As mulheres decidem, e podem se orgulhar

Somos de Vênus, sim. Mas também somos de Marte. Navegamos conforme a maré. Todavia, sabemos nadar contra a corrente, contornar obstáculos, feito um rio que traça seu próprio curso. Temos mãos que afagam e pulso que sustenta. Por que não podemos governar um país?

 

Blog da autora – A Tal Mineira

Nós mulheres somos mais da metade da população brasileira: 51,3%, segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/2007. De há muito ocupamos as universidades – 57% das matrículas no ensino superior. No mercado de trabalho, também, beiramos a metade: 49,7% da população economicamente ativa, pelos dados de 2009 do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Podemos, sim, governar um país. E devemos nos orgulhar de termos essa oportunidade, ainda rara no mundo.

Comandamos nossos lares, não apenas como mães, donas de casa, cuidadoras: 65,8% das mulheres casadas contribuem com 40,9% das despesas dos lares, ainda segundo o IPEA. A cada ano, mais e mais mulheres são responsáveis pelo sustento de suas famílias: na classe C, esse percentual chega a 32%; nas classes A e B, 25%. Ombro a ombro com os homens ou sozinhas, somos cada vez mais protagonistas de nossos destinos.

Ganhamos salários menores que os homens, mesmo em funções idênticas. Somos minoria, ainda, nos cargos de direção, postos executivos, públicos e privados, legislativos, judiciários, sindicais, religiosos. Ainda reclamamos parceria na dupla, tripla jornada. 

Não obstante, estamos a um passo da Presidência da Republica. Só depende de nós. Afinal, somos a maior parte do eleitorado: 51,8%, de acordo com o TSE – Tribunal Superior Eleitoral.

Amassamos barro, manejamos enxadas, rodos e vassouras. Pilotamos fogão, tanques e máquinas de lavar. Mas também dirigimos empresas, clínicas, hospitais, escolas, hoteis, mercados. Comandamos obras, redações, linhas de produção, veículos individuais e coletivos – lares, templos, terreiros e bordeis. Brilhamos nos palcos das artes e da vida.

Nos perdemos e nos achamos em meio a fraldas, livros, cuecas, computadores, laços, tratores, espinhas, terços, cólicas, textos, véus, tintas, cálculos, desejos, culpas e odores – redes, humores e lençóis. Sangramos, regularmente. “Bicho esquisito”, já cantou Rita Lee. 

Parimos. “Somos metade da humanidade e mãe da outra metade”, ecoa a frase de uma líder comunitária recifense, há coisa de 10 anos. Somos mãe, e isso é sublime, quando temos o direito de escolha. Nosso existir vale mais do que querem nos fazer crer o moralismo obsceno e o fundamentalismo conveniente. Também temos o direito ao cuidado da vida.

Semeamos. Esperneamos. Plantamos. Regamos e colhemos. Pintamos e bordamos. Muitas vezes, tudo ao mesmo tempo: somos estéreo – múltiplos canais para diferentes ressonâncias. Talvez por isso, nos traduzam anjas ou demônias – trôpegas, loucas, absolutas. Quem não é?

Mulher assertiva é autoritária, agressiva? Ou é fêmea que se impõe num mundo onde o macho sempre deu as cartas? “Mulher que nega, nega o que não é para negar”? Ou valoriza o direito de ser senhora dos seus próprios caminhos.

Há quem ache que mulher pode, no máximo, ser sindica de prédio. Claro, miss simpatia, também. O estereótipo da imagem não sustenta nossa realidade. Nosso cotidiano é faina. Nosso tecer é teia delicada, muitas vezes, nas dobras do talvez. Ainda assim seguimos adiante, dominamos nossos medos, galgamos escarpas, construimos trilhas – passo a passo.

Somos de Vênus, sim. Mas também somos de Marte. Navegamos conforme a maré. Todavia, sabemos nadar contra a corrente, contornar obstáculos, feito um rio que traça seu próprio curso. Temos mãos que afagam e pulso que sustenta.

Por que não podemos governar um país?

Minha geração levou duas décadas para poder votar para presidente da República. Vivenciamos o obscurantismo da negação da nossa cidadania por 21 anos. Esta reles escriba faria 29 anos quando votou para governador pela primeira vez, em 1982. Fomos para as ruas na campanha das diretas, muitas de nós empurrando carrinhos de bebê ou com filhos no colo e/ou pelas mãos. Só conquistamos o direito de escolha cinco anos depois, em 1989. 

A nova geração de mulheres brasileiras vive outro tempo, outra realidade. Quem tem hoje 17 anos, como minha caçula, pôde dar seu primeiro voto para uma mulher, no primeiro turno destas eleições. Melhor, pôde optar entre duas mulheres. Não duas mulheres quaisquer, porque mulheres existem de diferentes matizes. Mas duas mulheres forjadas na luta, na defesa dos direitos democráticos e da cidadania plena. Uma delas se tornou a mulher mais votada de todos os tempos no Brasil, quiçá do Planeta – por livre expressão da vontade popular.

Estamos a dois passos de decidir os destinos da Nação, numa segunda oportunidade de escolha. Um gesto, aparentemente, simples, mas de profundo impacto no futuro de várias gerações. Há dois projetos, bem distintos, em disputa. E ainda há muito o que fazer para o Brasil se tornar um país mais justo e igualitário, um país com oportunidades reais para todos seus filhos e filhas. Podemos avançar ou retroceder. 

Nós decidimos. 

Sobretudo, as mulheres decidem. Não fujamos de nossa responsabilidade. Antes, dela nos orgulhemos.


* Sulamita Esteliam é jornalista e escritoraa. Autora dos livros Estação Ferrugem, romance-reportagem que resgata a história da região operária de Belo Horizonte-Contagem, Vozes, 1998; Em Nome da Filha – A História de Mônica e Gercina, sobre violência contra mulher em Pernambuco; e o infantil Para que Serve Um Irmão, os dois últimos ainda inéditos. http://www.atalmineira.wordpress.com //sulamitaesteliam@hotmail.com

 

fonte: CARTA MAIOR

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