José Henrique Lopes, do R7
Comitê trabalha para mapear iniciativas que serão priorizadas nos próximos anos
Investigação de crimes cometidos na ditadura militar é uma das diretrizes do PNDH-3, instituído em dezembro de 2009
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, diz o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é de 1948. Já se passaram 62 anos desde então, e são vários os países que ainda trabalham para transformar essa frase em garantias reais a suas populações.
No Brasil, a terceira edição do PNDH (Programa Nacional de Direitos Humanos) traz um roteiro com mais de 500 ações para concretizar a promoção dos direitos humanos ao longo da próxima década. À presidente eleita, Dilma Rousseff, caberá dar sequência ao trabalho de implantação desta enorme peça, elaborada a partir de discussões ocorridas na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, feita em dezembro de 2008, e em 50 encontros temáticos promovidos desde 2003.
Instituído por decreto presidencial em dezembro de 2009, o PNDH-3 abarca uma ampla agenda, que inclui temas como política externa, incentivo ao desenvolvimento sustentável, segurança pública, combate à fome e à pobreza, reforma agrária, erradicação do trabalho infantil, respeito às comunidades indígenas e quilombolas, enfrentamento do bullying no ambiente escolar e na internet, políticas de atenção ao idoso e de acesso à educação e aos serviços de saúde, entre outros.
Segundo estimativas da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, até o mês de outubro, das 519 ações existentes, 257 foram pelo menos parcialmente executadas. Ou seja, quase a metade delas já começou a sair do papel, em um processo que é caracterizado pela interlocução entre várias instâncias do poder público.
Entre os pontos da extensa pauta do PNDH-3, estão a criação da Comissão Nacional da Verdade, que ficará responsável por apurar violações dos direitos humanos cometidas em contextos de repressão política, a instalação de um Observatório Nacional dos Direitos Humanos para subsidiar o trabalho de monitoramento das políticas públicas, e a expropriação de imóveis rurais e urbanos em que forem encontrados trabalhadores em condição análoga à escravidão. Outros tópicos que também estão previstos no programa e já são motivo de debate são os que envolvem direitos da população homossexual, como a união civil e a adoção, além da lei que criminaliza a homofobia.
Para acompanhar a concretização do PNDH-3, foi criado um comitê de monitoramento, que conta com representantes de 21 ministérios. A este grupo cabe elaborar planejamentos bianuais para que as ações propostas sejam colocadas em prática. Atualmente, o órgão discute o que será destacado como prioridade para 2011 e 2012. A secretária de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Lena Peres, que coordena o grupo, explica que o trabalho está em fase de conclusão. No início de dezembro, haverá um novo encontro, em que todos os participantes farão os últimos ajustes às propostas que serão levadas adiante.
– Ainda temos alguns ministérios que não fecharam suas principais ações. Todos estão trabalhando. [Os ministérios da] Saúde e [da] Justiça, por exemplo, fizeram um comitê interno para elencar as ações que ficarão para esse plano bianual.
A reunião de dezembro servirá para que todos os ministérios presentes no comitê finalizem o planejamento para os dois anos seguintes. O próximo passo, segundo Lena, será levar essas diretrizes ao novo governo, o que deve ocorrer em um encontro marcado para fevereiro. Caberá à equipe de Dilma, caso haja a intenção, fazer ajustes.
– Sabemos que estamos trocando de governo e, embora seja um governo do mesmo partido, teremos novos ministros e dirigentes. Esse plano [bianual] é um elenco de intenções do fim deste governo. Provavelmente nas reuniões de fevereiro e março, vamos ter um panorama dos novos dirigentes, quem sabe elencando novas ações ou fazendo uma revisão das que foram apontadas pela equipe do governo do presidente Lula.
A secretária adianta que nenhum ponto polêmico será incluído na pauta para os próximos dois anos. Segundo ela, alguns dos temas selecionados são o combate à homofobia, o enfrentamento da violência contra a criança e o adolescente, políticas de atendimento ao idoso e de proteção à pessoa.
Continuidade
Para José Gregori, que foi o primeiro secretário nacional de Direitos Humanos e hoje preside a Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo, um dos traços que caracterizam a adoção de políticas da área no Brasil é a continuidade – o que, segundo ele, deve fazer com que Dilma olhe para o assunto como uma “questão de Estado, e não de governo”.
– No Brasil, após a reinauguração da democracia, a questão dos direitos humanos tem se caracterizado pela continuidade, tem uma natureza mais permanente, que de certa forma fica abrigada contra paixões partidárias, eleitorais e políticas. Isso é um sinal de avanço da democracia brasileira.
O sociólogo Marcos Rolim, que foi deputado federal pelo PT gaúcho e é um dos especialistas que participaram da consolidação do PNDH-3, chama a atenção para a ameaça representada por “posições conservadoras” que integram a base de apoio do governo Lula e que poderão aumentar seu espaço na gestão de Dilma.
– Eu temo que o futuro governo siga sendo limitado pelas posições conservadoras que ofereceram sustentação política no Congresso ao governo Lula, e que o PMDB, agora com a vice-presidência, tenha uma inf
luência ainda maior, o que daria razões para novas dificuldades.
Rolim lembra que, embora a temática dos direitos humanos não tenha sido uma das frentes mais exploradas na campanha eleitoral, Dilma apresentou como principal compromisso a erradicação da miséria.
– Espero que corresponda a um conjunto de iniciativas de inclusão e a uma política econômica mais ousada, no sentido da distribuição de renda e da construção de um ‘Estado de bem-estar’.