Por Mario Osava, da IPS
Rio de Janeiro, Brasil, 6/10/2010 – Idealista e com ideologia radical em sua juventude, agora pragmática e de elogiada capacidade gerencial, na imagem de Dilma Rousseff – que disputará o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras, no dia 31, com José Serra – se destacam atributos como coragem e firmeza, mas não a fragilidade ou a doçura.
Superou um câncer linfático detectado em 2009, o que gerou uma corrente emocional dos brasileiros em relação a esta economista de 62 anos, que enfrentou a doença com vigor e sem deixar de trabalhar. Assim, dizem, suportou, aos 22 anos, as selvagens torturas a que foi submetida quando foi detida durante a resistência à ditadura.
Tem fama de intransigente com falhas, ganha pelas duras admoestações a figuras do governo de seu grande apoiador político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que disse ter se admirado por sua capacidade como ministra de Minas e Energia e chefe da Casa Civil, de janeiro de 2003 a março deste ano.
Esta filha de um imigrante búlgaro e uma professora brasileira demonstrou publicamente ternura em contadas ocasiões, como quando, no dia 9 de setembro, fez um coração com as mãos ao anunciar radiante o nascimento de seu primeiro neto.
Também se sobressai sua sensibilidade social, em particular pela situação das mulheres pobres, e está cercada por uma equipe de campanha quase toda feminina. Contudo, distancia-se do feminismo e suaviza a perspectiva de gênero em seus planos.
“No Brasil, privilegiar a mulher não é uma política de gênero, é uma política social”, disse a candidata do governante Partido dos Trabalhadores (PT), para recordar que, no país, 30% das famílias têm à frente uma mulher, 52% da população é formada por mulheres e “o restante são nossos filhos”.
“Não se trata de criar um matriarcado, mas de dar à mulher a importância que tem para a estrutura familiar”, insistiu ao relativizar o que foi dito por Lula ao lançar sua candidatura, quando afirmou que, com sua vitória, o “Brasil derrotará o machismo”. Para ela, Lula “é muito sensível ao tema” porque “foi criado por uma mulher forte”.
A candidata descarta, por exemplo, levar adiante demandas prioritárias das mulheres organizadas, como despenalização do aborto e posições arriscadas em temas polêmicos como casamento homossexual.
Além da tática eleitoral de evitar fuga de votos entre seu eleitorado mais conservador, tudo indica que essa será sua posição se chegar à Presidência.
Por outro lado, prometeu construir seis mil creches. Poucas, para um país de 192 milhões de habitantes, mas é uma pressão nos governos locais para assumirem sua responsabilidade direta em um assunto de absoluta necessidade, especialmente das mulheres pobres, que em quantidade crescente são chefes de família.
Trata-se de um programa social nada controverso e de comprovada eficácia em matéria de educação, embora a universalização do serviço soe como sendo utópica atualmente.
Esta pragmática Dilma – ninguém no Brasil a chama de outra maneira, da mesma forma que todos chamam o presidente atual de Lula, seu apelido convertido em sobrenome –, que governará este caleidoscópio de geografias, culturas e problemas sociais, está nas antípodas da idealista guerrilheira juvenil.
Naquela época, a ideologia a levou a desafiar com um punhado de companheiros, na maioria estudantes, a ditadura militar instaurada em 1964. Uma luta desigual e curta, iniciada em 1968. Três anos depois a maioria destas guerrilhas estava exterminada.
Somente militantes aguerridos e convencidos, como Dilma, podiam manter a luta quando a morte, a tortura e a longa prisão eram o futuro mais provável. Durante a ditadura, encerrada em 1985, houve pelo menos 358 mortos, dos quais 138 continuam desaparecidos.
Em 1969, com apenas 21 anos, foi a única mulher entre os cinco “comandantes” de seu grupo, o Vanguarda Armada Revolucionária (VAR) Palmares, em homenagem ao quilombo onde se refugiavam africanos e afrodescendentes rebelados contra a escravidão no Século 17 no Nordeste brasileiro.
O VAR foi um dos grupos guerrilheiros brasileiros, inspirados principalmente na Revolução Cubana, que realizaram ações espetaculares, com os sequestros dos embaixadores dos Estados Unidos e da Alemanha, para conseguir a libertação de presos políticos submetidos a torturas.
A candidata esclareceu que não participou de nenhuma ação armada, para neutralizar o título de “subversiva” que a direita lhe deu.
Na Internet há milhares de entradas que atribuem a Dilma assassinatos, assaltos a bancos e atentados variados, todos falsos, que buscam desqualificá-la e assustar os 135,8 milhões de eleitores aptos a votar.
A agora candidata presidencial foi presa após quatro meses de comando, por grupos de repressão irregulares, criados pela ditadura em 1969 para matar e torturar opositores. Muitos consideram que seu rigor atual na chefia de equipes é uma herança da luta clandestina, quando um mínimo erro levava à prisão ou à morte.
Quando saiu da prisão, 28 meses depois, concluiu o curso de economia, teve uma filha com seu segundo marido, companheiro no VAR e também por um tempo preso, do qual se separou em 1996. Atualmente está sozinha.
Ao terminar a ditadura, começou sua carreira de funcionária pública. Foi secretária da Fazenda na prefeitura de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, onde foi secretária de Energia. Em janeiro de 2003, Lula chegou ao poder, e com ele chegou Dilma.
Seus êxitos em funções até então monopolizadas por homens e o binômio gerencial que construiu levaram Lula, mestre em pragmatismo, a escolhê-la como candidata do PT, em detrimento de dirigentes históricos. Dilma milita no Partido apenas desde 2001, onde chegou vinda do, às vezes aliado e outras adversário, Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Na aposta de Lula algo teve a ver com o fato de ser mulher, porque o majoritário eleitorado feminino no Brasil sempre foi esquivo em relação ao PT, inclusive ao presidente, apesar de sua popularidade.
Dilma corrigiu isto. Uma pesquisa, realizada pouco antes do primeiro turno, a colocava como favorita das mulheres, com 42% da intenção de voto, nove pontos abaixo do eleitorado masculino. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)