Fábulas Fabulosas, a pílula gorda de Fernanda Torres

MAURÍCIO MEIRELES – revista ÉPOCA

A atriz diz que o programa de 10 minutos, inspirado no livro de Millôr Fernandes, não segue a receita superficial de outros humorísticos

 

Uma pílula gorda. É assim que Fernanda Torres define a série de TV Fábulas Fabulosas, que estreou na segunda-feira (8) no canal pago Multishow, às 23h30. Pílula porque segue o formato de pouco mais de 10 minutos, consagrado em programas como o 15 Minutos (MTV). Gorda porque não segue a receita superficial de outros programas de humor e tem uma dose de erudição de Millôr FernandesFábulas Fabulosas é adaptada do livro homônimo do humorista carioca, que ironiza o gênero consagrado pelo autor grego Esopo. No final de cada esquete, a moral da história. A adaptação, dirigida por Vicente Kubrusly, traz uma novidade: em vez de ser rodada em locações, foi toda feita em um galpão, com uma montagem que lembra um pouco o teatro. Projetores ajudam a compor o cenário, que pode ser a Grécia, uma fazenda nos Estados Unidos ou a Lua. A inspiração vai desde Monty Python até a atuação cartunesca de Charles Chaplin, passando pela “Annoying Orange” (laranja chata, em português), personagem famoso na internet. Na semana passada, Fernanda recebeu ÉPOCA em seu apartamento para falar sobre o programa.

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ÉPOCA – Por que adaptar Millôr Fernandes para a TV?
Fernanda Torres – Conheço o Millôr desde criança, cresci com os livros dele em volta. Ouvia o LP do Fábulas Fabulosas, com o Luís Carlos Miele. Aliás, por isso quis trazê-lo. Lembro até hoje da voz dele no LP, como ele fazia bem. Também nos baseamos no livro Millôr Definitivo, com aqueles aforismos. E fizemos em tempo recorde. Cuspimos 20 capítulos em menos de um mês. Com a equipe reduzida, tinha que ser um episódio por dia. Foi feito com muito pouco, mas de forma muito eficiente.


ÉPOCA – Como foi adaptar fábulas fantásticas para a TV sem estourar o orçamento?
Fernanda – O primeiro orçamento que fizemos era em locações. O Jardim Botânico seria a Grécia, o Parque Lage o castelo de “A bela e a fera”. Demoraríamos dois meses gravando e estouraríamos o orçamento em quatro vezes. O Vicente teve que dirigir o programa “com meia mariola”. Chamávamos até de Meia Mariola Filmes. Então ele veio com essa ideia de filmar tudo em um galpão e usar projetores para compor o cenário. E foi até melhor, porque são fábulas, nada é realista. Era incrível, porque em um segundo você estava na Grécia. Sem falar que trouxemos várias coisas de casa. Tem meu sofá, meu carro, várias coisas da casa do Vicente Kubrusly. Foi uma criação coletiva. Foi apertado, mas fizemos tudo que queríamos.


ÉPOCA – Como surgiu a ideia?
Fernanda – O canal perguntou se não tínhamos nada na manga e na hora lembrei do Fábulas Fabulosas, do Millôr Fernandes. Perguntei se ele venderia os direitos e ele topou. Então eu, o Vicente Kubrusly e o Renato Fagundes começamos a ler os contos e adaptá-los.


ÉPOCA – Ser uma atriz de teatro facilita fazer humor na TV?
Fernanda – Muito. Quem vem do teatro tem mais intimidade com a dramaturgia, adaptação, metáfora. Nesse caso especialmente, porque o Millôr é antes de tudo um dramaturgo e os contos dele refletem isso. É como se viessem prontos para ser adaptados. Tem um “esse fala isso, aquele fala aquilo”. O teatro é uma boa formação e ajuda muito na hora de fazer um programa como esse. Nele, você não é só ator ou diretor. O diretor costuma ter experiência de atuação. Você é obrigado a lidar com todas as áreas de produção.


ÉPOCA – É por isso que você dá palpite em tudo durante a produção do programa?
Fernanda – É. Quem me formou para ser assim foi o teatro. E também o cinema feito de uma forma meio teatral, como em A Marvada Carne (1985). Aliás, a grande revolução do cinema brasileiro recente foi não só a melhora da técnica, mas o fato de se ter adotado um trabalho de laboratório teatral. É o caso da Fátima Toledo. E tem a experiência em montagem do Vicente, que ajudou muito. Sem falar que ele é um gênio dos programas de computador, coisa que eu boio.


ÉPOCA – Não pensa em dirigir?
Fernanda – Não tenho interesse. Já me perguntaram isso uma vez, quando me viram dando palpite durante a produção. Mas a ideia de depois ficar com aquele material para mixar, montar, finalizar e distribuir não me interessa em nada. Gosto mais de adaptar e ajuda a resolver uma cena, por exemplo.


ÉPOCA – O programa tem pouco mais de dez minutos, um formato já usado em outros programas de humor. Também era o tempo máximo de vídeos do Youtube até o meio deste ano. Essa escolha foi pensando no público da internet?
Fernanda – Não, mas acho incrível poder ser postado na internet. Acho que é por isso que o formato tem se consolidado. Foi a janela que o canal nos deu e ela é sensacional. Não precisa ter intervalo. É uma pílula gorda.


ÉPOCA – O Multishow é um canal para adolescentes, uma geração atraída por um humor mais escatológico. Por que acreditar que Millôr Fernandes vai atrair essa “geração Pânico”?
Fernanda – Eu acho que também é uma geração interessada. Todo adolescente e toda criança quer descobrir o mundo. O Pânico é doido, politicamente incorreto, mas tem coisas impagáveis para uma criança. Outro dia meu filho estava vendo um campeonato de quem consegue andar na água. É uma coisa infantil, no bom sentido. O Millôr pode ser erudito, mas também é popular. Ele é desconcertante, porque foi feito para a passagem do adolescente para o adulto. Ele tem as duas coisas, as pérolas e os porcos. Todo adolescente quer rir com besteira, mas também tem fome de informação. Ele vê o Pânico, mas também vê o CQC.

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