Banheiro gay em escola de samba gera polêmica no Rio

Fabíola Ortiz – Especial para o UOL Notícias

O anúncio de que a escola de samba Unidos da Tijuca, campeã do carnaval carioca em 2010, vai inaugurar um banheiro de uso exclusivo para a comunidade homossexual na nova quadra que abre as portas neste sábado (8) gerou polêmica entre ativistas e defensores dos direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).

A crítica principal partiu do presidente do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT do Rio de Janeiro, Claudio Nascimento, que também coordena o programa Rio Sem Homofobia. Na sua opinião, esta atitude provoca uma espécie de “apartheid carnavalesco” ao sinalizar uma forma de preconceito à comunidade gay, porque segrega os homossexuais.

“Esse assunto de criar um banheiro é superficial em relação às demandas da comunidade LGBT. Não é a criação de um banheiro, delegacia ou de ônibus especial. A gente considera a proposta inadequada, vai no caminho inverso da cidadania. Nem sempre toda boa intenção gera resultado positivo e pode provocar a violação de direitos coletivos”, critica Nascimento.

Esta iniciativa, segundo ele, daria espaço para alimentar uma homofobia disfarçada. “[Isso] Pode ter consequências muito negativas ao longo do tempo e criar um imaginário social de que os gays querem estar à parte da sociedade. Queremos reforçar a inclusão de todos, não adianta ter banheiro LGBT se não puder beijar na boca na quadra.”

De acordo com Claudio Nascimento, que também é superintendente de Direitos Individuais Coletivos e Difusos da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do governo do Rio, é preciso discutir este assunto em uma perspectiva mais ampla.

“O governo do Estado não pode proibir, mas se as pessoas que frequentam se sentirem constrangidas e formalizarem uma denúncia, vamos tomar as providências cabíveis. Vamos ficar atentos acompanhando se vai haver alguma violação de direitos dos usuários e vamos acolher as denúncias. Se for comprovado preconceito, será levantado qual tipo de penalidade a ser aplicada”, alertou.

“Desagradável”

Para a travesti Cacau Ferreira, de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, o banheiro gay pode ser bom para alguns travestis, mas não é a solução. “Eu sou negro, tenho 26 anos e fico envergonhado de ter que ir no banheiro masculino. É desagradável ir de minissaia no banheiro dos homens”, disse. Ela prefere frequentar o feminino nas muitas escolas de samba que frequenta, como a Grande Rio, a Independente de São João de Meriti e a Inocentes de Belford Roxo, do grupo de acesso.

Cacau frequenta muitas quadras de escolas de samba e disse que não concorda com um banheiro exclusivo. “Queremos ser todos iguais. Esta não é uma solução que agrega. Na minha opinião pessoal, prefiro usar o banheiro feminino”.

Perguntada se iria à quadra da Unidos da Tijuca, Cacau disse que sim e aproveitaria para conhecer o novo banheiro.

Já para o homossexual Jorge Luís da Silveira, de 24 anos, que desfila há três anos pela Unidos da Tijuca, a escola de samba é conhecida por acolher o público homossexual. “A escola é muito aberta para os gays”, diz.

Jorge vai estar na inauguração da nova quadra neste sábado e disse que vai conhecer também o banheiro exclusivo da comunidade LGBT. Mesmo assim, Luís vê com ressalvas a criação de um banheiro específico. Ele prefere usar o masculino. “Pode ficar muito negativo porque classifica os gêneros. Na Unidos da Tijuca não tem discriminação, mas já fui em banheiros masculinos em outras escolas que fui discriminado e levei na brincadeira. Tem gente que fala que se já que tem outro ‘é para ir no banheiro de viado'”.

Esta não é a primeira escola de samba que já abriu um banheiro gay, segundo Luís, que há anos frequenta as quadras. Outras escolas como a Grande Rio e a Vila Isabel já têm um banheiro especial. Às vezes, quando opta por usar o masculino, ele diz que é ironizado.

“Retrocesso”

O presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) com status consultivo nas Nações Unidas, também adota um tom crítico quanto a este assunto.

“Somos terminantemente contra fazer banheiros para travestis. Queremos ser incluídos. Para nos é um retrocesso, não queremos banheiros especiais, queremos políticas de inclusão social”, afirmou Toni Reis, que também representa a “Global Alliance for LGBT Education” (Aliança Global pela Educação LGBT, em português).

Segundo Toni Reis, por mais que “tenham boa vontade, esta não é uma reivindicação do movimento LGBT. O travesti deve ter o direito de escolher se usará o banheiro das mulheres, “elas também são femininas”, argumenta Toni.

Para o ativista, não existe o terceiro sexo, só há dois gêneros. “Eu ainda sou a favor de haver apenas um banheiro unissex”, defendeu.

“Banheiro especial”

O porta voz da Unidos da Tijuca e coordenador de comunicação, Bruno Tenório, diz que a ideia do banheiro veio a partir da demanda dos próprios homossexuais que frequentam a quadra da escola.

“Gerava um constrangimento para eles quando tinham que ir ao banheiro masculino. Muitos precisam de mais espaço para se maquiar. Eles não serão proibidos de frequentar os outros banheiros, masculino ou feminino, mas preferem ter um banheiro especial, exclusivo, não no sentido segregatório”, explicou.

Agora, na nova quadra da Unidos da Tijuca que será inaugurada neste sábado, serão três banheiros: “eles vão utilizar o que eles quiserem”. “É como se fosse um camarim, um presente da escola”, ressaltou Tenório.

O porta-voz da escola criticou a polêmica gerada por causa do banheiro. “O debate e as discordâncias são válidas, mas ser oportunista para polemizar e dizer que a escola está segregando… A escola é conhecida por acolher o grupo homossexual, é um público nosso querido e cativo. O homossexual não vai ser obrigado a frequentar só um banheiro, não tem nada de segregação”, rebateu.

Não é apenas o banheiro gay que será inaugurado na noite deste sábado. A nova quadra remodelada da Unidos da Tijuca vai ser apresentada ao público carnavalesco. Na nova quadra, localizada na zona portuária do Rio de Janeiro, foi feita uma obra de 10 meses de duração e gastos estimados em um milhão de reais.

Com uma capacidade para receber 10 mil pessoas, a quadra é mais confortável, assegura o porta-voz. “Cabem agora os componentes da escola e quem mais quiser vir para curtir o samba”, entre comunidade gay e portadores de necessidades especiais.

Além do banheiro especial para homossexuais, vai ser inaugurado um banheiro adaptado para cadeirantes. “A quadra agora é um conforto, um presente da escola”.

Convidado para ser o padrinho do banheiro, o deputado Fernando Gabeira (PV) desistiu de cortar a faixa. Agora o novo padrinho será o carnavalesco Milton Cunha, “que fala bem, é um gay assumido e carnavalesco”, disse Tenório.

A festa de inauguração da quadra e dos banheiros especiais começa às 22h de amanhã, com a bateria da Unidos e também com a presença do tradicional bloco Cordão do Bola Preta, que toca marchinhas de Carnaval que marcaram época.

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