Livro analisa desafios do movimento feminista

lia-zanotta2Barbara Arato – Da Secretaria de Comunicação da UnB

Aborto e violência contra a mulher são as principais questões abordadas pela professora Lia Zanotta Machado

Uma das maiores conquistas do movimento feminista brasileiro foi  o reconhecimento do direito da mulher à não-violência. “Os casos de violência existem, mas o senso comum já os reconhece como não naturais”, afirma a professora do departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Lia Zanotta Machado. Em relação ao direito feminino de interromper a gestação, o país não avançou na mesma medida. “A sociedade brasileira ainda é bastante hipócrita em relação ao aborto”, diz.

 

As conclusões fazem parte de anos de estudos, análises etnográficas e dados apresentados no livro Feminismo em movimento (editora Francis), de autoria da professora Lia Zanotta. O lançamento da obra será nesta quinta-feira, 2 de dezembro, às 19h, no restaurante Carpe Diem (SCLS 104, bloco C). Na mesma ocasião, será lançado também o livro Sociologia da Violência, da professora Maria Stela Grossi Porto (veja aqui).

A obra refaz o percurso do movimento feminista no Brasil, articulando o posicionamento da professora como pesquisadora em Ciências Sociais e como ativista dos direitos das mulheres. “Um dos principais desafios das ciências sociais é incorporar os direitos humanos, fazer uma crítica à desigualdade de gênero e respeitar a diversidade cultural”, afirma Lia.

A professora argumenta que uma das maiores dificuldades do movimento feminista brasileiro foi ter voz na sociedade. Lia relembra os casos emblemáticos de duas mulheres que foram assassinadas por seus companheiros, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, nos anos 70: seus algozes acabaram absolvidos com a justificativa de “legítima defesa da honra”. “Podemos verificar o longo tempo de maturação da legislação brasileira até a aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006”, analisa. A Lei criou mecanismos mais rigorosos de punição à violência doméstica e familiar, e foi batizada em homenagem a uma mulher que ficou paraplégica após reiteradas tentativas do marido de assassiná-la.

Para a professora Lia, a violência contra a mulher é apenas a faceta de uma sociedade intrinsecamente violenta. “No Brasil, a violência é a forma mais comum de resolução de conflitos”, explica. É o que a pesquisadora chama de violência tradicional ou interpessoal. Mas, há também as denominadas formas ultramodernas de violência, a exemplo do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. “É um sistema baseado no interesse econômico e nas formas espetaculares de violência”, diz Lia. Para demonstrar poder, os traficantes expõem corpos desfigurados em público, uma forma de punição exemplar. A professora explica que combater a violência contra a mulher é também combater a “violência pública”.

ABORTO – A professora Lia Zanotta afirma que a visão do aborto no Brasil é regida por uma lógica privada. “As pessoas são favoráveis quando se trata de alguém próximo. Aí, há um reconhecimento de que a mulher pode ter razões legítimas, seja de ordem econômica, questões sociais ou de saúde”, explica. A regra geral é desconfiar da mulher que toma a decisão de interromper a gravidez. “É uma sociedade bastante hipócrita”, diz Lia. A antropóloga lembra da tentativa do movimento feminista de legalizar o aborto em 2005, quando levou a questão ao Congresso Nacional com o apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Segundo Lia, o projeto foi barrado pela articulação de lideranças religiosas dentro do Parlamento.

De acordo com a professora, há um crescimento de lideranças religiosas ultra-conservadoras que propõe a criminalização das mulheres que realizam aborto. “É uma moralidade estrita. Vemos aí uma regressão: eles querem obrigar a mulher estuprada a ter o filho, assim como as mulheres que carregam fetos anencéfalos”, exemplifica. “Isso é levar uma tortura adiante”, diz. Lia ressalta, no entanto, que o movimento feminista entende que a mulher pode decidir sobre a interrupção da gravidez até as 12 primeiras semanas de gestação.

Baseada em pesquisas, a professora afirma que a maior parte das mulheres que abortam têm alguma religião, são casadas e já têm filhos. Ela também conta que nos países em que o aborto foi legalizado, juntamente com uma generalização dos métodos contraceptivos, os índices da prática diminuíram. “As mulheres que abortam o fazem por motivos de força maior. É algo difícil, ninguém faz por qualquer coisa”, diz Lia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *