Dilma na presidência: um novo governo? E Uma presidente. O seu significado

IHU – Unisinos *

Adital –

Entrevista com Luiz Werneck Viana

Um dia após a eleição da nova presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a IHU On-Line entrevistou, por telefone, o professor Luiz Werneck Viana. Diante do cenário atual do governo Lula e do perfil da presidente eleita, o sociólogo afirmou que “Dilma enfrentará questões circunstanciais de peso”, como a questão cambial e reformas da previdência, tributária e trabalhista. “O que nós temos é uma página em branco. É como se o Brasil tivesse começando agora sua história com uma democracia consolidada, aprofundada com a presença das grandes multidões na cena através do voto”, declarou o professor.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj e ex-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – Anpocs. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, autor de, entre outros, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que esperar desse cenário político sem a presença de Lula?

Werneck Viana – Alguma coisa vai mudar, porque a capacidade de negociação do presidente Lula é quase notória. Ele foi capaz de uma frente pluriclassista e pluripartidária de uma forma muito eficiente. Ela tem o mesmo compromisso, mas se o voto é transferível, o modo de operar não é. Isso vai dar alguma diferença. Além do mais, as propostas mudaram. Certas forças que haviam para essa coalizão pluripartidária e pluriclassista se mantivesse, não são tão favoráveis a questões tão emergentes como a Reforma da Previdência. Essa é uma questão que está se impondo no mundo todo e vai chegar aqui. Não sei quando vai chegar, mas vai acontecer no governo dela. Isso deve trazer abalos.

O tema cambial também é urgente. Como será que ela vai atender a isso? O agronegócio tem seus interesses muito fortes nessa questão por causa das exportações, assim como o setor industrial. Creio que a política de beneficiar o quanto possível igualmente a todos, como ocorreu nos mandatos do presidente Lula, vai ter dificuldades de se reproduzir.

Então, para além dos estilos pessoais, Dilma enfrentará questões circunstanciais de peso. Penso que o status dela de manobra tende a diminuir. Se você colocar ainda os temas das reformas tributárias, trabalhista e sindical, questões que tendem a organizações oposições entre empresários e trabalhadores, poderá prever os obstáculos que esse governo pode enfrentar. Além disso, há a questão ambiental, principalmente em função do Código Florestal que está em tramitação no Congresso. Também não vai dar conta de todos, alguém vai sair perdendo. Por isso, a agenda de Dilma será, desde o início, muito complexa e complicada. Toda agenda presidencial é, mas isso faz com que nós pensemos que certas linhas de continuidade entre o governo Lula e o governo Dilma, se não rompidas, serão esmaecidas.

IHU On-Line – Em que setores Dilma e Lula se assemelham e se diferenciam?

Werneck Viana – Por mais que a Dilma se empenhe na questão social, falta a ela a marca a compaixão que o presidente Lula teve nos dois mandatos, assim como a identificação da origem. Ele veio de baixo, ele tem uma fala e uma linguagem muito próxima dos setores subalternos da sociedade. Ela não. Ela é administradora, fala a partir de determinados imperativos lógicos do mundo sistêmico. Isso empedra um pouco o discurso dela. Isso dá diferença.

Um tema que veio amadurecendo ao longo do segundo mandato de Lula, a ideia desenvolvimentista de tipo Geisel. Creio que ela vai tentar dar continuidade a isso. Quando fala em empresas campeãs, isso quer dizer políticas estatais favoráveis a determinados setores empresariais com a orientação de escalar a presença no cenário econômico e político internacional. Agora, não sei se essa política de aproximação com Chávez, por exemplo, se dará do mesmo modo. Acho que haverá uma certa inflexão aí. Inclusive, a posição de Dilma em relação às Farc é de muita desconfiança. Alguma coisa por aí vai mudar…

IHU On-Line – Os votos de Marina foram influenciados pelos debates em torno do aborto e da união civil gay?

Werneck Viana – Em parte. Seria injusto com a campanha da Marina atribuir a ela essa conotação atrasada, quase obscurantista de sistemas comportamentais. A questão ambiental perdeu-se e teve peso, a meu ver, sobretudo, uma concepção de política da Marina mais avançada do que aquela que Dilma e Serra apresentaram nas campanhas. Isso não teve peso de massa, mas atuou bastante nos setores intelectualizados, mais cultivados. Isso também, pesou. Então, eu não explicaria a votação da Marina como uma razão comportamental orientada por valores religiosos.

