Martha Mendonça – Revista Época
Lendo os posts de Ruth e Marcela, me empolguei em falar de mim. Quando engravidei e fui ao meu obstetra, conversamos sobre parto. Meu discurso, como de tantas, era o do parto normal. Disse logo que não abriria mão, já cheia daquelas informações de que os médicos querem sempre planejar a data pra não atrapalhar a viagem deles pra Bariloche com a família. Ele me respondeu: “Claro. Mas o que eu chamo de parto normal é aquele que é bom para a mãe e para o bebê”. Ótimo. Saí dali satisfeita e fui curtir (se é que se pode dar este nome ao ato de vomitar três vezes por dia no banheiro do trabalho) minha gravidez tão desejada.
Nove meses depois, eu tinha vinte quilos a mais e uma barriga que eu não comparava – e nem minha família – a de nenhuma outra grávida conhecida. O bebê, que àquela altura eu já sabia que seria um menino, já chutava da minha cintura para trás. Mais um pouco e eu seria a primeira grávida do planeta a gerar parte da criança nas costas.!Meu médico disse: o bebê será grande, bem grande. Não era algo que chegava a me surpreender, visto que o pai é um homem bem alto e forte. Segui em frente.
Quando cheguei a 41 semanas de gestação (já rolando pelas ruas), nada de sinais. O obstetra me avisou: vamos esperar mais uma semana. Depois faremos uma cesariana. Era tudo que eu não queria. Mas àquela altura do campeonato, acabar logo com aquela espera era o mais importante. Eu estava muito cansada e só quem me viu grávida sabe do que eu estou falando.
Meu filho nasceu com quatro quilos e meio. Um pequeno boizinho (e lindo demais!). No berçário, parecia aqueles recém-nascidos de novela e filme, que já têm um mês! Todo mundo queria parar pra ver, foi o assunto da maternidade. E já era todo durinho, querendo levantar a cabeça. Quando eu o vi, a primeira coisa que pensei foi: ainda bem que não tive parto normal. Eu não ia aguentar. Não tenho bacia pra isso. Aquele bebê era mais filho do pai do que da mãe! Tinha puxado à família do pai, tornando-o um serzinho muito além da média. Poderia mesmo ter sido um trauma, como disse a Marcela em seu post.
Por isso, eu acho que todas as mulheres devem tentar fazer como a natureza diz que deve ser feito. Mas até certo ponto. E esse certo ponto nem sempre é um risco de morte do bebê ou da mulher. Às vezes os avanços da medicina podem realmente nos salvar de momentos muito, muito difíceis. O principal de tudo, porém, é que essa seja uma escolha da mulher. E que ela não tenha que sofrer nenhuma patrulha.
A favor do parto normal. Quando for normal.
Adorei o post da Marcela. Por ser corajoso, por revelar que ela prefere cesárea, por confessar seus medos – por ela e pelo futuro neném. Quis comentar. Mas, como tive dois filhos de parto normal, resolvi escrever um post também. Eu poderia telefonar para alguns obstetras que dissessem o óbvio: que o pós-parto normal é infinitamente menos traumático para a mãe do que o pós-cesárea. É menos doloroso e a recuperação é mais rápida. Poderia entrevistar alguns psicólogos que repetissem a sabedoria corriqueira: no parto normal, a mãe participa ativamente e não simplesmente assiste a uma cirurgia que retira o bebê de sua barriga. Os partos normais bem sucedidos tendem a dar à mãe uma maior plenitude, exatamente o sentimento de controle tão almejado – e raro.
Isso não quer dizer que eu seja contra a cesárea. Nem que seja a favor do parto normal “a qualquer custo”.
Apenas não me parece razoável a decisão inflexível da mãe ou do médico – a favor do parto normal ou da cesárea -, antes mesmo que se apresentem as condições favoráveis a uma ou outra forma de dar à luz. É algo que me soa fruto de falta (ou excesso) de informação. Ou simplesmente “trauma pré-parto”. Por que decidir antes mesmo de engravidar? Não é por informação. Mas por um medo natural. Ou por ouvir histórias positivas e negativas sobre as duas formas de parir. Muitas vezes histórias mirabolantes, que nem correspondem à verdade, mas a uma percepção subjetiva.
Nenhuma gravidez, nenhum parto é igual. Mas as contrações são, sim, extremamente dolorosas. E a gente esquece porque a dor é o menos importante neste momento.
