O que eu aprendi com as mulheres do Vietnã

renata-nederRUTH DE AQUINO- Revista Época

Temos hoje uma nova convidada na seção Mulheres no Mundo do 7×7, que enriquecerá nossos sábados.

Renata Neder, 30 anos, é geógrafa formada pela Universidade Federal Fluminense e atualmente trabalha como coordenadora de comunicação da Rede Internacional de Segurança Alimentar, divisão da Action Aid. Renata nasceu e vive no Rio de Janeiro, mas começou a viajar bastante para o exterior, com seu trabalho nessa ONG internacional. Seus relatos têm o frescor e a seriedade de uma jovem geógrafa, ávida por conhecer novas culturas, e que se preocupa com os enormes desafios sociais do planeta.

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Renata Neder

As mulheres da foto à direita são da etnia Thai e vivem na comunidade de Thanh Nua, nas proximidades de Dien Bien Phu, no noroeste do Vietnã. Elas são agricultoras que visitavam uma vila vizinha, a convite de sua professora, para aprender técnicas de manejo e produção de fertilizantes orgânicos. Até três anos atrás, elas não sabiam ler nem escrever. Desconheciam sua força e muitos de seus direitos. Seus sorrisos, registrados por minha câmera de viajante, revelam satisfação, orgulho e auto-estima.

Fui ao Vietnã para visitar projetos em três comunidades na região de fronteira com o Laos. As comunidades rurais de Na Tau, Thanh Nua e Thanh Xuong desenvolvem experiências de recuperação de uma variedade de arroz nativo, uso de fertilizantes orgânicos na agricultura e integração entre criação animal e vegetal. Essas experiências triplicaram a produtividade agrícola e garantiram alimentação durante o ano todo. Desde 1986, quando havia ali fome extrema, o governo do Vietnã tem conseguido incentivar a agricultura familiar e combater a fome.

Não é à toa que o Vietnã hoje se destaca como um dos países comprometidos em reduzir à metade a pobreza e a fome até 2015. Na Cúpula Mundial dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, realizada em setembro em Nova Iorque, com mais de 140 líderes e chefes de Estado, o Vietnã (assim como  Brasil) é apontado como um caso de sucesso.

Mas, não foi isso que mais me chamou a atenção em minha visita ao país.  O que me impressionou foi ver a determinação das mulheres – elas usaram os projetos para mudar sua posição na sociedade local e melhorar de vida. As mulheres dessa foto são um exemplo do que estou falando.

Esqueça os modelos de extensão rural tradicionais ou a escola e a educação do jeito que conhecemos normalmente. A metodologia do trabalho na região de Dien Bien Phu foi inspirada na filosofia do educador brasileiro Paulo Freire. Essa metodologia é chamada de Reflect. Associa a alfabetização de adultos ao conhecimento técnico e reflexão crítica sobre as relações sociais do grupo.

Essas mulheres Thai da foto são parte de um grupo de Reflect há três anos.  Elas se alfabetizaram, aprenderam diversas técnicas agrícolas, discutiram sobre violência doméstica, saúde da mulher e HIV, e também formaram um grupo de canto e dança.

Tudo isso mudou muita coisa na vida delas. Mas, acima de tudo, mudou como elas se colocam diante do mundo.

Uma delas me conta que, há alguns anos, antes de fazer parte do Reflect, ela quase não saía do espaço de sua casa. E certamente não iria estar em outra vila para aprender algo novo e muito menos estaria falando assim com “estranhos” como eu, especialmente alguém de outro país.

Eu pergunto a ela: por quê? O que mudou? E ela me responde que, antes, era muito tímida e não tinha coragem nenhuma. Hoje ela se sente mais forte, não tem medo de sair e ir a outros lugares, falar com outras pessoas. Ela se sente mais forte porque aprendeu a ler e escrever, e assim pode estudar com seus filhos. Se sente mais forte porque agora entende de agricultura e de comércio e pode dar sua opinião sobre o que plantam, como plantam e como vendem. Ela hoje se sente mais forte porque pode se colocar e decidir junto com o marido sobre os rumos da sua casa e da sua familia.

Poder estudar com os filhos, ir até uma cidade vizinha, aprender coisas novas, se expressar, partilhar a responsabilidade doméstica com o companheiro podem parecer para nós coisas óbvias, dadas, tidas como certas. Mas, para muitas mulheres no mundo, é algo distante e até inimaginável.

A experiência mais forte dessa visita ao Vietnã foi, sem dúvida, ver e ouvir o depoimento dessas mulheres – que não são números em uma pesquisa, mas gente de carne e osso, com rosto, nome e sentimentos. É inspirador perceber como elas se transformaram e transformaram a vida ao seu redor.

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