Márcia Neri – Correio Braziliense
Pesquisa aponta que os homens respondem por 40% dos casos de infertilidade dos casais. Procurar ajuda médica é fundamental, pois há tratamentos eficazes para a maioria dos problemas
Publicação: 18/12/2010 08:00 Atualização: 17/12/2010 22:36
Temas ligados à sexualidade ainda são cercados de muitos tabus para os homens. Quando o assunto é sexo, eles comemoram as “vitórias” e escondem as “derrotas” a sete chaves. Diante das dificuldades, relutam em se abrir e em buscar socorro médico. Disfunções, como a infertilidade, costumam ser encaradas como um fator comprometedor da masculinidade, não como um transtorno passível de tratamento. Os homens confundem fertilidade com virilidade. Talvez por isso, a mulher tenha carregado por anos a fio a responsabilidade pela esterilidade do casal. Ainda que lentamente, o cenário está mudando. Estudos demonstram que de 15% a 25% dos casais são inférteis. Desse universo, 40% dos casos são atribuídos a problemas masculinos e 40%, aos femininos. O restante são causas mistas ou desconhecidas.
Especialistas em reprodução humana definem infertilidade como a incapacidade de um casal sexualmente ativo, sem o uso de qualquer método contraceptivo, conceber uma gravidez no período de um ano. Sabe-se que o passar das horas do relógio biológico afeta diretamente a fertilidade das mulheres. Quanto aos homens, o assunto ainda é controverso no meio científico. O fato é que os ponteiros que lembram às Luluzinhas que o momento de ter filhos pode passar parecem, no entanto, mais lentos para eles. No mundo dos Bolinhas, os entraves que impedem ou atrasam a paternidade são relacionados a fatores genéticos ou congênitos, imunológicos, hormonais, idiopáticos (sem causa conhecida) e, mais frequentemente, aos distúrbios ejaculatórios e à varicocele, responsável por cerca de 40% dos casos de infertilidade masculina.
A varicocele atinge a região escrotal, que passa a apresentar veias dilatadas devido ao aumento da pressão venosa. O dano, geralmente assintomático, pode estar ligado a uma predisposição, já que o indivíduo nasce com a tendência de apresentar as varizes a partir da adolescência. Ocasionalmente, as queixas se referem a sensação de peso, dor ou aumento do volume escrotal. O diagnóstico baseia-se no exame físico e, quando há dúvidas, indica-se a ultrassonografia com doppler. O tratamento é cirúrgico. “É um problema comum, cerca de 15% dos homens o apresentam. Mas é importante ressaltar que ela não causa infertilidade em todos eles e que o tratamento costuma ser bem-sucedido”, pontua Jônatas Camelo, médico especializado em infertilidade masculina.
O administrador de empresas Alexandre Machado, 35 anos, fez a cirurgia há dois meses. “Eu e minha esposa não usávamos métodos contraceptivos havia cinco anos, mas não ficávamos grávidos”, brinca. Desconfiado que o problema poderia ser com ele, Alexandre decidiu investigar. “Os exames não deixaram dúvidas: eu tinha varicocele, que estava afetando a minha fertilidade”, relata. O abalo emocional foi inevitável, mas Alexandre considera que a desinformação e a ignorância são as grandes responsáveis pela confusão na cabeça dos homens. “Não é fácil encarar o fato de não poder gerar um filho, mas isso nada tem a ver com a virilidade e não afetou minha vida sexual. Busquei informações e fiz a cirurgia. Agora, estou esperando os seis meses para fazer um novo espermograma”, diz.
Impedimentos
As doenças infecciosas que atingem o aparelho reprodutor, a azoospermia obstrutiva e não obstrutiva, o uso de alguns medicamentos, a vasectomia e até a falta de atividade física são outras causas recorrentes de infertilidade masculina. O espermograma, também conhecido como exame do sêmem, é o primeiro a ser prescrito pelos médicos. “Ele nos dá pistas sobre a causa do distúrbio. Daí, então, solicitamos testes mais específicos que apontam, por exemplo, o formato alterado dos espermatozoides. Quando isso ocorre, as chances de a parceira engravidar são quase nulas. E, se a gestação ocorre, o risco de aborto é altíssimo”, observa o urologista e coordenador de Reprodução Humana da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Fábio Pasqualotto.
