Trabalhadoras que quebram seus próprios tetos de vidro

Por Correspondentes da IPS/TerraViva* elza-e-marinalva

Rio de Janeiro, Brasil, 22/9/2010 – “Não temos teto para nossos sonhos, queremos transformar as mulheres jovens, dizer a elas que existe uma forma de serem felizes”, afirma a bordadeira brasileira Elza Santiago. Ela define sua missão como “mesclar feminismo com trabalho”.

Elza, de 49 anos, e Marinalva Alves, de 44, vivem no Morro da Coroa, uma favela de um escarpado morro do Rio de Janeiro, no Brasil.

Para elas, negras e pobres, é ainda mais escarpado, porque no Brasil o preconceito racial vive, “embora finjam não existir”, disse Elza ao TerraViva, em sua oficina na favela.

Elza é viúva com dois filhos, e Marinalva, solteira, tem dois. Ambas sobreviviam de pequenos trabalhos de costura. “Trabalhávamos de dia para comer à noite”, contam. Muitas vezes subiam o morro a pé até suas casas, porque ou pagavam a passagem do ônibus ou compravam arroz.

Há alguns anos, a prefeitura do Rio criou um grupo de direitos humanos no Morro da Coroa. A maioria das mulheres tinha mais de 40 anos, nada de estudos nem qualificação profissional, e recebiam ajuda mensal inferior a US$ 50.

“Quem dá trabalho a uma mulher negra, sem profissão e com mais de 40 anos?”, pergunta Elza. “Por isso dizemos: vamos unir esforços para nos manter”.

Essa foi a origem da cooperativa Bordadeiras da Coroa. A mudança definitiva chegou em 2006, quando foram selecionadas por concurso pelo não governamental Fundo Social Elas, que promove a autonomia feminina, sob a premissa de que investir nelas “é o caminho mais rápido para o desenvolvimento do país”.

O Fundo Elas financiou o equivalente a US$ 2,5 mil para compra de máquinas de costura e matéria-prima, e as bordadeiras foram capacitadas em direitos humanos, comunicação, administração, mercado e elaboração de preços.

Foi uma mudança “radical”. A marca “pegou” e suas criações inclusive desfilaram no Fashion Rio, a semana internacional de moda do Rio de Janeiro.

Acessórios, camisetas, mantas, toalhas e colchas… A demanda não para de crescer. A renda mensal de cada uma passou de US$ 50 para US$ 700, em média. A empresa funciona dentro das normas legais e tem acesso a crédito.

Oito bordadeiras integram a cooperativa, mas seu impacto é multiplicador, pois empregam e formam outras, e estão ativas em uma rede nacional que defende os direitos da população feminina.

A organização Elas financia 180 grupos em todo o território brasileiro, apoiando de forma direta cerca de 25 mil mulheres e meninas, e indiretamente mais de cem mil pessoas.

Agora “ninguém passa a perna na gente”, diz Elza. Não queremos “ser milionárias, mas viver com dignidade. O dinheiro acaba”, acrescenta Marinalva. “O mais importante é mudar a realidade como mulher”.

Mais de 60% das trabalhadoras de países em desenvolvimento se movimentam na economia informal urbana: sem salário mínimo, horário de trabalho nem proteção social, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

São centenas de milhões de mulheres que buscam com unhas e dentes seu sustento e de suas famílias. Neste contexto adverso, frequentemente fazem o caminho ao caminharem.

Aprender a negociar, inclusive sob a mesa

O salário depende de muitas variáveis, e uma delas é o poder de negociação. Quem limpa, cozinha e cuida dos filhos e idosos tem em suas mãos parte desse poder. A chave do funcionamento familiar.

Em São Francisco, na costa oeste dos Estados Unidos, a organização A Coletiva de Mulheres da Raça Centro Legal ensina as trabalhadoras domésticas, a maioria sem documentos legais, a lutar por melhores salários diante dos patrões.

“São as mulheres que determinam quanto ganham”, explica ao TerraViva a coordenadora da Coletiva de Mulheres, Guillermina Castellanos. Aprendem técnicas de negociação, sobre condições de trabalho dignas e seguras, e formas para exigi-las e promovê-las.

