Rossi, da Revista Fórum
Em entrevista exclusiva à Fórum, Plínio de Arruda Sampaio reitera sua posição pelo voto nulo no segundo turno, fala sobre sua relação com Heloisa Helena e analisa as possibilidades de avanço do socialismo no cenário político brasileiro.
Plínio de Arruda Sampaio recebeu Fórum em sua casa para uma entrevista, em que o ex-presidenciável do Psol falou sobre o segundo turno, sua relação com Heloisa Helena e as possibilidades que enxerga para o socialismo. Ele reafirmou sua opção pelo voto nulo, distintamente de membros de seu partido que optaram pelo voto em Dilma. “Proponho voto nulo porque acho que o importante na campanha eleitoral da esquerda é a conscientização. E nesse caso, preciso conscientizar a massa de que nenhum dos dois candidatos traz solução em hipótese nenhuma.” Leia a íntegra da entrevista abaixo.
Fórum – Qual a saída da esquerda para atingir um papel de protagonismo no processo político brasileiro. Por que, desta vez, não houve a reedição da Frente de Esquerda com PSTU e PCB como na eleição passada?
Plínio de Arruda Sampaio – A esquerda não tem condições de assumir um papel protagonístico a curto prazo. Isso só poderá ocorrer dentro de uma ou duas décadas, no mínimo. Ela está totalmente dividida e a população brasileira está totalmente extasiada diante de uma farsa. Isso é um problema de mentalidade, que não é fácil de mudar a curto prazo.
A reedição da Frente de Esquerda não foi possível primeiro porque o meu partido demorou muito para tomar a decisão sobre a candidatura e isso dá uma impressão de hegemonismo em relação aos outros partidos, o que é inaceitável. Sendo assim, eles não toparam, e até certo ponto eu os desculpo e os justifico. Mas foi um equívoco brutal, porque se tivéssemos estado unidos, o PSTU teria feito seu primeiro deputado federal. Foi um erro grave e pretendo ver se conseguimos mudar agora.
Fórum – O senhor falou em farsa…
Plínio de Arruda – É a farsa de que temos um Brasil melhorando, sólido e consolidado no exterior. Fui entrevistado por uma rede de televisão espanhola que ficou surpresa quando eu disse isso, pois o Lula era muito bem recebido nas esferas internacionais, o país tinha prestígio e não era mais considerado subdesenvolvido. Eu disse que era claro, porque nosso país tem o governante que o imperialismo pediu a Deus, porque ele cede tudo. Então ele (Lula) é louvado mesmo, pois é um bobão.
E aqui dentro, o homem que compra uma geladeira acha que virou de classe média e não está vendo que o filho dele está ultra mal educado. Não há escola que preste e o sistema de saúde é um horror. Então isso que é uma farsa.
Fórum – Qual é o legado que o Psol deixa com essa participação nas eleições presidenciais?
Plínio – Eu acho que ele deixa um legado importante e isso está sendo reconhecido. Em 1998, propus ao Lula um discurso de campanha exatamente igual ao que fiz nessas eleições. Disse que naquele momento ele não tinha condições de ganhar nem de fazer uma política protagonística. Então, que aproveitasse o período eleitoral, onde nós tínhamos a televisão para fazer o debate, para dizer a verdade: o capitalismo não soluciona e s sociedade tem que ir para o socialismo. Falei também que ele não seria compreendido, pois se tratava de uma ideia nova que chocaria as pessoas. Mas na hora em que a sociedade verificasse as falácias do sistema, elas começariam a olhar para a nossa alternativa.
Na Segunda Guerra Mundial, quando Charles de Gaulle, general do exército francês, conclamou os franceses a derrotar os alemães, todos consideraram uma alternativa impossível e compraram a teoria do Marechal Pétan, que propôs acertar com os alemães para que o prejuízo sobre o país fosse menor. Se houvesse uma eleição no dia em que de Gaulle fez o apelo, perdia de longe. Ele ficou isolado com essa ideia. Mas na medida em que os alemães foram tornando insuportável a vida dos franceses, foi ficando claro que sua medida era necessária.
Mesma coisa o Churchill. Ele foi à Alemanha em 1933, onde viu a ascensão do Hitler. Então voltou para a Inglaterra e disse que o exército alemão estava se armando e iria investir contra seu país. Na Inglaterra, a tese do armamento não era aceita e ele perdeu todos os seus lugares no Parlamento e foi escamoteado de seu partido, até o momento em que ficou evidenciado que o Hitler ia atacar a Inglaterra. Ele conta em seu livro que, nessa hora, ficou ao lado do telefone porque sabia que o Rei ia chamá-lo para ser o primeiro-ministro do país.
Então disse ao Lula para ele plantar, que daqui a uma, duas, três eleições a sociedade estaria pronta para entendê-lo. E isso foi feito por nós só agora, numa circunstância mais difícil, porque o Lula é uma figura conhecida. Sou um político que venho de muito longe e já estou numa condição mais lateral, longe do foco da mídia. Mas está feito e daqui por diante nós vamos trabalhar isso.
Fórum – Como o senhor acredita que o partido pode reconstruir a ideia de socialismo no Brasil? Existe algum modelo que possa ser seguido?
Plínio – Esse é outro problema: não temos modelo, porque o modelo soviético, evidentemente, não podemos e não queremos reproduzir. Então temos que inventar um socialismo do século 21, com liberdade. Acho que a maneira de fazer isso é trabalhando pequenos núcleos de base, sem pressa de crescer. A revolução não é o partido que faz e sim o povo. E o faz de acordo com a sua hora e com seus movimentos internos, que dificilmente o político consegue captar.
