Mariana Farinas, estudante de psicologia da PUC-SP
Neste ano, o relatório anual do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud) inclui uma nova forma de medir as desigualdades de gênero de países, chamada GII (Gender Inequality Index). Resumidamente, este índice abarca três setores. São eles: mercado de trabalho, que analisa a participação das mulheres neste; saúde reprodutiva, que analisa a mortalidade materna e fecundidade na adolescência e por último ‘empoderamento’ (‘empowerment’), que abarca a representatividade feminina no parlamento e nível de escolaridade. Com relação a este último, já existia índice semelhante desde 1995, chamado Gender Empowerment Measure (GEM, Medida de ‘Empoderamento’ de Gênero) que media, através de indicadores específicos, a participação tanto econômica quanto política da população feminina de um país ou região.
O termo ‘empowerment’ pode ser entendido como uma melhoria na confiança nas próprias capacidades e habilidades de indivíduos ou comunidades. É caracterizado por um aumento de força política, econômica e social, ou seja, pelo engrandecimento da capacidade de ação. Tal conceito pode ser compreendido simultaneamente de forma simbólica e concreta. A representatividade política, por exemplo, além de aumentar a força social repercute também de forma simbólica. Martha Suplicy, em entrevista à Mônica Waldvogel no programa “Entre Aspas” afirmou, sobre a eleição de Dilma Rouseff, que “nenhuma menininha vai mais perguntar ‘mulher pode?[ser presidente]…este valor simbólico é gigantesco, incomensurável”. Os eventos e a vida material, concreta das mulheres e seu consequente simbolismo se cruzam, o que nos permite estender o termo ‘empowerment’, como o entendemos aqui, a todos os indicadores usados no GII. Uma mulher que vive em uma sociedade na qual a mortalidade materna é reduzida se empodera com relação à isso, uma mulher que estuda mais se empodera, uma mulher que demora mais para ter filhos e estuda garantindo assim sua autonomia financeira se empodera e assim sucessivamente.
Segundo o relatório do Pnud lançado esse ano, Holanda e Dinamarca lideram o ranking de países com maior igualdade de gênero baseando-se no GII. Porém, segundo uma pesquisa do Rutgers Nisso Groep, respeitado centro de estudos de sexualidade holandês, lançado em 2009 cerca de 12% das mulheres holandesas já foram estupradas. A taxa para os homens fica em apenas 3%. O Índice de Desigualdade de Gênero do Pnud, ou o índice de GEM, se considerasse a violência sexual provavelmente produziria um ranking diferente e a desigualdade de gênero talvez se mostrasse maior.
Olhar apenas para o GII pode dar a impressão de haver pouca preocupação por índices relativos à violência sexual contra as mulheres, apesar dos discursos recorrentes sobre o alto índice da mesma. E não se trata apenas do abuso físico, mas de violências mais sutis como a representação das mulheres na mídia e o assédio verbal nas ruas. Nas mídias abertas da internet, houve nos últimos anos um considerável aumento de vídeos em protesto às representações das mulheres e à forma com que estas são tratadas nos espaços públicos. Tais manifestações são de grupos independentes de feministas, que demandam leis e medidas para que os assédio que as mulheres sofrem nas ruas diminua ou que haja algum controle da representação da mulher na mídia. Surgem de países considerados ricos, com indicadores de GII mais altos que o Brasil. Talvez, com maior confiança nas próprias capacidades, as mulheres possam assumir o direito de protestar contra uma violência da qual o estupro, a mortalidade materna e a falta de participação política sejam apenas partes, uma violência que permeia e ao mesmo tempo sustenta um mundo no qual as mulheres são o ‘segundo sexo’.
A violência física e simbólica a que estão submetidas as mulheres, em graus diferentes, mesmo em países que em teoria têm baixíssima desigualdade de gênero parece não ser considerada como algo que afete a capacidade da mulher em confiar em suas habilidades ou o seu poder político segundo a estrutura na qual foi montada o GII. Pode-se afirmar que os índices de violência física ou simbólica sejam difíceis de medir, mas essa dificuldade não deixa de se mostrar sintoma de um quadro muito maior. Essas contradições fazem surgir uma dúvida, que pode ser assim resumida: que tipo de aumento de confiança nas próprias habilidades podem ter as mulheres enquanto a violência, que em maior ou menor grau media a relação destas com o mundo público e midiático, não aparece vinculada à outros fatores ao se determinar desigualdade de gênero? Há portanto um ruído quando se trata de empowermet, pois a conclusão sobre o quanto as mulheres têm poder , tirada a partir de pontos pré determinados, é atravessada pelo silêncio barulhento da violência colocada como um mau desvinculado da participação política, dos direitos sexuais e reprodutivos outras questões levadas em conta ao se analisar igualdade.