IHU On-Line – Como o senhor classifica o silêncio intelectual no cenário dessas eleições?

Werneck Viana – Os intelectuais até fizeram barulho no Teatro Oi/Casa Grande. Até porque uma coisa é o Teatro Casa Grande da década de 1970, outra é o Teatro Oi/Casa Grande. Não é a mesma coisa. Estavam lá o Gil, o Niemeyer… Mas a meu ver essa campanha foi muito rebaixada, onde não se discutiu projeto de país, onde os candidatos se comportaram como ventríloquos de marqueteiros, onde não se discutiu política. Como se fossem representantes de dois supermercados gigantes, cada um oferecendo ao grande público bens e serviços mais acessíveis e baratos. Isso resultou numa coisa importante de que a questão social ganhou uma legitimidade de tal natureza que será impossível para o governante não investir pesadamente nela, especialmente educação e saúde.

Eu diria até que mais em educação do que em saúde porque acho que esse foi o resultado mais positivo dessas eleições, embora nenhum dos candidatos tenha apresentado um projeto de Reforma do Sistema da Saúde e do Sistema Educacional que fossem incríveis. Para governar este país, os interesses das grandes multidões têm que ser atendidos. Porque, inclusive, a democracia política reforçou-se poderosamente no país nessas eleições. A própria Dilma falou na importância da defesa da Constituição em seu primeiro discurso.

IHU On-Line – Que balanço o senhor faz das forças políticas que estiveram junto com Dilma?

 

Werneck Viana – Tem de tudo aí. Tem até o PSB que é um partido emergente, do ponto de vista dos governadores, elegeu cinco governadores. Houve também a representação do que há de mais tradicional nas oligarquias brasileiras, tipo Collor e Sarney. Isso é um propósito muito heterogêneo, manter tudo isso unido em torno de questões como falei há pouco, reformas tributária e previdenciária, por exemplo. Não vai ser nada fácil. É verdade que o PMDB vai ter um papel muito grande nisso e tudo indica que esse vai ser um governo PT-PMDB como nenhum outro. O PMDB vai ter um papel muito particular na preservação nessa coalizão. Acho que isso agora, em boa parte, vai passar à administração do PMDB.

IHU On-Line – O primeiro mandato de Lula, afirmou o senhor em um artigo, teve um “protagonismo dos fatos” e empurrou o governo pela ortodoxia econômica. No segundo mandato, assistiu-se a emergência do papel do Estado e

a sua capacidade de “engolir a todos” e submeter a si mesmo a administração de todos os conflitos. Agora, num terceiro momento, o que podemos vislumbrar?

Werneck Viana – Creio que a tentativa de intervenção maior sobre os atos é próprio da candidata Dilma. Ela tem esse perfil. A história é de um voluntarismo político feita com pequenos grupos que pretendiam mudar o país a partir das suas ações. Por isso, vamos ter um governo onde a marca do voluntarismo vai se fazer presente. Em que medida, eu não sei, o impulso será sempre para intervir de forma forte sobre as circunstâncias.

IHU On-Line – Por que o senhor diz que nestes 16 anos de PSDB e de PT, de governos de social-democracia brasileira, atingimos a um ponto final da história do Brasil? Que história começaremos agora?

Werneck Viana – Acho que isso está desmentido. O que nós temos é uma página em branco. É como se o Brasil tivesse começando agora sua história com uma democracia consolidada, aprofundada com a presença das grandes multidões na cena através do voto. Esse é um voto que é mobilizado a cada dois anos. É uma situação muito interessante. O Brasil é um grande laboratório. Porém, por outro lado, deve ser acentuado também o seguinte: a nossa política está cada vez mais americanizada. Sem a procura de projetos alternativos de sociedade, voltada para interesses de grupos e de regiões, com o marketing político tendo um papel muito poderoso. A disputa entre classes, por exemplo, entre projetos classistas, que é uma marca tradicional da política brasileira, está quase desaparecendo.

Qual é o partido dos empresários no Brasil? É tanto o PSDB quanto o PT. Em alguns lugares, inclusive, mais o PT. E tem também aí um campo enorme para pesquisa eleitoral. O mais interessante é ter como objeto o voto na Marina. Quem votou na Marina? E também a presença desses nomes ocultos dos evangélicos na política brasileira. Isso ficou muito claro. A Igreja Católica não tem mais o papel que tinha na orientação da população. Os evangélicos demonstraram uma força muito grande. Inclusive, boa parte deles apoiou Dilma. A relação entre política e religião sempre existiu, mas muito monopolizada pela hierarquia católica. Agora isso se ampliou e há novos personagens no cenário, como os pastores. Estes são um tipo de intelectual muito particular. Ele é extraído de baixo, sacerdotes católicos até podem ter saído de baixo, mas têm tratamento de elite, vão estudar no Vaticano, se formam em teologia e filosofia.

