Aborto conquistado na Justiça

Glória Tupinambás – Correio Braziliense

Depois de briga para interromper gravidez de bebê anencéfalo, jovem consegue autorização — o procedimento foi realizado no último dia 29. Falta de jurisprudência ainda é impedimento para facilitar a vida de casais nessa situação


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    Alexandre Guzanshe/Esp.EM/D.A Press
    Roberta, ao lado do namorado Marcos Paulo e acompanhada das advogadas que cuidaram do caso: sete meses de uma espera “muito estressante”


    Belo Horizonte — Depois de sete meses de angústia e sofrimento, a Justiça pôs um ponto final no drama da jovem Roberta Alves da Silva, de 19 anos. Grávida de um bebê anencéfalo (sem cérebro) e com má-formação na coluna vertebral, Roberta precisou enfrentar uma batalha judicial para interromper a gestação. No fim de junho, um juiz da Comarca de Contagem, cidade onde a jovem mora, na Grande Belo Horizonte, negou o pedido de aborto. Os advogados recorreram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que, há duas semanas, concedeu a autorização. O aborto foi feito em 28 de agosto, mas o caso só foi divulgado ontem. Passados 14 dias do fim do suplício, Roberta ainda reúne forças para superar o trauma. 

    “Foi tudo muito desgastante. Primeiro, custei a acreditar no que os médicos diziam, pois é difícil aceitar que o filho que você carrega no ventre não vai sobreviver depois do parto. Passado o susto desse diagnóstico, começou a briga na Justiça, que só aumentou meu sofrimento”, conta Roberta, que encontrou apoio da família e do namorado Marcos Paulo Lacerda de Souza, um ano mais novo. Antes de entrar com o pedido judicial para interromper a gravidez, ela fez três exames de ultrassonografia e obteve dos médicos um laudo que atestava que o feto era “portador de anomalia irreversível, (…) o que resulta em probabilidade de morte em 100%”. 

    Apesar do atestado, a Justiça da Comarca de Contagem negou o pedido de aborto, sob o argumento de que “a legislação pátria assegura os direitos do nascituro”. O caso foi então levado à 9ª Câmara Cível do TJMG que decidiu, por unanimidade, autorizar a interrupção da gestação. Em seu voto, o relator do recurso, desembargador José Antônio Braga, afirmou que “não se quer evitar a existência de uma vida vegetativa, mas sim paralisar uma gravidez sem vida presente ou futura”. Ele ainda acrescentou que o prosseguimento da gravidez poderia gerar danos à integridade física e mental da gestante e de seus familiares, portanto “o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana deverá prevalecer sobre a garantia de uma vida meramente orgânica”. 

    Contrários
    Belo Horizonte assistiu, há três meses, a um drama semelhante ao de Roberta. Depois de descobrir a gravidez de um feto anencéfalo, um casal pediu à 1ª Vara Cível da capital para interromper a gestação, que já estava na 19ª semana — uma gravidez normal dura de 38 a 40 semanas. A autorização foi negada em primeira instância e, apenas em 17 de junho, desembargadores da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça aceitaram o pedido. 

    O direito brasileiro só autoriza o aborto em dois casos: se a mãe correr risco de morte ou o bebê for fruto do crime de estupro, conforme o Código Penal, sancionado em 1940. Desde então, mulheres grávidas de um feto sem cérebro precisam recorrer ao Judiciário para conseguir interromper a gestação. O problema é que a Justiça brasileira ainda não criou uma jurisprudência sobre o assunto. No próprio TJMG há desembargadores contrários e favoráveis ao aborto de fetos anencéfalos. Em 2006, um casal teve negado o pedido para interromper a gravidez. No ano seguinte, uma mulher conseguiu pôr fim à gestação, mas um dos três desembargadores que julgaram o caso foi contrário ao aborto. 

    O imbróglio só será resolvido quando os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgarem a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada, em 2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). A ADPF pede que, nesse tipo de ocorrência, os artigos do Código Penal que tratam do crime de aborto não sejam aplicados à mãe e aos profissionais da saúde que contribuírem para encerrar a gestação. Porém não há data prevista para que a ação seja julgada. Por isso, os juizes continuarão encontrando divergências sobre o tema, mas o único caminho para os casais que vivem drama parecido ainda é o da Justiça.

     

    É difícil aceitar que o filho que você carrega no ventre não vai sobreviver depois do parto. Passado o susto desse diagnóstico, começou a briga na Justiça” 

    Roberta Alves da Silva

    O NÚMERO
    100%
    A probabilidade de morte de um feto anencéfalo após o parto é total. Ainda assim, a lei brasileira não prevê esse tipo de caso

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