Tive meu filho Bruno aos 27 anos. Trabalhei na redação até dois dias antes. A bolsa arrebentou, fui para a maternidade de madrugada. Meu médico era tão obcecado com a ideia de eu não sentir dor que me deu (a meu ver) uma peridural um pouco forte demais. E o parto demorou mais tempo porque eu não senti com a força prevista as contrações. O obstetra tinha que me dizer quando fazer a força necessária – eu sentia, mas não muito. E toda a minha ioga e preparação pré-parto ficaram talvez relegadas a segundo plano, diante de um parto normal em que senti ter perdido um pouco o controle sobre minhas sensações. O pai estava a meu lado. Bruno nasceu após algumas horas. E eu saí da sala de parto já com vontade de ter outro filho. Mas contra a anestesia peridural num parto relativamente rápido.
Tive meu filho Pedro aos 32 anos. Aos nove meses de gravidez, jogava frescobol na praia com meu novo companheiro. Fomos para casa, passamos antes no supermercado, eu fiquei no carro porque me sentia cansada e as contrações começaram. Mandei chamá-lo pelo alto falante. Seguimos direto para a maternidade. Eu de biquini e areia e sal. Não deu tempo de quase nada. Meu obstetra (já era outro, claro, mais afável e menos prepotente) estava fora do Rio, eu chamei um colega dele por telefone, já estava com seis centímetros de dilatação, não deu tempo de o anestesista chegar, o pai estava ao lado do médico vendo o bebê nascer e o ajudou a aparar o Pedro. Senti absolutamente todas as contrações. E foi um parto pra lá de normal. Os avós só souberam quando Pedro estava a meu lado no quarto. Digamos que dei sorte (e ajudei um pouco com o frescobol na praia – algo que meu pai considerou totalmente irresponsável da minha parte).
Como eu poderia, antes mesmo de engravidar, decidir o rumo da Natureza? Aliás, nem quis saber o sexo de nenhum dos filhos. Nem eu nem os pais (o pai de cada um). Foi surpresa, embora achasse que fossem meninos.
Já minha irmã, que teve seu primeiro filho na Inglaterra, onde a política é “parto normal a qualquer custo”, sofreu mais de 12 horas de contrações – e, ao fim de todo esse
sacrifício, precisou fazer cesárea porque o bebê tinha entrado em sofrimento. O segundo filho ela teve no Brasil. E quis ter parto normal de qualquer jeito. Foi “normal” tecnicamente. Mas não foi. Porque foi praticamente equivalente a uma cirurgia. O terceiro filho foi direto uma cesárea. No caso dela, teria sido melhor poupá-la do sofrimento desde o primeiro filho.
Por isso, não vou desfiar aqui estatísticas, nem opiniões de especialistas, ou obstetras, ou psicólogos, ou estudos, ou pesquisas. Nem falar sobre cicatrizes aqui ou ali. Alguma cicatriz sempre haverá.
Minha avó teve 23 filhos em casa. Era pobre. Numa época em que mulheres nem podiam decidir quando engravidar, quanto mais como parir.
Hoje, comemoro a autodeterminação da mulher informada, a escolha do momento, com quem e como. Acho bem estranha essa moda de “parto-espetáculo” , com vídeos, plateias. Como também estranho a moda inversa hoje em dia, do “parto na banheira de casa”. Mas, cada mãe é de um jeito, não é?
De qualquer forma, opiniões pré-concebidas sobre o parto normal ou cesárea não me parecem as melhores. A indústria da cesariana cria um monte de paranoias. A obsessão pelo parto normal tampouco é a melhor conselheira. Não há fracassos nessa hora. Não somos mais mães ou menos mães de um jeito ou de outro.
Mas optar por cesárea na busca do “controle” – e assim entregamos todo o “controle” a um cirurgião? A vida nos mostra os caminhos. Nossos bebês podem ter uma vontade completamente diferente da nossa. Podem até querer vir ao mundo antes do planejado por mamãe, papai e médico. E aí? Onde ficam as nossas lindas e estudadas convicções?
Boa hora, Marcela (é assim que dizíamos antigamente). Seja em que hora for.
Cresce número de mulheres com trauma pós-parto
Eu nunca tive filhos e nem estou em vias de ter um. Ainda assim, sempre tive uma certeza: se um dia eu ficar grávida, vou fazer uma cesariana. Brinco que não sou mulher suficiente para passar pelas dores de um parto natural. Quero todas drogas a que tenho direito. E ansiosa ao cubo como sou, não aguentaria a expectativa do “quando é que vai nascer?”. É melhor marcar dia, hora e pronto. Sim, eu sei de todos os benefícios do parto natural: diminui os riscos de complicações relacionadas a uma cirurgia, favorece o contato entre mãe e filho e ainda propicia uma recuperação mais rápida para as mães. Mas essa é a minha opinião desmiolada e egoísta, de quem ainda não é mãe, tem medo de sentir dor e aflição de sair desesperada rumo ao hospital no meio da noite – ou pior, em pleno trânsito engarrafado de São Paulo. Outro dia, li uma reportagem no jornal britânico “The Guardian” que reforçou as minhas convicções. Pelo menos, a princípio.
