Eu e a camisinha feminina

Cristiane Segatto – Revista Época
A primeira vez a gente não esquece

 Reprodução

CRISTIANE SEGATTO
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo.com.br

Na semana passada, escrevi aqui sobre uma das minhas tantas inquietações: por que é tão difícil convencer a moçada a usar camisinha? Arrisquei uma explicação: os jovens não sentem necessidade de se proteger porque não acreditam que a aids continua sendo uma doença grave. Não viram infectados morrer aos montes como minha geração viu. Tampouco são convencidos a se prevenir pelos anúncios excessivamente suaves produzidos pelo Ministério da Saúde. A conversa rendeu. Os leitores participaram com argumentos inteligentes, curiosos, divertidos, assustadores.

Amancio, de Salvador, disse que temos no Brasil o que ele chama de “contrapreconceito”. “As campanhas têm um excesso do politicamente correto em nome de um falso conceito de preconceito. Precisam ser incisivas, diretas e práticas sem se preocupar com o que os grupos e organizações pensam. Precisamos salvar vidas e o caminho é a prevenção. Então direto ao assunto: aids mata.”

Barbara, de Florianópolis, tem 18 anos e escreveu: “Vivo num mundo movido a sexo. Um mundo que aceita a bissexualidade, que cultua o corpo, que permite mulheres mais livres, um mundo que destrói tabus. O problema não está na banalização do sexo. Os jovens não usam camisinha porque é ruim e ponto.”

Thiago, de Brasília, acredita que convencer um jovem a usar camisinha é algo como convencer alguém a comer banana com casca. “As chances de pegar aids no Brasil são ínfimas porque apenas 0,3% da população tem o vírus. “É muito mais fácil morrer no trânsito ou assassinado do que por aids. Não me venha com demagogias, idealismos baratos, nem pensamentos tirados de livros de autoajuda ou pára-choque de caminhão.”

Mary, do Recife, não entende porque suas amigas, na faixa dos 20 anos, não usam camisinha simplesmente porque não gostam. “Tenho um familiar que convive com a doença e, garanto, não é nem um pouco normal. Ver um ente querido cadavérico é assustador. Por que deixar a própria vida ao acaso se temos a oportunidade de viver mais e melhor?”

Cristiane, minha xará de São Paulo, lembra que a responsabilidade de usar camisinha não é exclusiva do homem. “A mulher tem o direito de dizer ‘não’ se ele se recusar a usá-la. Se os jovens adultos não querem usar camisinha, sugiro que não transem e satisfaçam suas necessidades se masturbando. Ou usem aparatos medievais como os cintos de castidade. As campanhas do Ministério da Saúde deveriam mostrar o que realmente acontece no corpo das pessoas infectadas.”

William, de Curitiba, tem 19 anos e conta que muitos dos amigos da mesma idade reclamam que a camisinha incomoda e que é muito melhor fazer sexo vaginal sem ela. “Muitos jovens não sabem usar camisinha corretamente ou têm a impressão de que ela incomoda. Também existe o senso comum de que a aids só é contraída em uma relação homossexual”.

Jorge, de São Paulo, se indignou com minhas impressões sobre a camisinha ultrafina. “A autora disse ‘fiz o teste e aprovei’. Como? Ela tem pênis? Quem realmente fizer um teste vai descobrir que é muito ruim parar o sexo, manter a ereção e vestir aquela coisa que machuca e prende os pelos.”

Pois é, Jorge. Você mexeu com meus brios. Fiquei incomodada ao perceber que, para alguns homens, uma mulher não é capaz de opinar sobre as qualidades de uma camisinha. A mulher não é parte da relação? Um homem heterossexual coloca camisinha para transar sozinho? A mulher não percebe qual é a espessura da borracha, se o formato é anatômico, se a camisinha permite uma experiência próxima do que acontece sem ela? Não pode perguntar ao parceiro sobre as sensações dele?

Nós, mulheres, podemos e devemos julgar os prós e contras da camisinha. Num aspecto, porém, Jorge tem razão. Não tenho pênis. Não posso relatar, em primeira pessoa, se é tão difícil assim manter a ereção enquanto tento (no escuro, muitas vezes) abrir o pacote e colocar a camisinha. Também não posso sentir se ela realmente aperta e se arranca os pelos.

Estava ruminando sobre as limitações anatômicas que me impedem de fazer um relato justo e imparcial quando abri um envelope branco que chegou à redação. Uma assessora de imprensa leu minha coluna e queria que eu conhecesse uma marca nova de camisinha feminina, chamada Della.

“Bingo” – pensei. E se eu testasse essa camisinha e fizesse um relato para vocês? Ela é distribuída no SUS em várias cidades. Uma outra marca é vendida em farmácias. Pode ser uma opção interessante para os casais que não se adaptam ao preservativo tradicional. Os comentários da coluna da semana passada demonstram que muita gente – como eu imaginava – não tem medo da aids. Deveria ter. E pensar em usar camisinha para se proteger de outros vírus e doenças sexualmente transmissíveis muito mais frequentes como sífilis, gonorréia, herpes, HPV, clamídia.

Nunca antes eu havia usado uma camisinha feminina. Seria minha primeira vez – aquela que a gente não esquece. Nenhuma experiência prévia poderia influenciar meu julgamento. Era a situação ideal. A camisinha pode ser colocada no corpo da mulher até 8 horas antes da relação. Ela pode ir discretamente ao banheiro, instalar a camisinha e só então começar as preliminares.

Essa é a forma correta e mais segura de usá-la. Mas achei que fazer isso seria trapaça. Para sentir um constrangimento parecido ao que o leitor Jorge relatou eu deveria interromper a transa, rasgar a embalagem, tirar aquela camisinha enorme em formato de coador, instalá-la direitinho e retomar a história antes que meu marido tivesse perdido, digamos assim, o ânimo.

Para uma estreante, acho que me saí muito bem. Não me senti nem um pouco constrangida de interromper o jogo e introduzi-la na vagina (Concordo que talvez isso seja mais fácil num relacionamento de 11 anos como o meu do que numa relação recente ou ocasional).

Abri a embalagem facilmente. Nem precisei usar os dentes. Desenrolei a camisinha em poucos segundos. Havia lido as instruções previamente e sabia que eu deveria apertar o anel menor e introduzi-lo na vagina o mais profundamente possível. Na outra extremidade há um anel maior que fica fora da vagina. No momento da penetração, a mulher deve segurar o anel externo com uma das mãos.

Não é que funciona? O atrito não faz a camisinha enrolar e entrar totalmente na vagina. Imaginei que ouviria uns barulhos estranhos provocados pela borracha. Nada disso. Ela se mantém quietinha. Também não dá coceira nem cheira mal.

No meu julgamento de mulher, a camisinha feminina foi ap

rovada. Não atrapalha o prazer, não constrange, não causa perda de sensibilidade. Para mim, a camisinha masculina também não causa nada disso. O placar ficou 0 a 0.

E o julgamento masculino? No quesito sensibilidade, meu marido disse que ela empata com a camisinha masculina. Ele achou interessante não sentir a compressão da borracha, como acontece com a camisinha masculina. Mas achou que o contato com a borracha da camisinha feminina provoca certa “ardência” no pênis. O placar, para ele, ficou indefinido. Ele tende a preferir a camisinha masculina, mas acha que precisamos fazer o teste mais vezes até ele se decidir. Eu topo.

E você? Já usou camisinha feminina? Gostaria de experimentá-la? O que acha da camisinha tradicional? Por que é tão difícil convencer os jovens a usá-la?

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