Parteiras querem reconhecimento legal

Helda Martinez, da IPS parteiras-colombia

Bogotá, Colômbia, 13/7/2010 – A parteira existe em muitas culturas ancestrais. A medicina ocidental colombiana quase a apaga do mapa, mas um grupo de tenazes defensoras promove uma lei para formalizar a parteira como agente de saúde. “Entre 2009 e até junho deste ano, não morreu nenhuma mulher atendida por uma integrante da Associação de Parteiras Unidas do Pacífico”, afirma à IPS Liceth Quiñones, de 22 anos, que exerce o ofício em Buenaventura, principal porto marítimo colombiano no Oceano Pacífico.

Filha da hoje sexagenária parteira Rosmilda Quiñones, Liceth tinha três anos em 1991, quando sua mãe fundou a Associação que ainda dirige, a Asoparupa, e que conta com 250 integrantes dos departamentos de Choco, Valle, Cauca e Nariño. Aos seis anos, já ajudava a mãe. “A parteira aprende ouvindo e praticando”, explica. Aos 13 anos, reconheceu que uma placenta saiu incompleta e soube que era preciso ir urgente ao hospital. “Hoje não atendemos ninguém sem controle médico prévio. E temos claro que qualquer complicação deve ser atendida pelo especialista”, destaca.

As 1.500 parteiras da Colômbia, segundo censo de 2008, realizado pela Superintendência de Saúde de Valle, não estão certificadas nem autorizadas a ajudar em partos em hospitais. A capacitação se limita a paineis de primeiros-socorros ou outros oferecidos pela Cruz Vermelha e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem.

Superando as distâncias entre as selvas do Valle e do Choco, onde o transporte é quase sempre fluvial e são abundantes problemas como cheias e cobras, “viajamos por horas insólitas, com todo o compromisso e a certeza de que ninguém sobrevive economicamente com este trabalho”, afirma Liceth. Ela ganha a vida com um centro de medicina alternativa que recebe profissionais em bioenergia e outras técnicas, e onde coloca em prática o que aprendeu como enfermeira profissional, carreira que não concluiu por falta de dinheiro, mudando depois para a de auxiliar de enfermagem.

Liceth também tem conhecimentos adquiridos no México e com parteiras do Brasil, além de contatos e treinamento com parteiras de outras partes do mundo. Estas mulheres estão convencidas da efetividade dos partos naturais, mas não rechaçam a medicina oficial. Os médicos “nos aceitam em seus hospitais, e nós os acolhemos”, assegura. Um caminho para formalizar a parteira na atenção obstétrica é uma lei de parteiras que regule o exercício profissional. O projeto foi aprovado no Senado em 2009, e deve entrar na agenda da nova legislatura a partir do dia 20.

A proposta foi apresentada pela médica de Valle, Dilian Francisca Toro, senadora pelo direitista e governante Partido Social de Unidade Nacional. “O trabalho real, o de base por essa lei, foi de dona Rosmilda, Liceth, meu e de muitas mulheres”, disse à IPS a parteira de Bogotá Alejandra Montes, formada em Direito e Ciências Políticas e também em Filosofia, além de ser estudante de auxiliar de enfermagem.

Em 2008, Alejandra criou a não governamental Artemisa – Associação de Parteiras Urbanas, após permanecer sete anos em diferentes regiões colombianas com população negra e indígena. “Compartilhei com elas o que aprenderam com as migrantes europeias, porque nossas nativas pariam sozinhas, com a única ajuda de seus companheiros”, segundo Montes. Mas o oficio de parteira existe em várias culturas indígenas latino-americanas, bem como nas africanas e europeias.

Segundo o Ministério da Proteção Social, a mortalidade materna colombiana está em 75 mortes para cada cem mil nascidos vivos. Nos Estados Unidos, essa taxa é de 13,3% para cem mil, segundo dados de 2006, mas vem diminuindo desde os 6,6% registrados em 1987. Embora o retrocesso se vincule à crise do sistema de saúde desse país, as parteiras também são marginalizadas da atenção obstétrica institucional. “Na França, Inglaterra, Alemanha, Canadá, é permitido e necessário parteiras nos nascimentos sob ótimas condições”, destaca Alejandra. Na Argentina e no Uruguai, é uma profissional universitária integrada à equipe obstétrica de qualquer hospital.

Buscando descobrir as razões da parteira, Alejandra foi viver vários meses em Buenaventura, para “observá-las e aprender” como docente e pesquisadora universitária. Ela diz que “70% dos nascimentos com parteiras são totalmente sãos”. Por outro lado, “os 30% restantes apresentam dificuldades naturais ao próprio parto” que, detectadas a tempo, são encaminhadas ao especialista médico correspondente. “Cada vez conseguimos maior controle”, afirma Liceth.

Trata-se de um processo integral que deve começar no primeiro mês de gravidez e ir até depois do nascimento. Contudo, nas cidades, a parteira é vista como algo “perigoso, sujo”, é alimentado o preconceito de que é “bruxa ou que só servem na falta de médicos”, assegura Liceth. Porém, se a lei for aprovada, as empresas que prestam serviços médicos por permissão do Estado aproveitarão a parteira porque “têm a infraestrutura montada e representará renda”, acrescenta.

Um caminho médio entre as parteiras tradicionais e a atenção hospitalar é explorado em Bogotá pela privada Fundação Procriar, do médico Mauricio Espinosa. Ali é oferecido parto na água, com apoio de uma parteira e sob o olhar atento e respeitoso de Espinosa. “É cômodo, com uma imensa sensação de liberdade”, conta Carolina Zuluaga, lembrando o nascimento de seu filho Federico, há dois anos e meio. “Meu marido, Juan, me ajudou, cortou o cordão umbilical e guardamos a placenta por oito meses para depois devolvê-la ao universo em agradecimento por nosso filho”, acrescentou. IPS/Envolverde

FOTO
Crédito:
Helda Martínez/IPS
Legenda: Rosmilda e Liceth Quiñones, de passagem por Bogotá.

(IPS/Envolverde)

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