A mulher negra é duplamente discriminada em Cuba

cubanas1Por Patrícia Grogg, da IPS

Havana, Cuba, 8/9/2010 – As mulheres cubanas devem duplicar seus esforços para conseguir resultados profissionais semelhantes ou maiores do que seus colegas homens, e se são afrodescendentes tudo fica ainda mais difícil, embora a Constituição e as leis proíbam a discriminação por sexo ou cor da pele.

“Minha mãe, uma humilde trabalhadora agrícola, sempre disse a mim e minhas irmãs: Vocês têm de estudar muito para demonstrar que são tão boas quanto as brancas e os brancos no que fazem. O mesmo digo agora a minha filha”, afirmou à IPS Maritza Rodríguez, de 51 anos e professora de história no primário e secundário.

Ela assegurou que jamais se sentiu inferior por ser afrodescendente, embora quando entra em uma loja e começa a dar voltas para ver as ofertas os olhares das pessoas costumam se dirigir a ela. “Desconfiam porque sou negra e me visto modestamente, não imaginam que sou profissional. É uma forma de discriminação”, afirmou.

Como a maioria da população cubana, Maritza sentiu com força o impacto da crise econômica dos anos 1990, depois que Cuba perdeu suas relações de intercâmbio com o desaparecido bloco soviético. Ela não se queixa por isso, mas da falta de oportunidades para continuar seu desenvolvimento profissional.

“Em 2005, fiz mestrado, agora gostaria de escrever um livro”, afirmou. Porém, sua aspiração entra em choque com as dificuldades materiais, com um pobre acesso a fontes e seu estreito ambiente de relações. “Nesse sentido, me sinto marginalizada como mulher e negra. Que eu saiba, a maioria das escritoras cubanas é branca”, afirmou.

Esta nação caribenha de 11,2 milhões de habitantes tem mais de 60% de sua população negra ou mestiça, segundo estudos feitos por Esteban Morales, acadêmico e especialista em assuntos raciais.

Silenciado por muitos anos, o tema da desigualdade racial começou a ser debatido no âmbito da cidadania, a partir de convocações da Cofradía de La Negritud, um projeto que busca criar consciência sobre o problema. Um de seus últimos fóruns-debate foi dedicado justamente à dupla discriminação que sofre a mulher negra.

Com sua iniciativa, a Cofradía tenta corrigir também carências informativas sobre a questão racial, que nem sempre está acompanhada de uma perspectiva de gênero. Talvez por isso, boa parte dos participantes tenha se surpreendido com uma exposição do ensaísta e crítico Desiderio Navarro sobre a mulher afrodescendente na publicidade.

Apoiado em material visual, Desiderio considerou racista a propaganda turística feita em Cuba, que, em postais e cartazes, mostra jovens negras e mestiças na praia, com a menor roupa possível, sempre sozinhas e disponíveis. Esta última palavra, para o ensaísta, é a chave da mensagem.

“A mulher afrodescendente aproveitou as oportunidades oferecidas pela revolução de 1959, está nos setores da educação, saúde, ciência, cultura”, mas na publicidade para o turismo é “vendida” sua imagem como objeto sexual, alertou à IPS a crítica de arte e narradora cubana Inés María Martiatu.

Mayra Espina, socióloga e ensaísta do Centro de Pesquisas Psicológicas e Sociológicas, afirmou que diversos estudos coincidem em afirmar que a pobreza e as desigualdades sociais se acentuaram devido à crise dos anos 1990, mas o efeito dessa situação não foi igual para toda a sociedade.

Nesse sentido, Mayra disse que a população afrodescendente e mestiça suporta em maior proporção do que a de origem europeia a pobreza, as piores situações de moradia e os níveis mais baixos de renda. Esta brecha social também tem particular impacto na mulher e nos territórios orientais da ilha.

Alguns dos participantes não deixaram de lembrar, nesse ponto, que a população afrodescendente marcha sempre em desvantagem e que os projetos sociais do processo revolucionário não conseguiram apagar em seu mais de meio século as diferenças de origem: o branco colonizador e escravagista e o negro submetido à escravidão.

Sobre isso, Mayra afirmou que a política social cubana é universalista e nunca quis focar em um grupo, sob a ideia de que assim se corre o risco de reproduzir o estigma e a desigualdade. “Aconteceu o contrário, pois uma política muito igualitária não consegue vencer o peso das condições iniciais” em matéria de discriminação, afirmou.

Esta pesquisadora concorda com o acadêmico Esteban, autor de vários ensaios sobre a questão racial, quanto à necessidade de ações afirmativas que levem em conta as desvantagens de gênero, cor da pele e áreas territoriais, a fim de abordar o problema a partir da particularidade.

Para Mayra, existe uma “superposição” no território dos fatores gênero, raça e classe social. “Por exemplo, educação gratuita para todos e todas, mas a melhor e com maior financiamento nos locais de piores condições e maior vulnerabilidade de seus moradores”, disse.

Em um de seus artigos mais recentes, Esteban considera que no caso de Cuba é conveniente uma ação afirmativa de desenvolvimento, que trabalhe para eliminar as desvantagens para pessoas negras, mestiças e outros setores menos favorecidos da população. Envolverde/IPS

FOTO
Crédito:
Patricia Grogg/IPS
Legenda: Maritza Rodríguez, à direita, com uma colega e suas filhas.

(IPS/Envolverde)

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