As mulheres devem ter direto ao próprio corpo

almira-rodrigues2Anand Rao – Comunique-se

(Brasilia) Iniciei minha atuação política em movimento feminista na década de 80, ainda em Belo Horizonte. Quando retornei a Brasília, em 1986, vinculei-me ao Fórum de Mulheres do DF. Este movimento teve sucesso em várias lutas na cidade: criação da Delegacia de Mulheres; criação do Conselho dos Direitos das Mulheres do DF; campanhas contra a violência contra as mulheres; participação na luta pelos Direitos das Mulheres na Constituinte; inclusão dos direitos das mulheres na Lei Orgânica do Distrito Federal; adoção do programa do aborto legal na rede pública, apresentação de Plataforma Feminista para os candidatos da cidade em períodos eleitorais, entre outras ações. LEIA a seguir a entrevista que Almira Rodrigues, socióloga, psicanalista e feminista, concedeu ao músico e poeta Anand Rao no portal Comunique-se

Almira, participaste de um vídeo produzido pelo CFEMEA defendendo o aborto? Explique melhor o vídeo e sua posição?

Almira: O vídeo “Por Todas as Mulheres” (http://vimeo.com/15358185) foi produzido pelo CFEMEA, uma importante ONG feminista, e pela produtora de vídeos Illuminnati, antes das eleições. Passa a idéia de que as mulheres não devem ser criminalizadas por realizarem o aborto. Faz a denúncia de que muitas mulheres morrem anualmente pela realização de abortos inseguros. Defende o direito de as mulheres decidirem frente a uma gravidez indesejada – levar a termo a gestação ou realizar a interrupção da gravidez. Defende o direito de escolha das mulheres. Esta é a posição dos movimentos feministas do Brasil e de todo o mundo. Compartilho desta posição.

Porque a questão do aborto se tornou crucial no segundo turno da eleição e não questões economicas, políticas e etc?

Almira: O segundo turno das eleições teve um destaque para a questão do aborto em um determinado momento. Tanto a candidata Dilma quanto o candidato Serra se posicionaram contra o aborto e apresentaram posições conservadoras sobre a questão. Verificou-se que o tema na verdade foi muito mal tratado e utilizado de forma a conquistar votos de setores religiosos em detrimento da consideração da dramática situação das mulheres. Estas posições viraram moeda de troca por votos de pessoas contrárias à interrupção da gravidez.

Porque discutir o aborto é tão importante em nosso país, e em outros países é questão irrisória, tranquila, compreensível?

Almira: Acho que a conquista do direito de as mulheres realizarem o aborto foi difícil em todos os países. Na Europa e nos EUA a luta iniciou-se já na década de 60 e não foi tranquila. A América Latina é um dos redutos mais conservadores e atrasados na conquista dos direitos sexuais e reprodutivos. Alguns países realizaram plebiscitos nacionais para definir sua posição sobre o aborto, mas na maioria dos países, a interrupção da gravidez foi aprovada e regulamentada pelo Poder Legislativo. No Brasil enfrentamos 21 anos de ditadura militar e esse contexto atrasou um pouco a luta pelo direito das mulheres interromperem a gravidez por escolha própria. Outro aspecto a ser considerado é a forte dimensão religiosa do povo brasileiro. Os governantes e os representantes do povo sempre se melindraram no enfrentamento de questões conflitavam com as forças religiosas. No entanto, considerando que o Brasil é um país laico, a função legislativa não poderia ser realizada a partir de dogmas religiosos e noções de pecado. A discussão sobre a interrupção da gravidez, bem como sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, sobre a eutanásia, entre outros temas, deve se pautar por uma bioética laica.

A maioria das mulheres brasileiras, repito, brasileiras incluindo da mais culta à mais humilde, vê a questão do aborto como você? Qual a visão da maioria, repito, maioria das mulheres brasileiras?

Almira: É difícil avaliar a visão da maioria das mulheres brasileiras sobre o aborto. Segundo algumas pesquisas, sabemos que 1 em cada 7 mulheres já abortou pelo menos uma vez; e que na faixa acima dos 35 a 39 anos, 1 em cada 5 mulheres já realizou um aborto. Ou seja, milhões de mulheres realizam abortos anualmente e destas, um percentual muito expressivo realiza o aborto em péssimas condições acarretando seqüelas e mortes. Os movimentos feministas, com o apoio de outros movimentos sociais, vêm afirmando a noção de que a maternidade não pode ser uma obrigação, mas sim uma escolha das mulheres. Vem ganhando força a perspectiva de que eticamente ninguém tem o direito de obrigar uma mulher a levar a termo uma gestação contra a sua vontade. Assim, o aborto é uma questão de autonomia das mulheres e de saúde pública.

Alguma coisa ficou pendente que gostarias de colocar em nossa entrevista?

Almira: É importante esclarecer que o aborto deve ser considerado no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos. Com certeza, o que todas as mulheres querem, são boas condições para prevenir a gravidez indesejada sem precisarem recorrer ao aborto (assistência médica e orientação para o planejamento familiar, acesso a métodos contraceptivos e esterilização); e, de igual forma, as mulheres querem boas condições para criarem os filhos que escolherem ter.

Pauta postada em: 13/11/2010 11:46

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