As insurreições sempre surpreendem os políticos. Surpreendeu inclusive um homem atiladíssimo como Lenine, que não esperava pela erupção da Revolução Russa de 1917, e no entanto acabou como chefe de governo.
Então esse é o desafio que está colocado para os partidos de esquerda: construir um movimento na base, pequeno e sem aspecto de massa. E quando houver uma explosão nós estaremos preparados para ter uma palavra.
Fórum – Como o senhor viu o afastamento de Heloisa Helena da presidência do Psol? Como estão suas relações com ela hoje?
Plínio – Foi lastimável. Ela se apartou da base do partido, que votou em mim, e não soube reconhecer a derrota e passar por cima disso. Levou muito para o lado pessoal.
As minhas relações com ela são curiosas. Na campanha eleitoral fiz apelo em seu favor, de modo que eu não tenho nenhuma animosidade com ela. Não levo política para o lado pessoal nunca. Discordei de uma posição dela num episódio específico. Posso concordar com a Heloisa em dez mil coisas depois, mas isso vai ser decidido agora pelo diretório nacional do partido.
Fórum – O senhor fez várias declarações perto do fim do primeiro turno, inclusive no dia da votação, acreditando que haveria um segundo turno. No entanto, sua opção foi pelo voto nulo. Assim, como o senhor vê a importância de haver um segundo turno?
Plínio – Proponho voto nulo porque acho que o importante na campanha eleitoral da esquerda é a conscientização. E nesse caso, preciso conscientizar a massa de que nenhum dos dois candidatos traz solução em hipótese nenhuma. De modo que, se eu votar em um, estarei enfraquecendo todo o discurso de que nenhum dos dois candidatos defende os mesmos interesses que eu defendo.
Fórum – Como o senhor vê o predomínio das questões morais neste segundo turno? Isso representa um retrocesso no debate polí
tico?
Plínio – Isso representa um pedágio que estão pagando ao fundamentalismo religioso, ao atraso e ao patrulhamento das opiniões. É vergonhoso e lastimável. O Boechat (Ricardo Boechat, jornalista) chamou os dois de “idiotas” e acho que ele tem toda razão.
Fórum – Sobre a questão do meio ambiente, uma vez o senhor disse que a preservação da natureza não é concebível no modelo capitalista. Porque não é, e porque o socialismo permitiria isso?
Plínio – Esse é o meu grande debate com a Marina. Para o capitalismo, a maior prioridade é lucro. Os capitalistas defendem a natureza, têm código florestal, institutos. Mas na hora em que a defesa da natureza impede a acumulação de capital, a acumulação prevalece e a defesa da natureza não, tanto que a devastação contra o meio ambiente só aumenta.
Para nós, socialistas, a defesa da natureza é mais importante que a acumulação de capital. E numa contradição entre um sistema e outro, nós socialistas somos pela redução da acumulação de capital, defendendo a natureza.
Fórum – Após as eleições de 2010, o que, na sua opinião, deve mudar na estratégia do Psol para as eleições municipais de 2012?
Plínio – Nós vamos estar na oposição. É difícil dizer isso agora, pois é preciso ver a conjuntura após a posse do novo governo. É a posse do novo governo que vai ditar para nós qual é a solução. Podemos partir só com a esquerda pura para fazermos mais um testemunho, ou podemos fazer alianças, dependendo sempre do critério de o que conscientiza mais o povo.
Se a conscientização vislumbrar uma aliança com forças capitalistas nós faremos, porque aliança você não faz com um igual e sim com um diferente. Com um igual você faz sociedades, parcerias.
Quando o Mao Tse-tung raptou o Chiang Kai-chec (militar e político de um partido conservador na China), ele propôs para ele um acordo de juntos combaterem os japoneses e suspenderem as hostilidades entre os dois. Ninguém admitiu que um estava aceitando a tese do outro. Mesma coisa o Churchill, quando ele se aliou ao Stalin para deter o nazismo. Ninguém imaginou que um havia virado socialista e Stalin capitalista.
Então na eleição para a prefeitura, nós podemos fazer acordos, dependendo da análise da situação concreta que estiver posta na hora do processo eleitoral.
Fórum – O senhor esteve bastante presente na internet. Como o senhor avalia a importância da rede no processo eleitoral em geral?
Plínio – Acho que o Twitter substituirá a televisão como principal instrumento de propaganda política nas próximas eleições. É um instrumento extraordinário. Fiz uma videoconferência no Twitter para acompanhar o primeiro debate do segundo turno e 10 mil pessoas acompanharam e interagiram comigo, fazendo perguntas e participando. Não consegui fazer na campanha eleitoral nenhum comício com esse número de pessoas, pois o custo para se fazer um comício desse tamanho é brutal. E para a esquerda tem uma importância vital porque é de graça.
Com 140 toques dou a essência e remeto ao meu site, onde eu deposito um artigo sobre o assunto debatido. Muitas vezes as pessoas respondem na hora, sugerindo que eu mude algum argumento porque ele está ruim, e eu noto que está ruim mesmo e mudo na hora.
Fórum – Embora o senhor tenha optado pelo voto nulo, boa parte do Psol optou pelo voto em Dilma no segundo turno. Existe possibilidade de se discutir um apoio a um possível governo petista?
Plínio – Não, em hipótese nenhuma. O Psol estará na oposição ao PT. Não senti na reunião do partido nenhuma voz favorável à aliança. Isso é consensual e unânime no nosso partido.
Fórum – Nos debates eleitorais, o senhor optou por adotar uma postura combativa contra os dois principais candidatos. Por quê?
Plínio – Optei por dizer a verdade. Isso me colocou em antagonismo a eles e não fugi, muito pelo contrário. Procurei marcar essa diferença e isso criou o debate e acho que foi uma contribuição.
(Envolverde/Revista Fórum)