulheres (relatório Global Gender Gap).
O estudo conclui que nenhum país do mundo trata de forma absolutamente igualitária homens e mulheres. Os países nórdicos revelam a menor desigualdade de gênero -despontando Noruega, Suécia e Finlândia nos primeiros lugares do ranking-, enquanto os países árabes têm os piores indicadores.
Se comparada com outros países latino-americanos, como a Argentina (24º lugar) e o Peru (44º lugar), preocupante mostra-se a performance brasileira, explicada, sobretudo, pela reduzida participação política de mulheres.
Ainda que no acesso à educação e à saúde o Brasil ostente um dos melhores indicadores de nossa região, quanto à participação política atingimos a constrangedora 114ª posição, muito distante das posições argentina (14ª), chilena (26ª) ou mesmo peruana (33ª).
Ao longo da história, atribuiu-se às mulheres a esfera privada -os cuidados com o marido, com os filhos e com os afazeres domésticos -, enquanto aos homens foi confiada a esfera pública.
Nas últimas três décadas, no entanto, houve a crescente democratização do domínio público, com a significativa participação de mulheres, ainda remanescendo o desafio de democratizar o domínio privado -o que não só permitiria o maior envolvimento de homens na vivência familiar, com um grande ganho aos filhos(as), mas também possibilitaria a maior participação política de mulheres.
No mercado de trabalho, para as mesmas profissões e níveis educacionais, as mulheres brasileiras ganham cerca de 30% a menos do que os homens. Para José Pastore, “além das diferenças de renda, as mulheres enfrentam uma situação desfavorável na divisão das tarefas domésticas. Os maridos brasileiros dedicam, em média, apenas 0,7 hora de seu dia ao trabalho do lar. As mulheres que trabalham fora põem quatro horas diárias”.
Se hoje há no mundo 1 bilhão de analfabetos adultos, dois terços são mulheres. Consequentemente, 70% das pessoas que vivem na pobreza também o são -daí a feminização da pobreza. Garantir o empoderamento de mulheres é condição essencial para avançar no desenvolvimento. Os países que apresentam a menor desigualdade de gênero são justamente os mesmos que ostentam o maior índice de desenvolvimento humano.
Que a eleição de nossa primeira presidente e a composição de seu ministério (com um terço integrado por mulheres) tenham força catalizadora de impulsionar o empoderamento das mulheres brasileiras.
Afinal, como lembra Amartya Sen, “nada atualmente é tão importante ao desenvolvimento quanto o reconhecimento adequado da participação e da liderança política, econômica e social das mulheres.
Esse é um aspecto crucial do desenvolvimento como liberdade”.
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FLAVIA PIOVESAN, professora doutora da PUC/SP, é membro da Força-Tarefa da ONU para a Implementação do Direito ao Desenvolvimento.
SILVIA PIMENTEL, professora doutora da PUC/SP, é presidente do Comitê da ONU sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher.
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artigo publicado na sessão Tendências/Debates do jornal Folha de S.Paulo em 9/1/2011