Violência familiar atinge mais frentes

 

Por Suvendrini Kakuchi, da IPS

Tóquio, Japão, 14/12/2010 – Os prolongados males econômicos ajudaram a piorar a violência doméstica no Japão. Mas agora a maioria das vítimas são crianças e idosos. O cenário atual já não é o das mulheres que apanham, e exige enfoques novos e diversos. “Nossa pesquisa mostra que hoje há mais crianças e idosos que enfrentam abusos diários ou que correm risco de sofrer esse tipo de violência”, disse a socióloga Rika Inamura, professora da Universidade Internacional de Kogoshima.

A culpa é da recessão econômica que começou na década de 1990 e continua afetando os japoneses, acrescentou Rika. Isto aumentou a pobreza nos lares japoneses e fez colapsar os vínculos das comunidades locais, explicou. Outro dos principais motivos para o aumento da violência doméstica é uma população envelhecida que cada vez mais reclama aos jovens, gerando tensões dentro das famílias, esclareceu.

“Muitos idosos e muitas crianças necessitam de mecanismos de apoio. A expansão da violência doméstica significa abordar a pobreza e o colapso social, e ainda desenvolver programas para ajudar os que cometem tal violência”, afirmou Rika. Segundo as últimas estatísticas divulgadas pelo governo, 73 mil pessoas registraram alguma forma de violência em 2009. O número implica aumento em relação aos 68 mil casos de 2008, e mais que duplica os de 2002, quando o Japão aprovou suas primeiras leis contra a violência doméstica.

Os números mais recentes foram divulgados no dia 25 de novembro, Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra a Mulher. Estas constituíram mais de 80% das vítimas da violência doméstica em 2009, e o meio mais popular que utilizaram para buscar ajuda foi o telefone. Os tipos de abusos denunciados foram agressões físicas, enquanto uma em cada três vítimas teriam sofrido abusos verbais e psicológicos com regularidade.

A polícia também fez mais de 25 mil investigações no contexto da revisada Lei de Prevenção da Violência Doméstica, de 2002, que ampliou a proteção da violência física e as ameaças (incluindo o assédio) de cônjuges atuais e ex, até concubinas e seus filhos. Embora as demandas de idosos atualmente representem apenas cerca de 300 casos de violência doméstica de todos os denunciados no ano passado, os assessores que trabalham com os que sofreram abusos dizem que cada vez tratam mais vítimas idosas, o que mostra que esse setor da população se tornou mais vulnerável a este problema.

Entre os casos mais recentes da Associação Mimosa, líder em seu apoio aos programas contra a violência doméstica, há dois casais de 70 anos que buscaram ajuda por não aguentarem mais tantos anos de agressões físicas por parte de seus filhos, com os quais conviviam. Os casos de abusos infantis também dispararam para quase 45 mil consultas em 2009, segundo o Ministério da Saúde e do Bem-Estar. De acordo com os assessores, os abusos variam do físico ao sexual, passando pelo verbal e pelo abandono, que se manifesta, por exemplo, em não lhes dar alimentos.

Sociólogos e advogados dizem, entretanto, que a violência doméstica pode ser ainda mais séria do que mostram as estatísticas, porque muitos japoneses ainda consideram que se trata de uma questão privada. A especialista em questões de gênero Junko Fukazawa, do não governamental Centro de Serviços Humanos, disse que, até meados dos anos 1980, “violência doméstica” era um termo ausente da consciência das autoridades japonesas.

“Por outro lado, as pessoas falavam em divórcio na meia idade ou depressão entre as mulheres casadas. Ninguém vinculava realmente estes problemas à violência contra as esposas”, explicou Junko. Essa violência doméstica saltou para primeiro plano na década de 1990 devido à “pressão internacional sobre o Japão” e à firme campanha das feministas japonesas para colocar o assunto em destaque, acrescentou.

Pelo menos, atualmente parece haver um apoio social às mulheres que se manifestam contra a violência, disse Chie Matsumoto, da organização Purple Parade, que trabalha com outras para conscientizar sobre o problema. “O público está consciente da violência doméstica”, o que é uma tendência significativa em um país onde há pouca igualdade de gênero, prosseguiu. “Há empatia com a vítima, mas ainda é preciso começar a educação sobre a violência doméstica em escolas, universidades e hospitais”, ressaltou Chie.

A diretora da Associação Mimosa, Hisako Yasuda, disse que abordar as causas da violência doméstica é crucial para gerar uma solução de longo prazo. Entretanto, alerta que algumas medidas práticas, como novas destinações de moradia para os sobreviventes da violência doméstica, são igualmente importantes, já que ajudam as vítimas a reiniciarem suas vidas.

Atualmente, a prefeitura de Tottori – onde fica a sede da Mimosa – concede estas destinações. O governo local paga aluguel de apartamentos para sobreviventes da violência doméstica por até seis meses. Para Hisako, este gesto incentiva a confiança das vítimas, que precisam de tempo para refazer suas vidas após anos de abusos. “As mulheres, especialmente as que têm em torno de 60 anos, precisam deste apoio financeiro, já que muitas delas não possuem trabalho estável quando fogem de seus maridos abusivos”, ressaltou. Envolverde/IPS

(IPS/Envolverde)

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