Correio Braziliense
De maio de 2009 a novembro deste ano, pelo menos 80 pessoas foram presas por pornografia infantil por meio da internet no país. O número é 1.500% maior do que o registrado nos noves anos anteriores
Viviane Amaral, coordenadora do Cerevs, analisou o desfecho de 173 casos de menores atendidos no Centro |
Os crimes sexuais contra a criança e o adolescente praticados por meio da rede mundial de computadores explodiram ao longo dos últimos anos. Entre maio de 2009 e novembro deste ano, pelo menos 80 pessoas acabaram presas, em todo o Brasil, por pornografia infantil, geralmente por posse ou distribuição de imagens de menores. O número é 1.500% maior do que todas as prisões efetuadas no país entre janeiro de 2000 e abril de 2009, quando cinco criminosos foram detidos. A quantidade de inquéritos instaurados se multiplica em um ritmo mais lento, porém não menos preocupante.
Entre janeiro de 2000 e dezembro de 2008, 1.018 investigações estavam em andamento. Somente de janeiro de 2009 a novembro deste ano, já são 1.318 inquéritos para apurar esse tipo de crime, um aumento de 29,4%. O balanço é da Polícia Federal, onde o delegado Stenio Santos Sousa, do Grupo Especial de Combate aos Crimes de Ódio e à Pornografia Infantil na Internet (Gecop), da Divisão dos Direitos Humanos, chefia a equipe que atua para desbaratar criminosos no Brasil e no mundo.
Ao explicar as razões para o crescimento das estatísticas, o delegado Stenio Santos afirma existirem vários fatores. O primeiro deles é que as pessoas estão mais informadas sobre esse tipo de crime e, assim, denunciam mais. Além disso, a Lei Federal n.º 11.829 tipificou de forma mais detalhada as condutas dos criminosos, o que facilita a atuação da polícia. Outro fator citado por ele é o investimento do Estado no aparelhamento da polícia para combater a prática criminosa. “Em termos absolutos, houve aumento. Mas não dá para dizer que o crime está sendo mais praticado. Temos que considerar também o crescimento populacional, a ampliação do acesso à tecnologia. Tudo isso são variantes importantes”, destaca.
Impunidade
Um dos entraves para as investigações é a recusa de alguns provedores de internet em entregar para a polícia o registro de conexão do criminoso. Nesses casos, os investigadores precisam de ordem judicial e nem sempre ela é obtida com a rapidez necessária. “Esses provedores que não colaboram com a polícia de certa forma têm contribuído para que o criminoso continue solto e fazendo mais crianças e adolescentes serem violentados” avalia o delegado.
Reportagem publicada pelo Correio em maio deste ano revela que, em 60% dos casos, nada acontece ao abusador porque a denúncia da vítima não vira processo criminal. Os dados são de uma pesquisa do Centro de Referência para a Violência Sexual (Cerevs), órgão ligado à 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF. A coordenadora do centro, Viviane Amaral dos Santos, analisou o desfecho dos casos de 173 crianças e adolescentes atendidos no Cerevs.
A impunidade do agressor do filho Pedro*, 7 anos, é um fantasma que assombra a cabeleireira Mariana*, 46. Já houve um julgamento e o homem acabou inocentado. O Ministério Público recorreu e isso tem dado força para a mulher suportar o sofrimento. “Meu marido, que é padrasto do menino, não me deu apoio hora nenhuma. Preferiu acreditar no tio dele. Não importa. Vou proteger meu filho”, diz, desolada.
Não bastasse o sofrimento de ver a vida de Pedro marcada de forma tão profunda, Mariana enfrenta dificuldades para conseguir atendimento psicológico para ele. A cabeleireira acumula uma dívida de R$ 1 mil com uma psicóloga particular porque não obteve atendimento na rede pública. “Ela o atende uma vez por semana, mas já falou que o ideal são duas ou três consultas semanais. Meu filho só está fazendo o tratamento psiquiátrico no Compp (Centro de Orientação Médico-Psicopedagógica) porque teve ordem judicial”, relata a mulher, que não tem recebido qualquer tipo de apoio psicológico para lidar com a violência sofrida pelo filho.
Aos 30 anos, Flávia* vive um pesadelo. A relação com o pai do filho dela sempre foi conturbada, mas não havia discórdia em relação às visitas nos fins de semana. Até que o menino começou a apresentar sinais de agressividade e desobediência. Flávia o levou a uma psicóloga, que recomendou o monitoramento do convívio com o pai. O caso parou na Justiça e as coisas se complicaram. “Profissionais da Vara da Infância e Juventude (VIJ) descobriram que meu filho era abusado sexualmente pelo pai. Entrei em desespero. Pedi na Justiça a suspensão das visitas e o juiz negou. No Ministério Público, disseram que eu pratico alienação parental. Não pude acreditar”, conta.
Os advogados de Flávia conseguiram uma liminar na Justiça que proíbe o pai de ficar com o garoto. O sentimento de impotência levou Flávia a procurar a CPI da Pedofilia. “Quando vi o caso da menina Joana, entrei em desespero. A mãe dela também foi acusada de alienação parental e aconteceu o que aconteceu. Vivo um momento de descrença na Justiça e só quero proteger meu filho”, resume. O caso Joana ocorreu no Rio de Janeiro. A mãe suspeitava que a criança era agredida pelo pai e foi acusada de alienação parental. A Justiça entregou a guarda da garotinha ao pai, que é apontado como responsável pela morte dela.
*Os nomes são fictícios para preservar as vítimas e em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Flávia*, 30 anos, mãe de um menino abusado pelo próprio pai