Mulher perde o bebê e carrega filho morto em seu ventre durante oito dias

Mara Puljiz e Noelle Oliveira – Correio Braziliense

Depois de sentir dores no abdome, mulher é levada ao Hospital Regional de Taguatinga, que não tinha medicamento para expulsar o bebê. Ela acabou submetida a cirurgia para retirada do útero e não poderá mais ter filhos

 

Alenice Monteiro, cunhada de Cida, e o irmão da paciente, Genilton Barboza, estavam angustiados por não poderem vê-la no hospital

Com oito meses de gestação, uma mãe viveu o drama de perder o bebê e ainda carregar um filho morto em seu ventre durante oito dias. A dona de casa Maria Aparecida Barboza de Carvalho, 39 anos, chegou ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT) em 30 de dezembro último com dores no abdome. Uma ecografia revelou a morte da criança e a alegria da gravidez deu lugar ao choro e a noites mal dormidas. Sem medicamento no hospital, o marido de Maria, o funcionário público Paulo Rayoul, 47 anos, teve de desembolsar R$ 400 para comprar um hormônio que provoca contrações uterinas para expulsão do feto. O fármaco, porém, não fez efeito. Ontem, por volta das 12h, os médicos decidiram fazer cirurgia cesariana para a retirada do bebê, mas eles se depararam com a placenta colada. Em razão disso, Maria Aparecida teve de ser submetida a uma histerectomia, que consiste na retirada do útero. Com isso, ela não poderá mais ter filhos.

O parto estava agendado para 17 de janeiro e a criança se chamaria Ruan. Embora a morte do bebê tenha sido diagnosticada na quinta-feira passada, a desconfiança é de que o neném estivesse morto há mais tempo, uma vez que Maria começou a sentir dores um dia antes, quando passou a perder líquido amniótico. Como a dona de casa já tinha consulta marcada no dia seguinte, ela resolveu esperar. Com a criança morta há vários dias, o risco era de a mãe contrair uma infecção em razão da decomposição do cadáver (veja palavra de especialista).

Desde a internação, a família não pode visitar mais a paciente. As únicas informações são obtidas por telefone, no ramal do hospital. No domingo, o marido de Cida, como é carinhosamente chamada pela família, foi informado pela própria esposa, por telefone, que precisaria comprar o medicamento que estava em falta no hospital. A mulher começou a tomá-lo a partir de segunda-feira última.

Enquanto isso, a família só tem notícias de Cida por telefone. O marido liga para a mulher três vezes por dia, quando a paciente repassa as informações do médico. “Não tenho nenhum posicionamento do médico, tudo o que eu sei são informações que a minha esposa me repassa. Estou tentando mantê-la tranquila, mas compreendo que, tratando-se da saúde dela, temos que esperar para que as coisas sejam feitas da melhor maneira”, afirmou Paulo. O marido tentou a transferência da mulher para um hospital particular, mas foi desaconselhado pelos médicos devido aos possíveis riscos que isso acarretaria à paciente. “Não estou omisso. Passei todos os últimos dias nesse hospital, mas acredito que temos que esperar. Nosso sentimento é de impotência”, desabafou.

O Correio conversou com a enfermeira responsável pela paciente na noite da última quinta-feira. Segundo a mulher, que não se identificou, Cida estaria dormindo, e apresentava boas condições de saúde. Ela informou, ainda, que a dona de casa tomava dois medicamentos para induzir o parto. “Esse procedimento é normal. É muito mais arriscado encaminhá-la para cirurgia devido a um risco de infecção”, informou. Segundo a enfermeira, o processo poderia levar até 30 dias. O novo medicamento, Mizoprostol, teria chegado ao HRT esta semana e foi solicitado no último dia 6 ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC). Segundo a cunhada de Cida, Alenice Monteiro Pereira, 31 anos, casada com Genildo Barboza de Carvalho, 33, a mulher deu entrada na manhã de ontem na sala de cirurgia para a realização de uma cesariana. “A gente tentou ligar lá, mas o telefone ou estava fora do gancho ou chamava e ninguém atendia. Estamos angustiados”, disse.

