LETÍCIA SORG – Revista Época online
O americano Mark P. Jones, chefe do departamento de ciência política da Rice University em Houston, no Texas, estuda a participação das mulheres na política da América Latina e afirma que uma das consequências da eleição de Dilma Rousseff (PT) à presidência do Brasil, neste domingo (31), deve ser o aumento do interesse de mulheres jovens por política, como aconteceu no Chile depois do mandato de Michelle Bachelet. Co-autor do livro Women in Executive Power: A Global Overview, que será publicado em março de 2011, Jones afirma que as mulheres continuam sub-representadas no poder, mas houve uma mudança positiva: muitas das mulheres eleitas fizeram carreira independente na política – e não devem seu cargo a maridos poderosos, como no passado.
A presença de mulheres na política da América Latina tem aumentado, mas elas ainda são minoria. Por que isso acontece?
Mark P. Jones – O aumento aconteceu principalmente a partir da década de 1990 e foi muito pequeno, por isso as mulheres continuam sub-representadas, especialmente no poder executivo. Houve avanços no poder legislativo, especialmente nos países que adotaram políticas de cotas, como a Argentina, a Costa Rica, a Bolívia e o Peru. Um dos problemas é a questão do tempo: a participação ativa e independente de mulheres na política só começou na década de 1980 e demora um pouco até que elas atinjam o topo. Precisam primeiro assumir ministérios, a presidência do Congresso, governos de estados e prefeituras importantes, que podem ser considerados cargos intermediários para disputar a presidência.
É possível ver progressos na participação feminina no poder executivo?
A mudança mais encorajadora é a transição de mulheres eleitas principalmente por sua ligação com um político poderoso para mulheres eleitas de forma independente, por mérito próprio. Violeta Chamorro, da Nicarágua, e Mireya Moscoso, no Panamá, foram eleitas porque seus maridos, políticos influentes, haviam morrido, e os partidos as usaram para manter-se viáveis na disputa pela eleição. Mais recentemente, começando por Michelle Bachelet, presidente do Chile; Laura Chinchilla, presidente da Costa Rica; Kamla Persad-Bissessar, primeira-ministra de Trinidad-Tobago, e Dilma Rousseff, presidente do Brasil, vemos políticas que chegaram ao poder de maneira independente, sem ter nenhum parentesco com políticos importantes. Essa é uma mudança muito positiva.
Embora não sejam mulheres ou filhas de políticos importantes, Dilma Rousseff e Laura Chinchilla tiveram o apoio, em suas campanhas, de Lula e Óscar Arias Sánchez, os presidentes então em exercício no Brasil e na Costa Rica.
Claro que é possível dizer que Dilma Rousseff ou Laura Chinchilla só foram eleitas porque tiveram o forte apoio de presidentes que estavam deixando o mandato, mas elas, por si próprias, chegaram a posições[Dilma como ministra e Laura como vice-presidente] que as colocaram como opções na sucessão. Acredito que as pessoas estejam focando na participação de Lula porque toda a estratégia da campanha baseou-se na forte presença do presidente dizendo ao povo que o voto pela continuidade era o voto em Dilma. Mas, uma vez eleita, a estratégia de comunicação deve mudar completamente. Até agora, foi feito todo o possível para mostrar que Dilma e Lula são iguais com o objetivo de ganhar votos. Depois disso deve haver uma separação para mostrar que Dilma não é uma marionete de Lula, que ela é independente e tem suas próprias políticas.
<Leia mais: Faz alguma diferença ter uma mulher na presidência?, por Eliane Brum>
Nesse sentido, é possível dizer que o fato de a Argentina ter tido duas mulheres na presidência não necessariamente indica que elas tenham uma participação mais efetiva na política local?
A presidência de Isabelita Perón foi muito circunstancial, que só aconteceu por causa da morte de seu marido. Ela assumiu o poder na marra, não era uma política poderosa. Cristina Kirchner também só chegou à presidência por influência de seu marido. Nos bastidores, Néstor Kirchner continua controlando muitas ações da administração Cristina Fernández. Em muitos aspectos, com a eleição de Dilma Rousseff, é possível dizer que o Brasil avançou muito mais do que a Argentina com suas duas mulheres na presidência.
Embora não seja uma questão relacionada ao gênero, há também um debate sobre qual será a relação de Dilma com Lula durante o mandato. Há quem tema que ele seja uma influência tão grande no poder quando se pensava que Vladimir Putin, ex-presidente e agora primeiro-ministro da Rússia, teria sobre o novo presidente Dimitri Medvedev. Mas Medvedev parece ter conseguido se desvencilhar um pouco das rédeas de Putin. Como o senhor vê essa questão?