No caso dos evangélicos é diferente; eles são extraídos de baixo, se formam neste mesmo espaço em cursos de bíblia e vão às ruas, ficam muito perto do seu “rebanho” e, por isso, têm uma força muito grande. Eles realmente participam da vida política. Resultado: a bancada evangélica no Congresso brasileiro é significativa hoje. Enfim, tudo isso faz com que, para se dar um passo aqui, você tenha que calcular muito. Isso, a meu ver, vai moderar bastante o elemento vontade que eu imagino estar na motivação presidencial da Dilma porque, nesse mundo tão marcado, não é fácil avançar. Só se faz isso depois de regimentar forças. Foi com essa mudança que, querendo ou não, o Estado tende a perder precedência sobre a sociedade civil. Isso vai dar a sociedade civil mais possibilidade de ação. O fato de o movimento feminista ter se deixado encapsular por secretárias de Estado fez com que ele perdesse inteiramente sua capacidade de intervenção e influência e, assim, quando a questão do aborto apareceu, não havia quem defendesse uma posição mais civilizada em relação ao tema.

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Uma presidente. O seu significado. Entrevista com Fátima Jordão

IHU Unisinos

Uma das mulheres mais poderosas do mundo. Dilma Rousseff, ao ser eleita a primeira mulher presidenta do Brasil, ganhou esse status. Segundo a socióloga, Fátima Jordão, o voto em Dilma “é um salto de qualidade, cidadania e de democracia, pois faz cair vários mitos de que a mulher não está preparada para altos cargos, que mulher não vota em mulher, de vários preconceitos com estereótipos ultrapassados de que mulher é emocional, sensível e, portanto, não pode ocupar os cargos duros da política”. Durante a entrevista que concedeu, por telefone, à IHU On-Line, Fátima analisou o perfil de Dilma e refletiu sobre as principais dificuldades e demandas que a presidente terá ao assumir o cargo. “Dilma tem uma dependência, na medida em que foi criada pelo lulismo, mas, por outro lado, ela tem qualificações técnicas para ter autonomia em áreas cruciais, como, por exemplo, no setor de energia”, definiu.

Fátima Pacheco Jordão é socióloga e especialista em pesquisas de opinião. Fundadora do Instituto Patrícia Galvão, é assessora de pesquisa da TV Cultura.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que representa uma mulher na presidência do Brasil?

Fátima Jordão – Para um país como o nosso, em que deixou por muito tempo negligente a participação da mulher na política, é um salto enorme, pois nós somos um dos países mais atrasados do mundo nessa questão. É um salto de qualidade, cidadania e de democracia, pois faz cair vários mitos de que a mulher não está preparada para altos cargos, que mulher não vota em mulher, de vários preconceitos com estereótipos ultrapassados de que mulher é emocional, sensível e, portanto, não pode ocupar os cargos duros da política. Caem todos esses tabus e agora o que se aguarda é que ela tenha uma agenda mais balanceada em termos de igualdade de gênero.

IHU On-Line – E a senhora acha que muda alguma coisa com uma mulher na presidência?

Fátima Jordão – Creio que sim. Primeiro, muda o aspecto cultural. Já se discute se é presidente ou presidenta, já se discute como vai ser formado o ministério com uma face mais feminina, já se discute como vão ser formadas políticas contra a violência à mulher, políticas de mulher no poder. A ONU Mulher acaba de publicar uma nota em consideração à Dilma Rousseff e fortalecendo a ideia dela levar a sério a agenda da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, ocorrida em Pequim no ano de 1995 e de outras conferências. Faltava essa orientação e essa direção para que isso pudesse criar uma expectativa mais favorável. Vamos lembrar que na presidência da ONU Mulher está uma amiga de Dilma, que é Michele Bachelet, ex-presidente do Chile.

IHU On-Line – Para alguns especialistas, eleita, Dilma será mais poderosa que Hilary Clinton e Angela Merkel. O que isso pode significar?