O aparelho reprodutor masculino é formado por quatro conjuntos de órgãos: dois testículos — cuja função é produzir espermatozoides e hormônios sexuais —; tubos e condutos, por onde passa o esperma; glândulas uretrais e acessórias, como a próstata; e o próprio pênis. O sêmem é composto por secreções da vesícula seminal e da próstata. Os espermatozoides respondem por 1% a 5% dessa composição. “Existe uma quantidade mínima de esperma ideal para neutralizar a acidez da vagina. Por isso, o volume é um fator importante. No entanto, o volume elevado também denuncia a infertilidade”, garante Pasqualotto.
Para os homens que sofrem com a azoospermia não obstrutiva (deficit na produção de espermatozoides), um novo procedimento, conhecido como microdissecção de espermatozoides, tem sido mundialmente utilizado. A técnica tradicional para remediar essa disfunção é a punção, método que pode agredir os testículos, minimizando a chance de se conseguir espermatozoides em uma segunda ou terceira tentativa. “A microdissecção é feita com material microcirúrgico e com o auxílio de um microscópio ultramoderno, o que facilita a identificação de espermatozoides viáveis para a fertilização em até 70% dos homens azoospérmicos. As taxas de sucesso dessa abordagem são 30% superiores aos procedimentos convencionais”, explica o urologista Jônatas Camelo.
Para o cardiologista Carlos Eduardo*, 56 anos, infertilidade foi uma opção. Com duas filhas e uma relação estável, ele fez a vasectomia há 25 anos. O casamento acabou e, ao encontrar uma nova companheira que ainda não tinha filhos, o desejo de ser pai novamente veio à tona. O problema é que as chances de reversão da vasectomia se tornam mínimas depois de 10 anos da cirurgia. Poucas eram as alternativas para Carlos. Para engravidar a parceira, a indicação de especialistas em reprodução foi a injeção intracitoplasmática de esperma (ICSI). “É uma técnica avançada. O espermatozoide é sugado do testículo e inserido dentro do óvulo com o auxílio de um microscópio. Após a fecundação, o óvulo é recolocado no útero. Depois de duas tentativas, engravidamos. É impossível descrever nossa felicidade. Nosso bebê tem 10 dias. Os tratamentos existem. Os homens podem e devem procurar ajuda”, aconselha.
* Nome fictício a pedido do entrevistado
Idade
Pesquisa do Instituto Verhum, em Brasília, entre 1993 e 2008, avaliou o papel da idade do homem na infertilidade. Segundo o estudo, eles continuam capazes de gerar filhos em idades mais avançadas. A pesquisa envolveu 190 mulheres (que receberam óvulos implantados) e 190 homens (maridos das receptoras), divididos em dois grupos, um com menos de 40 anos e outro acima dessa idade. Foi utilizada a técnica de fertilização in vitro (FIV). “O sêmen masculino foi fertilizado no óvulo de mulheres doadoras mais jovens, com idade média de 29 anos, e o índice de sucesso foi igual nos dois grupos”, diz o especialista em reprodução humana Vinicius Medina Lopes.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Sentimento de impotência
“A infertilidade masculina é, em alguns casos, muito mais ‘sofrida’ do que a feminina. Os homens associam o problema à masculinidade e à virilidade. Ser infértil desperta neles sentimentos de impotência. Muitos se recusam a fazer o espermograma, justificando que cabe à mulher a investigação inicial. Puro engano, pois de todas as causas de infertilidade, cerca de metade se deve ao homem. Alguns exames femininos são extremamente desconfortáveis e podem ser dispensados caso o teste do sêmen
apresente alterações. Das desordens que prejudicam a fertilidade do homem, a mais traumática, sem qualquer dúvida, é a ausência total de espermatozoides (azoospermia). No entanto, a maioria dos transtornos têm tratamento específico, permitindo que o sonho da paternidade seja realizado. Ainda assim, o impacto emocional da infertilidade é avassalador. Os homens sentem-se decepcionados, envergonhados e até deprimidos. Não que a mulher seja insensível quando o problema é com ela, mas a forma de encarar os fatos é diferente. Elas procuram reerguer-se com coragem, enquanto o homem precisa de apoio, compreensão e de mãos estendidas para se levantar e participar do tratamento de forma ativa. Geralmente essa iniciativa para sua recuperação vem da mulher. É nessa hora que se descobre qual é o verdadeiro sexo frágil”
Virginia Toni Felippetti e Paula Bisol, psicólogas e sexólogas