Por Marcela Valente, da IPS
Buenos Aires, Argentina, 2/12/2010 – Em um contexto de crescimento econômico e queda da pobreza que contrasta com a crise que atinge países industrializados, a América Latina se autopropõe um ambicioso plano para melhorar a educação entre 2011 e 2021. O compromisso, que os países da região assumirão junto com Espanha, Portugal e Andorra, será assinado na 20ª Cúpula Iberoamericana, que acontecerá nos dias 3 e 4, no balneário argentino de Mar del Plata, 400 quilômetros ao sul de Buenos Aires.
Trata-se de um acordo no qual os governos trabalham desde 2008, liderados pela Organização dos Estados Iberoamericanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), que derivou em um programa com metas e financiamento. O plano “2012. Metas educativas. A educação que queremos para os bicentenários” indica que em dez anos mais alunos estudem, durante mais tempo, com uma oferta de qualidade, equitativa e inclusive e com as novas tecnologias da informação.
O espanhol Álvaro Marchesi, secretário-geral da OEI, disse à IPS ter “expectativas muito altas” de que os mandatários aprovarão o plano educacional coletivo elaborado pelos ministérios da área, com aportes da sociedade civil. “Conseguimos um programa ambicioso, que tem um nível de compromissos, metas e financiamento que o tornam inédito na região e no mundo”, destacou. O cumprimento do plano será acompanhado por um conselho iberoamericano, acrescentou.
Na reunião do bloco formado por 19 países latino-americanos e três europeus, os chefes de Estado e de governo também dialogarão sobre temas conjunturais, sem agenda prévia. Além disso, haverá uma reunião paralela dos 12 governantes da União de Nações Sul-Americanas (Unasur), para designar o secretário-geral, em substituição ao falecido ex-presidente argentino Nestor Kirchner (2003-2007).
Em sua vigésima edição, a Cúpula Iberoamericana não contará com o presidente de Honduras, Porfírio Lobo, que não foi convidado pelo país anfitrião porque vários membros do bloco não reconhecem seu governo surgido das eleições convocadas pelos responsáveis pelo golpe de Estado que derrubou Manuel Zelaya, em junho de 2009. O secretário-geral Iberoamericano, o hispano-uruguaio Enrique Iglesias, lamentou esta ausência e explicou que há países que questionam sua origem e outros que prefeririam “ter Honduras novamente na família para seguir sua democracia”.
No ano em que muitas nações latino-americanas comemoram os 200 anos de sua independência de Espanha e Portugal, o tema central desta cúpula é “A educação para a inclusão social”, e neste contexto apresenta-se o plano. Seu lançamento coincide com dois momentos econômicos e sociais muito diferentes entre as duas regiões que formam os iberoamericanos.
Enquanto Espanha e Portugal atravessam graves dificuldades, devido à crise financeira global, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) informou esta semana que a região voltará ao crescimento sustentável registrado desde 2003 – houve um balde de água fria em 2009 –, até a média deste ano de 5,2%, e que a pobreza baixará de 31% para 30% da população. Neste contexto, Marchesi alertou que o momento de dar o salto de qualidade e equidade na educação latino-americana “é agora, ou nunca”, e explicou as razões para isso.
“Estamos na década do bicentenário (dos processos de independência na América) que supõe uma ilusão enorme da sociedade iberoamericana. A região vive um momento de crescimento econômico sustentado, e também existe uma baixa demográfica importante”, enumerou Marchesi. “Após 2025, a Iberoamérica vai envelhecer e os recursos terão de ser destinados a outras prioridades como saúde e sistemas de pensão”, acrescentou. Por isso, a década que começa em 2011 tem de ser a da educação, insistiu.
O mandato para os governantes que estiveram na cúpula de 2008, em El Salvador, era de melhorar a qualidade e a equidade da educação pública para enfrentar a pobreza e a desigualdade, e assim favorecer a inclusão social. Para isto, é preciso enfrentar desafios pendentes como analfabetismo, abandono escolar precoce, trabalho infantil, baixo rendimento e má qualidade do ensino estatal. E novos desafios vinculados à incorporação de tecnologia.
Após o diagnóstico da situação que cada país apresentou para o plano, ficaram evidentes grandes brechas na região. Por exemplo, embora as matrículas escolares no ensino secundário sejam de 67%, em média, na Guatemala cai para 41%. O analfabetismo absoluto regional não chega a 9%, mas em El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras e Nicarágua supera os 15%. E Argentina, Chile, Costa Rica, Cuba, Espanha, Venezuela e Uruguai não atingem 5%.
Se for analisada a questão de gênero, observa-se que em algumas nações a população que não lê nem escreve é esmagadoramente feminina. Na Bolívia, 78,5% dos analfabetos são mulheres, no México 62,8% e no Paraguai 60,1%. Com ajuda da OEI, os países elaboraram 11 metas para serem alcançadas até 2021, que consistem em aumentar a oferta de educação inicial, universalizar o ensino primário e secundário básico, e investir mais e melhor.
Também se pretende fortalecer a profissão de professor, elevar a qualidade da educação e garantir o acesso e a permanência na escola, sobretudo entre os setores mais vulneráveis como mulheres, povos originários, grupos étnicos e de áreas rurais. O programa traça, ainda, projeções sobre os recursos financeiros necessários para colocar em prática as metas. Estima-se que US$ 100 bilhões seja o custo final do investimento, que sairá basicamente de orçamentos públicos.
Para os países que não podem assegurar o custo, haverá um Fundo Solidário para a Cooperação Educacional, que manejará US$ 5 bilhões de outros países industrializados ou da região, de empresas, bancos e organismos internacionais. “A situação econômica na região ajuda a crer que o projeto não é um sonho e que os custos são viáveis”, disse Marchesi, lembrando que o dinheiro comprometido para o fundo poderá estar disponível no primeiro semestre de 2011.
Atualmente, o gasto público em educação na Iberoamérica é de 5,1% do produto interno bruto, em média. No Equador, representa menos da metade, 2,1%, enquanto em Cuba chega a 13,6%. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)