O jornal relatava que uma pesquisa do Liverpool Women’s Hospital apontava que 40% mais pacientes pediram para fazer cesariana porque tinham ficado traumatizadas após o parto natural do primeiro filho. Já há até um nome para o fenômeno: estresse pós-traumático pós-parto. É como se fosse estresse pós-traumático causado por um assalto, um acidente, uma guerra. Mas, neste caso, o motivo é o sofrimento físico e emocional desencadeado pelo parto. Um levantamento da Universidade Federal de Pernambuco, publicado no ano passado no Jornal Brasileiro de Psiquiatria, aponta que entre 21,4% e 34% dos partos podem ser classificados como complicados. E que até 6% das mulheres desenvolvem o estresse pós-traumático pós-parto.
O trauma pode ser causado por dois motivos: a dor prolongada e extrema durante o parto ou pela sensação da mãe de perder o controle da situação, o que inclui o medo de que ela e o bebê morram. Os sintomas do estresse pós-traumático pós-parto são muito semelhantes aos desencadeados pelos outros tipos: a pessoa tem pesadelos recorrentes e revive a situação que gerou o trauma em vários momentos do seu dia a dia. Em muitos casos, as mães se recusam a engravidar novamente com medo do parto.
O estresse pós-traumático causado pelo parto ainda não é muito conhecido – mesmo entre os médicos, que podem confundi-lo com depressão pós-parto. Quem dirá, entre os leigos. Vamos confessar que não é difícil pensar “mas que frescura, antes as mulheres davam a luz na roça, sozinhas, e não havia nada dessa história de estresse pós-traumático”. O desconhecimento a respeito dessa condição aumenta o sofrimento das mulheres, que se sentem culpadas por sensações tão conflitantes em um dos momentos descritos pela sociedade como o mais sublime da vida das mulheres.
Alguns especialistas afirmam que o aumento do número de casos de estresse pós-traumático pós-parto é causado, ironicamente, pelos avanços da medicina. As técnicas que facilitaram os nascimentos e diminuíram as mortes maternas e os riscos de sequelas para os bebês causadas por complicações no parto também aumentaram a expectativa das futuras mamães. A hipótese é que atualmente seria mais aterrorizante para as mulheres presenciar qualquer dificuldade durante o trabalho de parto do que antigamente.
Outro motivo por trás de muitos casos é a falta de tato da equipe de médicos e enfermeiros, que no corre-corre dos hospitais e em meio ao que é rotina – pelo menos, para eles – se esquecem de explicar para as mães os procedimentos que serão realizados. Muitas pacientes acabam não se sentindo envolvidas nas decisões a serem tomadas (romper a bolsa ou não, acelerar o trabalho de parto, optar por uma cesariana). E essa sensação de perda de controle ou de descaso, que pode levar ao estresse pós-traumático, não acontece só nos casos de parto normal. Pode ocorrer durante a preparação para uma cesariana ou mesmo durante a cirurgia, quando as mães são acordadas para acompanhar o nascimento de seus bebês.
O modo de trazer um bebê ao mundo é um assunto quase religioso: há aqueles que defendem sob toda e qualquer circunstância o parto normal. E há quem não veja problemas em fazer uma cesariana. Por isso, o importante é conversar com o médico para descobrir o que é mais indicado para o seu caso – e isso inclui não só condições físicas, mas também aquilo que lhe deixa mais segura. Em resumo, o que eu aprendi depois de fazer essa pesquisa básica é que: 1) mulheres, é normal ter medo da hora do parto, não precisamos ter vergonha; 2) o nascimento do seu filho pode não ser aquele momento de glória suprema e inenarrável que todo mundo descreve. Você não é um E.T. se o parto do seu bebê for mais complicado ou demorado do que o de outras mulheres que você conhece; 3) exija que a equipe médica lhe dê todas as informações que você quiser e não dispense a presença de um acompanhante. No Brasil, foi sancionada uma lei em 2005 que obriga todos os hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) ou conveniados a ele a permitir a presença de um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Por isso, na dúvida, não grite só de dor, não.