Você sabe para que serve o Senado?

Raquel Júnia *
senado-oligarquiaAdital – “A Câmara emite as leis e o Senado aprova. Os projetos são feitos pela Câmara para o senado aprovar, a função do Senado é esta”, respondeu um eleitor. “O deputado cria a lei e o Senado regula”, comentou outro. Criado pela Constituição de 1824, ainda na época do Brasil Império, o Senado é uma Casa antiga, mas muita gente ainda tem dúvidas sobre como ele se relaciona com a Câmara dos Deputados e para que serve exatamente. Há, inclusive, quem questione a necessidade de sua existência. Nas respostas que ilustram o início desta matéria, há uma ideia geral sobre o papel dos senadores, mas também alguns equívocos. Diferente do que acreditam os eleitores entrevistados, o Senado também propõe projetos, não apenas aprova os da Câmara. Além disso, os projetos precisam ser aprovados pelas duas Casas, ainda que nem sempre o Senado seja a ultima instância de tramitação. Por exemplo, um determinado projeto de lei de autoria do Senado, se for modificado no momento de tramitação na Câmara dos Deputados, terá que voltar ao Senado para ser apreciado novamente e vice-versa.

O Senado federal, de acordo com a Constituição de 1988, além de fazer leis, também fiscaliza os atos do poder executivo. É o Senado, por exemplo, que aprova previamente as indicações que o presidente faz de magistrados, ministros do Tribunal de Contas da União, procurador-geral da República, entre outros cargos públicos. E também suspende leis declaradas inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. É composto por 81 senadores, três de cada estado do país mais o Distrito Federal.

Nas próximas eleições, os eleitores devem escolher em cada estado dois senadores. O Senado se renova a cada quatro anos, ao mesmo tempo em que os brasileiros escolhem também o presidente da República, governadores e deputados. Entretanto, diferente dos outros cargos políticos, os senadores têm um mandato de oito anos – em uma eleição se renova um terço e, em outra, dois terços dos senadores.

Bicameralismo ou Unicameralismo?

A Constituição de 1824 definiu que o sistema político brasileiro seria bicameral – com duas casas legislativas. Para o jurista e professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) Dalmo Dallari, é preciso realizar uma mudança constitucional para que seja instituído no país o sistema com uma única casa legislativa. “O sistema bicameral é um dos aspectos negativos que nós temos, é uma herança negativa da liberal burguesia”, avalia. Ele completa explicando que o sistema bicameral se originou nos Estados Unidos, depois que as antigas colônias inglesas da América do Norte proclamaram a independência e, anos depois, resolveram unir-se formando um estado. “A decisão pela criação de um sistema bicameral foi uma imposição dos estados do sul dos Estados Unidos sob a influência de Rousseau, Montesquieu, e também para impedir a imposição de um sistema absolutista. Havia se decidido pela separação dos poderes e, no tocante ao legislativo, se verificou que o sistema seria mais democrático se os estados com mais eleitores tivessem o maior número de representantes no legislativo. Entretanto, logo em seguida, os representantes dos estados dos sul perceberam que, como o sul era escravocrata, a maioria da população era escrava e as mulheres não votavam, o número de representantes dos estados do sul seria muito menor e a conseqüência disso seria a abolição da escravatura por uma lei aprovada pela Câmara dos Deputados”, detalha.

O jurista afirma que foi, portanto, para impedir a abolição da escravatura que se criou nos Estados Unidos uma Câmara revisora – o Senado, onde todos os estados teriam igual número de representantes, independentemente do número de eleitores. “O Senado ficou, então, um reduto de oligarcas e de exploradores, como em grande parte ainda é hoje no Brasil. Hoje nós temos no Senado brasileiro representantes de várias oligarquias regionais que, de maneira alguma, têm interesse na democratização da sociedade brasileira”, afirma.

O professor do Centro de Pesquisas e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília (Unb), Lúcio Rennó, discorda. “A democracia é um sistema de tomada de decisão lento, que, para evitar a arbitrariedade, cria vários empecilhos para os processos de tomada de decisão, ou seja, a decisão última tem que passar por várias instâncias, pelas mãos de várias pessoas e ser debatida por diferentes grupos”, opina. Para ele, o Senado é mais uma instância de debate, o que o torna fundamental. “Quanto mais instâncias de poder capazes de vetar as decisões de um grupo dominante, melhor para a democracia”, acrescenta.

Dalmo Dallari concorda que o debate é extremamente necessário no processo democrático, mas acredita que a existência de duas casas legislativas atravanca o mesmo processo. “A questão é que não tem havido debate, a existência das duas casas impede decisões, deforma os projetos. O argumento do debate tem sido uma possibilidade para promover delongas, para impedir decisões, como a da criação do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que está tramitando há dez anos. Seria mais democrático uma única casa aberta ao debate e que impedisse essa delonga e protelações eternas”, diz. De acordo com Dallari, não seria necessária a convocação de uma nova Assembleia Constituinte para se mudar o sistema bicameral, apenas a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional, já que não se trata de uma cláusula pétrea da Constituição.

Para o cientista político e diretor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Jairo Nicolau, também não existe necessariamente uma relação entre democracia e bicameralismo. “A rigor a democracia não exige um sistema bicameral. Muitas democracias na Europa funcionam ou com uma casa única, ou com um Senado muito simbólico, como no caso do Reino Unido, com a casa dos Lordes”, observa.

O professor ressalta, no entanto, que o Brasil tem uma cultura institucional desde o império de ter duas casas legislativas, o que dificulta modificar essa estrutura atualmente. “Não é nem uma herança republicana, é uma herança de nossa história institucional. Então, é muito difícil, há tradições que não se acabam da noite para o dia. Passamos por algumas constituintes e o Senado sempre ficou incólume”, acrescenta, pontuando que o fim do Senado, até o momento, nunca foi uma demanda muito forte da sociedade brasileira.