O programa tem uma bolsa de trabalho para atrair empregadores dispostos a acertar as condições com a trabalhadora.

“Como cuido de seus filhos, meus dois empregadores podem trabalhar em tempo integral, mas tenho que lutar para conseguir alimento para minha família e pagar o aluguel a cada mês”, diz Reina Flamenco, integrante da Coletiva.

“Porém, fora da organização, muitas são exploradas”, alerta Guillermina.

De acordo com a Coletiva, dois terços das empregadas domésticas da Califórnia recebem magros salários ou estão abaixo da linha de pobreza.

Nem a Califórnia nem o resto do país têm proteção legal para cerca de 2,5 milhões de trabalhadoras domésticas, quase todas imigrantes.

A exceção é o Estado de Nova York. No dia 31 de agosto, o governador David Paterson promulgou uma lei que garante salário mínimo, pagamento de hora extra, descanso semanal, férias e dias livres por doença.

É o resultado de uma luta de muitos anos das organizações de trabalhadoras, que teve de superar resistências no processo legislativo.

Quem trabalha no serviço doméstico se expõe a maus-tratos e condições de trabalho inseguras.

“São mulheres com filhos, mães solteiras… Muitas devem cuidar de seus maridos e filhos. Devem ter cuidado para não engravidar e, pior ainda, muitas sofrem abusos verbais e sexuais”, disse Guillermina.

É que “fazemos de tudo para comer”, ressalta Guillermina, que foi empregada doméstica.

Esses abusos poderão ser proibidos em todo o mundo se a OIT aprovar, em 2011, um convênio internacional sobre trabalho doméstico estabelecendo um contexto específico de garantias equiparáveis às que protegem outros setores trabalhistas.

“E se eu pudesse mudar suas vidas?”

A cambojana Chen Reaksmey deseja ser um modelo para suas iguais. Com 15 anos, mudou-se para Phnom Penh, a capital, em busca de independência econômica e de meios para ajudar sua família, que ficou na província.

O que encontrou foi um salão de karaokê, do perigoso negócio do entretenimento que costuma incluir serviços sexuais neste país do sudeste asiático.

Aos 22 anos já fumava metanfetamina, uma droga sintética muito viciante, que permitia que aguentasse os rigores noturnos. “Uma amiga me disse: pegue um pouco e poderá trabalhar a noite toda. Me dava energia e me ajudava a esquecer”, recorda.

A vida começou a mudar quando conheceu a organização não governamental Korsang, que trabalha pela redução dos riscos das drogas e na prevenção do vírus da deficiência imunológica humana (HIV), causador da aids.

Na medida em que diminuía seu consumo, Chen começou a atuar como educadora voluntária, e chegou a ser excelente onde fracassavam os homens, no diálogo com as mulheres viciadas.

“No começo me parecia uma loucura que não valia a pena”, disse Chen ao TerraViva. “Mas, vendo essas mulheres, pensei: ‘E seu eu pudesse mudar suas vidas?’”

Entretanto, somente há três anos conseguiu mudar a sua, quando deixou por completo a metanfetamina após engravidar do segundo filho.

Pelo caminho, Chen conseguiu novo emprego e meio de vida. Com 31 anos, dirige o programa de mulheres da Korsang, que ela mesma iniciou em 2008 e que é o único dirigido à população feminina em um país com pouquíssimas opções de tratamento e reabilitação.

Olhando para trás,

Chen conquistou um emprego decente e motivador e uma forma de ajudar as demais, tirando lição de sua própria experiência. “Eu fumava e trabalhava de noite, como elas. Agora tenho uma família e um trabalho bom. Quero elevar minha autoestima, ser um modelo para elas”, disse. Envolverde/IPS

* Com colaborações de Fabiana Frayssinet (Rio de Janeiro), Aprille Muscara (Nova York) e Irwin Loy (Phnom Penh). Este artigo foi publicado originalmente pelo periódico independente TerraViva, da IPS, com apoio do Unifem e do Dutch MDG3 Fund.

FOTO
Crédito:
Fabiana Frayssinet/IPS
Legenda: Elza Santiago, à esquerda, e Marinalva Alves mostram seus bordados.

(IPS/Envolverde)

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