LENA LAVINAS
A presidente eleita Dilma Rousseff acena com a erradicação da miséria. É auspicioso que o Brasil da segunda década do século 21 vislumbre eliminar por completo níveis de destituição extrema, que colocam em xeque a humanidade de alguns milhões de brasileiros.
A retomada do crescimento de forma sustentada, a geração de quase 14 milhões de empregos formais e os ganhos reais do salário mínimo ainda não foram suficientes para, juntamente com os programas de transferência de renda, fazer da miséria traço do nosso passado. São indigentes 12,4 milhões.
Esses mesmos fatores, ao associar numa mesma dinâmica virtuosa política macroeconômica e política social, hão de nos permitir avançar em direção a essa meta, porque agora lastreados por investimentos em infraestrutura social.
Na sua plataforma de governo, Dilma destacou a criação de 6.000 creches, previstas no orçamento do PAC 2011. É pouco, considerando o deficit da oferta: 82% das crianças até três anos estão fora da creche, percentual que sobe para 93% entre as pobres. Na faixa de quatro a cinco anos, o deficit de cobertura é menor, mas ainda significativo, 25% e 33%, respectivamente.
Ora, se homens e mulheres se beneficiaram com a retomada do crescimento econômico, as oportunidades para as mulheres pobres foram mais tímidas. Sua taxa de atividade é de 51%, ante uma média nacional de 67%. Já a taxa de atividade masculina é de 88% na média, recuando ligeiramente para 82,1% no caso de homens adultos pobres.
Significa dizer: de cada 10 homens na faixa etária adulta e produtiva, sejam eles pobres ou não, cerca de 8 são ativos. No caso das mulheres, observa-se um diferencial importante: na média, 2 em cada 3 brasileiras se declaram ativas, ante 1 em cada 2 mulheres pobres.
Enquanto as mulheres ocupadas que pertencem aos 20% mais pobres da cauda da distribuição trabalham em média 28 horas por semana, entre os 20% mais ricos a jornada remunerada feminina semanal é de 40 horas. Os homens de todas as faixas de renda trabalham em média 40 horas ou mais, e dificilmente poderiam ir além. O que mais pode contribuir para fazer recuar a pobreza extrema é permitir às mulheres trabalhar. Mais e melhor.
Ter uma ocupação que lhes permita usufruir de jornadas de tempo integral, com maiores salários, quem sabe até com carteira assinada, é o que vai elevar consideravelmente a renda familiar e afastar da miséria alguns milhões de famílias. Para elevar a taxa de atividade das mulheres pobres, elas precisam dispor de creches para suas crianças.
Quem tem dinheiro pode pagar por esse serviço. Quem não tem, é pego na trama do imobilismo da miséria. Inúmeros estudos e pesquisas já demonstraram que as mulheres cujos filhos em tenra idade frequentam creche registram níveis de renda familiar bem mais altos. Investimentos sociais em infraestrutura que liberem a força de trabalho feminina são a melhor maneira de combinar políticas de equidade de gênero com redução da miséria. As mulheres não querem ser depositárias do ideário liberal de que são as mais capazes de gerir “eficazmente” a escassez. Não são milagreiras para fazer render um benefício médio de R$ 90,00 mensais.
Uma mulher na Presidência com o potencial produtivo de tantas outras mulheres pode tornar exequível, senão erradicar por completo a miséria, ao menos torná-la residual. Para a alegria da nação brasileira.
LENA LAVINAS é professora associada do Instituto de Economia da UFRJ
artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em 17/11/2010