Mutilação genital feminina: uma terrível prática que a comunidade internacional deve proibir solenemente

Por Franco Frattini*

Roma, Itália, outubro/2010 – A promoção dos direitos das mulheres em nível global deve ter por objetivo realçar seu papel como indivíduos proativos e como essencial e efetivo canal de desenvolvimento e paz. Isto exige a proteção de seus direitos fundamentais. Antes de tudo, do direito a não serem submetidas a violências.

A Itália é particularmente ativa na questão e apresentou uma série de iniciativas para prevenir e combater a violência contra as mulheres, que constitui uma verdadeira pandemia mundial. Estou pessoalmente comprometido com isso, como membro da Network of Men Leaders, criada no ano passado pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), dentro do âmbito da campanha “Unidos para acabar com a violência contra as mulheres“.

Uma das principais prioridades da Itália foi combater e prevenir a mutilação genital feminina (FGM). Esta prática ainda é um enorme desafio em muitas partes do mundo. Na África, algumas culturas tradicionais a consideram benéfica, pois acreditam que garante às jovens um casamento adequado e promove a castidade e a honra da família. Em alguns países da Europa, antes não afetados por essa prática, ela se tornou relativamente comum nos últimos anos. Na Itália, por exemplo, agora temos um número estimado de 35 mil casos de FGM.

O problema da mutilação genital feminina foi desatendido durante séculos. Era considerado uma espécie de tabu, e o fato de frequentemente ser associado a tradições ancestrais ou mitos religiosos tornou mais difícil toda forma aberta de discussão sobre esta prática. O analfabetismo, a falta de informação e a pobreza contribuíram enormemente para desatender este problema.

Felizmente, durante a última década, o interesse e o compromisso contra esta prática atingiram uma nova fase. A FGM agora é geralmente considerada uma violação dos direitos humanos e da integridade física. Somos atualmente mais capazes de enfrentar o problema de um modo global em lugar de local ou regional.

Desde a década de 1980, a Itália se comprometeu ativamente em programas para combater e prevenir a FGM, para começar na Somália. Em 2004, começamos uma associação com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) dirigida a criar um contexto político, legal e social para incentivar o abandono da prática da FGM. Agora somos um dos principais doadores dos programas da ONU neste campo, incluindo o programa conjunto do Unicef e do UNFPA sobre a FGM.

Temos interesse em reforçar nossa associação global nesta área. O desafio é enorme e exige um enfoque integral, bem como uma ampla série de estratégias para poder enfrentá-lo eficazmente. Um elemento crucial para isso é a compreensão das dinâmicas social e cultural vinculadas à FGM. Tratar simplesmente de impor comportamentos por meio da lei não é suficiente: temos que ir às raízes do problema e trabalhar com ações positivas, especialmente no campo da educação e em campanhas de conscientização pública.

Desejo esclarecer que não há paternalismo algum em nossa atitude nem temos nenhum desejo de impor “padrões ocidentais” a culturas tradicionais. Nosso objetivo é, nem mais, nem menos, apoiar a iniciativa africana nesta questão e fortalecer um processo que a África começou por si mesma há muito tempo. Por outro lado, não partimos do zero.

Agora podemos tirar vantagem de várias iniciativas que surgiram nos últimos meses: em setembro de 2009, realizamos em Nova York a primeira reunião ministerial sobre FGM, que contou com um grupo inicial de 14 países comprometidos em nível nacional e internacional com o apoio à luta contra a FGM; dois meses depois, o governo de Burkina Faso, junto com a Itália e a organização não governamental No Peace Whithout Justice, organizou uma reunião regional de alto nível em Ouagadougou intitulada “Para uma proibição global da FGM”; em março deste ano, um encontro à margem da Comissão sobre o Status das Mulheres foi copresidido pelos ministros de Assuntos de Gênero de Egito, Itália e Senegal, e uma resolução sobre “Terminar com a mutilação genital feminina” apresentada pelo Grupo Africano foi adotada por consenso e apoiada posteriormente pelo Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc).

E, em maio deste ano, aconteceu em Dakar uma Conferência Interparlamentar com a participação de parlamentares e membros da sociedade civil de 28 países africanos, e ali foi aprovada uma declaração exortando, entre outros, a Assembleia Geral das Nações Unidas a adotar uma resolução para proibir a FGM no mundo a partir deste ano. Todas estas iniciativas criaram um impulso único que a comunidade internacional deveria ser capaz de aproveitar. Cremos que chegou a hora de apresentar uma solução ad hoc sobre a FGM nesta próxima sessão da Assembleia Geral da ONU.

Tal resolução deveria ser breve e conter um selecionado número de prioridades. A saber, entre outros, uma proibição solene da FGM, uma referência aos principais instrumentos legais e culturais desses efeitos, um chamado à comunidade internacional e ao sistema da ONU, e a criação de um mecanismo simples de acompanhamento. A questão principal, no entanto, é que o órgão supremo das Nações Unidas se pronuncie claramente sobre este tema já que isso seria por si só um importante êxito. Esta é uma das metas que nos propusemos para a próxima sessão da Assembleia Geral da ONU e confio que a comunidade internacional seja capaz de alcançá-la.

* Franco Frattini é ministro das Relações Exteriores da Itália.

(IPS/Envolverde)

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