Útero retirado

Em nota, a Secretaria de Saúde do DF disse que a paciente deu entrada no HRT em 30 de dezembro de 2010 já com o feto morto e que, durante a internação, foi induzido o parto com medicações apropriadas, mas sem sucesso. No comunicado, uma médica do hospital, identificada como Márcia Tereza, disse que Maria Aparecida foi submetida ao parto cesareano ontem e a posterior histerectomia. A assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde não informou sobre o estado de saúde da paciente, mas segundo o marido de Cida, ele teve a informação de que ela tem previsão de alta para segunda-feira.

Cida tem quatro filhos e fez todo o acompanhamento da quinta gestação no HRT. Quando estava com quatro meses de gravidez, chegou a ficar internada por seis dias devido a uma infecção urinária e anemia. Desde então, ela convivia com uma gravidez de risco. Apenas dois dos filhos de Cida moram em Brasília — uma adolescente de 15 anos e uma menina de 2 — e estão sob os cuidados do irmão dela durante a internação.

Memória

Tragédias

Setembro de 2010

» Mesmo internada no Hospital Regional de Samambaia, Naiara não consegui retirar o bebê de quatro meses que estava morto em seu ventre há sete dias. Depois de uma bateria de exames, os médicos receitaram medicamento para provocar o aborto. A descoberta ocorreu depois que ela e o marido, Alisson Araújo, procuraram um hospital particular para saber o sexo da criança.

Dezembro de 2007

» No Acre, a auxiliar de dentista Paulina Casas Martins, 32 anos, estava grávida de gêmeos. No quarto mês de gestação, um médico diagnosticou que um dos fetos estava morto, mas a tranquilizou dizendo que o organismo iria absorvê-lo. A gestação do outro bebê continuou até o nono mês, quando entrou em trabalho de parto. As dores abdominais continuaram e Paulina precisou realizar uma cirurgia em 14 de novembro. Ela teve alta no dia 22, mas voltou a ser internada em 3 de dezembro e morreu quatro dias depois.

Para saber mais

29 mil

casos por ano

No Brasil, são registrados por ano cerca de 29 mil casos de mortes de bebês pouco antes do parto, segundo dados do Datasus referentes a 2006. A cada 101 crianças que nascem vivas, uma nasce morta. A cesareana ou a histerectomia só são aconselhadas a partir do 7º mês de gestação. Na histerectomia, o útero e o feto são removidos e descartados em bloco. Ela pode ser feita com um corte no abdome ou na vagina, alguma vezes usando um instrumento chamado laparoscópio. O tipo de cirurgia depende das condições da mãe. O tempo de recuperação chega a durar semanas e a mulher só poderá ter relacionamento sexual após a sexta semana decorrida da operação.

Palavra de especialista

Não é comum um caso desses. Se considerarmos o total de partos realizados no Brasil, na maioria das vezes a criança sobrevive nessa fase de gestação. Existem patologias maternas que causam a morte antes do parto. Uma vez que morreu, habitualmente, ele é expulso naturalmente. Se o feto não sair espontaneamente, o médico pode induzir o parto com medicação, preferencialmente. Se não conseguir ainda assim, por falta de alternativa ou por não haver condições, a outra alternativa é a cesareana. A histerectomia tira o útero da mãe e ela não tem condição mais de ter filhos. Ela é feita quando não há outro recurso, e nenhum obstetra gosta de fazer. Certamente a paciente deve ter tido outra complicação que obrigou os médicos a fazerem a histerectomia. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando a placenta está invadindo o útero. Nesse caso, a retirada do feto sem retirar o útero pode causar sangramento e levar à morte da mãe.

Alberto Zaconeta, professor de obstetrícia da Universidade de Brasília (UnB)

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