Fátima Jordão – É um poder extraordinário o da presidente. Embora o Brasil seja um país de presidencialismo de alianças, onde, para se eleger, você precisa formar largas alianças partidárias, trata-se também de um presidencialismo muito forte. A Federação Brasileira constitucionalmente existe do ponto de vista do legislativo, porém do ponto de vista de grandes políticas ainda os estados são muito dependentes do governo federal. Tanto ela quanto Merkel têm poderes semelhantes. Hilary Clinton está aquém de Dilma, pois é apenas uma “ministra” do presidente Obama.

IHU On-Line – E como a senhora avalia o perfil da nova presidente do país, Dilma Rousseff?

Fátima Jordão – É um perfil compatível com o cargo. Ela tem uma longa experiência técnica, ela é uma mulher sofisticada, muito preparada, ela tem certas características que dão alguma autonomia a ela, inclusive um histórico partidário que não vem da raiz do PT. Portanto, é um perfil dos mais adequados. Dilma tem uma dependência, na medida em que foi criada pelo lulismo, mas, por outro lado, ela tem qualificações técni

cas para ter autonomia em áreas cruciais, como, por exemplo, no setor de energia.

Na questão do petróleo e da matriz energética do país, Dilma é especialista e o Brasil, efetivamente, vai entrar numa fase em que essa questão vai se complicar no sentido amplo. Isso porque o pré-sal tem reservas extraordinárias. Além disso, o Brasil tem condições de manejar economicamente as escolhas de energia sustentável. Portanto, sua especialidade em energia é uma feliz coincidência para o país, nesse momento.

IHU On-Line – As pesquisas de intenção de voto indicavam que, se dependesse dos homens, o candidato Lula ganharia no 1º turno; mas as mulheres se mostraram mais indecisas. Há, inclusive, um mito de que mulher não vota em mulher, como a senhora falou antes. Como a senhora analisa o voto feminino?

Fátima Jordão – Nesta eleição, foi bastante peculiar. De fato, ao longo do primeiro turno o voto feminino em Dilma foi inferior ao voto masculino, ou seja, quem levou à distância e à vanguarda da Dilma no processo foi o segmento masculino. As mulheres mais reticentes aguardam definições em relação às políticas públicas e, sobretudo, políticas ligadas ao cotidiano demoram mais para isso. No segundo turno, houve até a metade de outubro, um recuo, inclusive, das mulheres em relação à Dilma, e, depois dos embates religiosos e moralistas, sobretudo, depois das pesquisas de 18 de outubro, o eleitorado feminino se descolou permitindo uma vitória de larga margem de Dilma.

IHU On-Line – As mulheres são mais sensíveis às políticas públicas?

Fátima Jordão – Sim, tanto eleitoras quanto gestoras. Elas são usuárias desse serviço. Elas são as verdadeiras consumidoras desse balcão de serviços. Elas estão nas escolas, elas acompanham os filhos na rotina diária, elas frequentam os postos de saúde. Enfim, as mulheres têm uma vivência do cotidiano muito prática e pragmática. Nesse sentido, elas esperaram o máximo possível para se decidir justamente para testar diferentes opções dos candidatos. Por isso, as campanhas foram tão pouco politizadas.

IHU On-Line – O que isso representará, então, sendo Dilma a continuação do governo Lula?

Fátima Jordão – Certas políticas, como violência contra a mulher ou a questão de entender o aborto legal, terão a implementação que tem faltado. Então, os postos de saúde, provavelmente, poderão ter um respaldo técnico para fazer o atendimento a essas áreas mais sensíveis e especificas das demandas das mulheres. É muito difícil prever o que vai acontecer. O Brasil tem uma série de problemas econômicos pela frente, mas certamente a leitura que Dilma fará será mais refinada em relação à especificidade das mulheres no que diz respeito às políticas públicas.

IHU On-Line – O que a senhora espera deste governo?

Fátima Jordão – Olha, uma continuidade das políticas sociais do governo Lula. Isso foi afirmado de maneira tão enfática que os eleitores votaram primordialmente por causa disso. Então, sair deste rumo seria quase que uma impossibilidade política. Mas também espero algumas dificuldades importantes no manejo da articulação política. Dilma, sendo uma experiente técnica, não é experiente politicamente. Então, na articulação com parceiros, como PMDB, ela terá enormes dificuldades. Com relação às outras políticas, como exterior e sociais, prevalecerá a continuidade.

 

* Instituto Humanitas Unisinos

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