Um clique para escapar da violência

argentina-contra-violenciaPor Marcela Valente, da IPS

Ciudad Evita, Argentina, 23/11/2010 – “Os homens são bêbados e agressores”, define para a IPS Lorena Maurin antes de entrar em seu curso de computação, um oásis para as mulheres do bairro 22 de Janeiro, em Ciudad Evita, a 20 quilômetros de Buenos Aires.

As aulas são dadas em um galpão junto à capela Santa Clara de Assis, em um assentamento paupérrimo desta localidade, no distrito mais populoso da periferia da capital argentina.

“Quem é de Ciudad Evita não é considerado. Somos os piolhos do coque de Evita”, ironizou a freira Norma Santa Cruz, coordenadora do programa que aproxima as ferramentas da tecnologia de mulheres vítimas da violência.

A localidade deve seu nome a Eva Duarte (1919-1952), mulher de Juan Domingo Perón, que desde a chegada de seu marido pela primeira vez à Presidência, em 1946, e até sua morte, promoveu os direitos dos trabalhadores e das mulheres.

As religiosas da capela trabalham há 15 anos com “população vulnerável”, e neste bairro este grupo é formado fundamentalmente por mulheres e crianças que crescem em um ambiente de violência, revelou irmã Norma.

Vinte mulheres que já tinham contato com a capela, por levarem seus filhos para participar de diferentes atividades educacionais ou recreativas, foram chamadas este ano para um curso de computação. E foi assim que começou.

“As chamamos para isso porque se disséssemos que era por causa da violência não viriam”, disse a freira. A meta é que tenham um email, um blog ou uma página no Facebook, para usarem a rede social e se conectarem com outras mulheres, em um aprendizado que reconstrua – ou construa – sua autoestima.

O plano, financiado pela rede não governamental e internacional Associação para o Progresso das Comunicações, se chama “Dominemos a Tecnologia. Tomar o Controle das TIC (Tecnologias da Informação e da Comunicação) para Eliminar a Violência contra as Mulheres”.

Na Argentina, funciona em Ciudad Evita e em outra localidade da província de Buenos Aires, e nas de Misiones, Formosa e Santiago del Estero.

Em Formosa, aprendem computação e participam de paineis sobre violência. “Aqui a violência se expressa na família e também no tráfico de pessoas, porque é uma região vulnerável, de fronteira (com o Paraguai)”, disse à IPS Elsa Gómez.

Elsa é coordenadora da organização Ñandé Roga Guazú, onde as mulheres estão produzindo materiais em vídeo e folhetos para a campanha do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, no dia 25, que abre uma quinzena de atividades mundiais contra a violência de gênero.

Em Ciudad Evita, dificilmente conseguirão algo similar este ano, mas qualquer desculpa é boa para remover essa violência naturalizada.

Durante a tarde em que a IPS compartilhou com sete mulheres o curso de computação, para todas foi difícil identificar um homem que não fosse como seu marido.

“Todos são iguais. Tive quantidade de padrastos bêbados e agressores, e não quero isso para meus filhos”, afirmou Lorena, jovem trabalhadora de 29 anos, dois filhos e um marido que quando sai à noite nos finais de semana se embebeda e fica violento.

“Meus filhos já sabem que, quando sai, volta na manhã seguinte bêbado, por isso vivem assustados. Mas, quando digo para não sair ou não beber me diz ‘do que se queixa?'”.

Todas falam com entusiasmo do curso, dado por um professor de outra localidade que vem uma vez por semana. Já aprenderam a fazer currículo, planilhas no Excel e apresentações em Power Point.

Para a apresentação basearam-se em um artigo sobre noivados violentos levado por uma participante. O objetivo final é que mantenham contato com outras mulheres vítimas da violência e que estejam isoladas como elas.

“Profe… quis abrir o programa e sumiu!”, se desespera uma. Outra pressiona o botão do clique e espera em vão, até se lembrar que são necessários dois toques.

Laura Berón apenas fala. Tem 29 anos, emprego e um filho. Seu marido bateu nela muitas vezes. Foram à terapia psicológica, mas não funcionou. Ele não quis seguir, disse.

“Eu via que ela chegava marcada, mas nada nos contava”, disse sua irmã, Beatriz Berón, de 31 anos. Ela também sofre agressões de seu companheiro e participa do curso. “Queria ir embora, mas não tenho para onde ir”, lamenta Beatriz, que trabalha, tem uma filha de oito anos e um bebê de um mês que levou à aula.

A freira insiste para que não tragam as crianças, que preservem este espaço para elas, mas é difícil. As crianças entram e saem da sala e o bebê vai de braço em braço.

Paola Bazante, de 36 anos, é a mais velha do grupo. Está casada há 20 anos e tem quatro filhos. Quando chegou ao curso estava muito mal, recordou. Mais tarde, começou uma terapia psicológica que a “ajudou muito”, contou.

As brigas com seu marido eram constantes. “Ele nunca está em casa, vem quando quer”, disse, primeiramente afirmando que ele só exercia uma violência psicológica sobre ela, mas aos poucos confessou.

“Uma vez me bateu e eu devolvi com um cabo de vassoura. E falei para ter cuidado quando fosse dormir porque poderia não acordar. Agora, tem medo de mim, por isso não me bate”, riu.

Paola disse que lhe faz muito bem ir ao curso, embora seu marido, como os das outras mulheres, o despreze. Eles dizem que “vão ali perder tempo, cuidar dos filhos de outra ou conhecer outros homens”, como o professor de computação.

“Para mim este espaço serviu muito para eu ver que sou capaz sozinha, que criei sozinha meus quatro filhos e que não precisava dele. Agora trabalho, tenho meu dinheiro. Mas é difícil dizer cheguei até aqui, doi muito a ferida”, disse.

O medo maior não parece ser desse homem violento que dorme com elas, mas o fato de nada garantir que outros serão diferentes. “São todos assim, se alguma diz que o marido não é violento está mentindo”, disse Paola.

Se vão à polícia, sabem que não terão proteção. “Os policiais perguntam para que denunciar, se dentro de dois ou três dias estarão com ele”, revelou. E sabem que, em parte, isso é certo.

Claudia Cisneros, outra participante de 22 anos, aponta os fundamentos culturais. “Meu padrasto era assim. A mulher é para cozinhar, lavar e cuidar dos filhos”, dizia ele. Seu companheiro também sai e se embebeda “de sexta-feira a domingo”, contou.

“Se não bebe, é calmo e dá dinheiro para sua mulher, dizem que é um cornudo ou vive na barra da saia da mulher”, acrescentou. Todas se apressaram a lhe dar razão.

“Por isso é difícil fazer a separação. Uma prefere ficar, embora não esteja cômoda, e não ir para algo que pode ser pior. A mulher tem a cabeça mais aberta, mas o homem não muda mais”, disse Paola. Envolverde/IPS

FOTO

Crédito: Marcela Valente /IPS

Legenda: Laura Berón, com seu sobrinho nos braços, e Lorena Maurin durante a aula.

(IPS/Envolverde)

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