Em geral é exatamente isso o que acontece: o atual líder acredita que vai continuar no poder mas, quando a outra pessoa assume o cargo, ela tem o controle formal proveniente da presidência e, com o passar do tempo, se torna cada vez mais autônoma. É impossível comparar o que acontece na Rússia com o que acontece no Brasil porque a Rússia é praticamente uma ditadura enquanto o Brasil é uma democracia. Como primeiro-ministro, Vladimir Putin tem muito mais chance de influenciar o governo do que Lula ao término de seu mandato. A influência de Lula é seu legado e isso deve diminuir com o tempo.
Qualquer político – homem ou mulher – terá dificuldades para suceder Lula, um político extremamente carismático e bem avaliado pela população. Mas o fato de Dilma Rousseff ser a primeira mulher a assumir a presidência faz com que ela tenha uma tarefa mais árdua pela frente?
A tarefa de suceder um líder tão popular como Lula é difícil para homens e mulheres, mas as pessoas vão usar o gênero contra ela e podem ser rudes. Vão dizer que, porque ela é mulher, chegou ao poder despreparada. Políticos, jornalistas e especialistas tendem a julgar mulheres por padrões muito mais rígidos. Mulheres também são julgadas por coisas que homens jamais seriam julgados, como a roupa, a aparência. Ninguém teria questionado a relação de Lula com seu candidato se fosse um homem, por exemplo. Lula seria considerado um
a espécie de mentor e isso seria considerado absolutamente normal.
É possível avaliar as consequências para a sociedade e para as mulheres da ascensão das mulheres ao poder executivo
Há muito poucos casos para que saibamos de fato quais são as consequências para a sociedade. Porém, sabemos que há um efeito positivo em como mulheres jovens veem a carreira política. O fato de uma mulher se tornar presidente do país significa que garotas que estão no Ensino Médio e na universidade passam a considerar a política como uma opção viável de carreira. Elas conseguem ver um modelo bem-sucedido e, a partir disso, começam a olhar para a política de maneira diferente. No Chile, Michelle Bachelet teve um forte efeito sobre como as mulheres, particularmente as mais jovens, viam a política, participavam do sistema político e viam seu futuro na política. Podemos ver algo parecido acontecer no Brasil.
É viável pensar em igualdade de sexos na política?
Claramente as mulheres trazem ideias diferentes, talentos diferentes para as cenas políticas. É uma nova contribuição e podemos esperar que alguns problemas que não foram priorizados por políticos do sexo masculino até agora ganhem mais atenção. Seja a violência doméstica, a educação infantil, a saúde da mulher ou outras questões que o status quo masculino tenha deixado de lado. Isso assumindo que a mulher que ocupar a presidência esteja disposta a priorizar essas questões. Foi o que aconteceu na administração de Michelle Bachelet, mas não na de Cristina Kirchner, por exemplo.
Mas é desejável que mulheres na presidência privilegiem políticas focadas em mulheres? Isso não pode levar a distorções?
Primeiro é preciso perguntar se os problemas relacionados às mulheres foram tratados de maneira justa, com a atenção merecida, pelos presidentes anteriores. Talvez alguns assuntos tenham sido tratados adequadamente. Mas outros não tenham entrado em pauta nem tenham recebido a devida atenção, embora sejam importantes. Nesses casos, o papel da mulher na presidência é corrigir isso.
Alguns países da América Latina estabeleceram cotas para mulheres no Parlamento, entre eles a Argentina, a Costa Rica e o Peru. As cotas são uma boa solução para aumentar a participação das mulheres na política?
A primeira questão é saber se a sociedade está satisfeita com a representação feminina na política. Se ter 5, 10, 15% de mulheres na política é considerado uma situação indesejável, a única forma de resolver o problema no curto ou médio prazo é estabelecer cotas. As cotas são positivas na medida em que aumentam a presença feminina em cargos políticos e em outros cargos dentro da administração pública, os cargos de segundo escalão. Na Argentina, a adoção de cotas fez a presença feminina sair de 5% para 35, 40% do Congresso. O mesmo na Costa Rica e no Peru. Outros países como México, Honduras e República Dominicana adotaram cotas com menor ou maior rigor. O Brasil também adotou cotas para candidatos a deputado, mas a lei foi redigida de modo a permitir que os partidos não a seguissem. A lei diz que 30% dos candidatos potenciais devem ser mulheres. Um partido pode apresentar 100 candidatos para concorrer a 50 vagas de deputado estadual, por exemplo. A lei diz que 30 vagas teriam que ser preenchidas por mulheres, mas também que o partido não precisa preencher todas as vagas. O partido pode ter, então, 70 homens e nenhuma mulher. Por isso, na prática, de 10 a 15% dos candidatos são mulheres e, por consequência, 10% dos deputados eleitos são mulheres. Entre os países que adotaram cotas, o Brasil é o país que tem o percentual mais baixo de mulheres na Câmara.