Reformas pontuais

sarneyLúcio Rennó defende reformas pontuais no sistema bicameral como parte do processo de aprimoramento da democracia. “Mas é difícil dizer exatamente qual mudança é melhor e em qual momento. A reforma do sistema eleitoral brasileiro, por exemplo, tem sido uma tarefa extremamente árdua porque não há consenso simplesmente sobre se nosso sistema é tão ruim quanto dizem e que outro sistema seria melhor do que o nosso”, relata.

O pesquisador afirma que as funções da Câmara e do Senado se sobrepõem com senadores e deputados com os mesmos poderes, ainda que haja atribuições específicas do S

enado. Dalmo Dallari considera que parte dos papéis das duas casas se misturou porque o Senado não tem mais apenas a característica de ser uma casa revisora, como era originalmente, já que hoje ele também pode ter a iniciativa de projetos. Ele considera, entretanto, que há uma série de atribuições muito vagas. “Como há uma interferência muito grande das oligarquias, como há interesse do Executivo em ter maioria nas duas casas, há uma negociação permanente que muitas vezes não dá primazia ao interesse do povo, busca-se o interesse de grupos específicos e daí resulta uma negociação que compromete a representatividade e o caráter democrático do sistema”, avalia.

Jairo também avalia que as duas casas desempenham funções muito parecidas e levanta um questionamento sobre a forma de eleição dos senadores. “Os eleitores estão votando em cada estado em dois senadores agora. Como essas Casas têm poderes tão semelhantes, será que realmente é justo que estados como o Amapá, que tem uma população menor que a do bairro de Campo Grande no Rio de Janeiro, por exemplo, tenha dois senadores, já que não é uma Casa de representação estadual? Talvez seja mais razoável não extinguir o Senado, mas sim repensar as funções, esvaziá-lo de suas atividades legislativas correntes e deixá-lo apenas com as atribuições mais ligadas ao equilíbrio federativo, questões mais tributárias, aprovações de membros do executivo, como o presidente do Banco Central, entre outras”

Regras de suplência

Para o cientista político, uma mudança que deve ser feita urgentemente e que talvez seja mais simples de se fazer é acabar com a figura do suplente da forma como está configurada hoje. Ele comenta que o que ocorre muitas vezes é que o senador eleito deixa o cargo para assumir outras funções no governo e quem acaba ocupando o posto de senador é o suplente, no qual a população não sabe que votou e que mal conhece. “Basta uma regra simples: o primeiro suplente deve ser o segundo mais votado nas urnas. O que não dá para acontecer é que o senador seja eleito às cegas. Ninguém sabe, ninguém viu quem é o suplente. Já houve épocas de o senado ser composto por um terço de suplentes, e há definições de acordos internacionais, legislações que afetam a vida das pessoas, temas centrais da política brasileira por pessoas que simplesmente não têm legitimidade para isso, ou têm uma legitimidade questionável”, argumenta.

Para Lúcio Rennó, pensar em alguma limitação para o processo da suplência pode ser interessante, no entanto, o pesquisador pondera: “Não há, até onde eu sei, nenhum estudo que aponte que o suplente tenha desempenho inferior ao do titular da pasta. Eu não tenho evidências para afirmar isso”. Lúcio afirma que ainda que o suplente não seja o cabeça da chapa, ele é eleito também, já que pertence à mesma chapa ou partido escolhido pelo eleitor, mas reconhece que nem sempre a informação sobre quem são os suplentes aparece de forma clara na campanha dos candidatos. “Quando votamos no senador, votamos nele e em dois suplentes, talvez possa ser exigido que o senador, ao pedir voto, deixe mais claro quem são os seus suplentes”, diz.

Para Dalmo Dallari, passado o período eleitoral, é preciso começar uma grande discussão no país sobre o sistema político brasileiro. A reflexão, de acordo com o jurista, deve passar, inclusive, pelo papel dos partidos. “Neste momento o sistema democrático está apresentando muitas deficiências, tem falhas muito graves, de tal maneira que não está sendo verdadeiramente representativo. Há uma interferência excessiva do poder econômico sob várias pressões e há também um desinteresse muito grande do povo em relação às atividades públicas e políticas e isso facilita a corrupção”, observa.

Eleições 2010

De acordo com o Superior Tribunal Eleitoral (TSE), nas eleições de 2010 há 273 candidatos a senador. A Constituição brasileira diz que para ser senador é preciso estar inscrito em um partido político, ter nacionalidade brasileira, ter o pleno exercício dos direitos políticos, possuir alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição -que no caso do senador é o Estado- e ter idade mínima de 35 anos. O estado com maior número de candidatos ao Senado é São Paulo, com 18 candidatos. O estado de Tocantins tem o menor número – quatro candidatos.

Já para deputado federal, se inscreveram 6.028 postulantes. Também de acordo com Constituição, nenhum Estado pode ter menos de oito e mais de 70 deputados. O número exato de parlamentares é definido de maneira proporcional à população de cada Estado e do Distrito Federal. A Lei Complementar nº 78, de 30 de dezembro de 1993, estabelece que o número de deputados não pode ultrapassar 513. O Estado com maior número de deputados é São Paulo, com 70 representantes. Onze Estados brasileiros possuem o número mínimo de deputados – Acre, Amazonas, Amapá, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins.

[Assista ao vídeo explicativo do TSE sobre as Funções dos Senadores e dosDeputados.

Visite as páginas eletrônicas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

 

* Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Fiocruz
fonte: ADITAL

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *