CARTA dos MOVIMENTOS de MULHERES para a I CONFERÊNCIA MUNDIAL sobre o DESENVOLVIMENTO de SISTEMAS UNIVERSAIS de SEGURIDADE SOCIAL
Brasília, 02 de dezembro de 2010
No Brasil, o direito universal à proteção social, tal qual estabelece a Constituição de 1988, conquista dos movimentos sociais brasileiros, não é uma realidade para todas e todos no País. Milhões de trabalhadoras e trabalhadores seguem sem direito à previdência social, sobretudo mulheres e população negra, indígena, portadoras de deficiências e demais segmentos da classe trabalhadora hoje nos postos mais precários e informais.
O SUS é constantemente ameaçado por propostas privatistas e pelo déficit de orçamento. Os direitos previstos na política de assistência social também não são garantidos a todas aqueles(as) que dela necessitam e o SUAS ainda encontra obstáculos à sua efetivação. O orçamento da seguridade social é drenado ano a ano para gerar superávit primário o que reduz as possibilidades de ampliar direitos e cumprir com o caráter redistributivo da seguridade social no País.
Estamos às portas de um novo governo e é hora, novamente, de estarmos nas ruas denunciando esta situação e visibilizando nossas lutas e propostas em defesa de uma seguridade social pública, universal, solidária e redistributiva. Não basta promover o desenvolvimento sem garantir a redistribuição da riqueza que é produzida por todos e todas nós: pescadoras, trabalhadoras informais em vários setores e atividades, no campo e na cidade trabalhadoras precarizadas, catadoras, ambulantes, extrativistas.
Somos milhões de mulheres, a grande maioria de nós negra, em situação de desproteção social. A seguridade social é uma das principais políticas redistributivas e capazes de enfrentar o abismo da desigualdade e da injustiça social, de gênero e racial em nosso País.
Somos trabalhadoras informais das cidades, somos mulheres negras, trabalhando em condições precárias e insalubres, sem proteção social porque estamos à margem do sistema contributivo de previdência social: catadoras, ambulantes, feirantes. Somos donas de casa, que realizamos o trabalho que sustenta o mundo e até hoje segue sem reconhecimento de seu valor e seus direitos; Somos trabalhadoras domésticas, vivendo relações de trabalho marcadas pela discriminação, a grande maioria sem acesso à previdência, e ainda hoje com 27 direitos a menos que as demais categorias de trabalhadores(as).
Somos trabalhadoras do campo que produzimos a grande parcela dos produtos que alimentam nosso país, com nossos direitos constantemente ameaçados e muitas vezes não reconhecidos e sem acesso pleno à saúde. Somos mulheres feministas que lutamos contra a superexploração de nosso trabalho pelo capitalismo patriarcal e racista, por nosso autonomia econômica e pelo fim das desigualdades que fazem de nós mulheres aquelas que trabalham demais mas têm direitos de menos!
Neste contexto, os movimentos de mulheres articulados no Fórum Itinerante das Mulheres em Defesa da Seguridade Social – FIPSS, desde 2007 estão em permanente mobilização, por todo o Brasil, em defesa da proteção social ao trabalho das mulheres, da população negra e dos segmentos hoje inseridos nos setores mais precários do mundo do trabalho e totalmente submetidos à mais absoluta desproteção.
Durante esta Conferência, nós mulheres do FIPSS estamos mobilizadas no Acampamento das Mulheres, representadas por diversos estados brasileiros e da região latinoamericana. Convocamos a sociedade, governos presentes, delegadas/os, movimentos sociais para que se somem à nossa luta pela necessidade de proteção social de nosso trabalho; pela defesa dos princípios de universalidade, solidariedade, equidade da seguridade social como um sistema capaz de redistribuir renda em nossos países, sem destituir direitos, enfrentando as desigualdades estruturantes de gênero, raça/etnia e classe.
Fórum Itinerante das Mulheres em Defesa da Seguridade Social
—————————-
Em defesa de um Sistema Universal de Seguridade Social acessível a todos
INESC
Na conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Sistemas Universais de Seguridade Social, as desigualdades do sistema se tornam ponto central para representantes da sociedade civil
No dia primeiro de dezembro, durante a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento de Sistemas Universais de Seguridade Social, realizada em Brasília, entidades da sociedade civil, feministas e de trabalhadoras participaram do debate “Como enfrentar as iniqüidades nos sistemas universais do ponto de vista de gênero étnico/racial”. Na mesa, foram expostas problemáticas brasileiras, paraguaias, uruguaias e cubanas sobre o tema.
José Antônio Moroni, do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômico
s (INESC), presente na conferência, sintetizou o intuito da atividade da seguinte forma “nós não defendemos, de forma nenhuma, a destruição dos sistemas universais e a criação de políticas específicas direcionadas unicamente por segmentos. Mas é preciso pensar no acesso ao sistema universal, com critérios diferentes, baseados nas desigualdades existentes na sociedade”.
Dentre as muitas questões levantadas, receberam destaque durante o encontro as seguintes:
Luta pelos direitos sociais
Jurema Werneck, da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), elucidou este ponto durante a atividade ao afirmar “Temos o direito, mas a realização deste não é automática. Precisamos de mobilização”. Embora pareça óbvio, é sempre importante frisar a afirmação de Jurema, para que se tenha a certeza, de que, embora a seguridade social universal seja garantida na constituição federal, artigo 194, parágrafo único, ainda há muita briga pela frente para garantir que a lei se torne realidade.
Crise econômica mundial como um obstáculo para os direitos sociais
O atual modelo capitalista no qual vivemos prioriza as políticas econômicas no que diz respeito ao orçamento público. Com a crise econômica atingindo até os países “mais fortes”, os sistemas de seguridade social são postos para escanteio a fim de superar a situação. Verônica Ferreira, da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), informou que “todos os anos cerca de 30 bilhões de reais que deveriam ir para a seguridade social são drenados para gerar superávit primário e fortalecer o capitalismo”. Diante de tamanha falta de compromisso a necessidade de se quebrar esse modelo, exploratório, que segundo Ferreira, enxerga as pessoas “como pesos para a previdência” foi amplamente denunciado durante o debate.
Justiça social como garantia de um sistema universal de seguridade social
Quem tocou nesse assunto primeiro foi Gisela Aranja, de Cuba, que disse ser “complicado falar de um sistema universal de seguridade social, se não temos acesso à justiça e saúde”. Neste mesmo sentido, de denunciar as iniqüidades com relação aos trabalhadores e trabalhadoras, Marciana Santander do Paraguai explicou que em seu país, as empregadas domésticas possuem piso salarial 40% abaixo do salário mínimo, o que equivale a cerca de R$ 217, para trabalharem em média 12 horas por dia. Além de Marciana, outras ativistas presentes também fizeram questão de apresentar suas denúncias e insatisfações, como Maria Eliene, pescadora do Ceará, que defendeu a redução da idade mínima para aposentadoria no caso das pescadoras para 50 anos, pois segundo ela, em decorrência do esforço físico pesado que a profissão exige, muitas mulheres desenvolvem desde cedo problemas de saúde, desde coluna até fisiológicos.
Meios de comunicação
O papel dos meios de comunicação de massa também foi um tema amplamente abordado, Gisela Aranja falou sobre o papel que os meios desempenham hoje, estereotipando mulheres, negros(as), índios(as), pobres e demais segmentos da sociedade excluídos do debate. “É como se os pobres quisessem continuar pobres”, afirmou Aranja.
Dela Sosa, ativista Uruguaia concordou com Gisela e prosseguiu, “os meios de comunicação só mostram as trabalhadoras com vassouras na mão, como se fossem bruxas”. Por fim Aranja, falou da importância de se desenvolver rádio e e TV’s comunitárias, como forma de dar voz aos excluídos.
Revisão do sistema contributivo
A mudança no sistema de seguridade social contributivo, implementado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, foi um dos pontos mais defendidos. Segundo Verônica Fereira “um sistema contributivo é incapaz de gerar proteção para as mulheres”, se referindo principalmente ao caso de donas de casa, que por não ser um serviço remunerado não entra na lista dos “contribuintes” e às empregadas domésticas que muitas vezes trabalham sem carteira assinada, não tendo dessa forma acesso justo aos sistemas de proteção. Silvia Camurça da Articulação de Mulheres Brasileiras atacou o modelo no qual considera que os cidadãos “não se aposentam mais por tempo de serviço, mas sim pelo período de pagamento de tributos”.
Fim das políticas minimalistas
Verônica Ferreira questionou também as chamadas “políticas minimalistas”, as quais considera que não geram ascensão social digna, se restringindo apenas a auxiliar os “mais pobres entre os mais pobres”. Como medida para sanar este problema, Clelsa Aparecida da Silva, do Fórum Itinerante de Mulheres em Defesa da Seguridade Social, defendeu a queda do fator previdenciário e a taxação das grandes fortunas.
Além das questões pontuadas acima, ficou acordada a necessidade de se garantir e ampliar os subsídios por parte do estado para as políticas de seguridade social. A importância de um maior debate do governo com a sociedade, afim de gerar programas que levem em consideração as diferenças entre gênero, raça e etnia, eliminando assim as iniqüidades preponderantes nos diversos sistemas universais de seguridade social.
fonte: Inesc