Lisiane Wandscheer – Repórter da Agência Brasil
Brasília – O/a novo/a presidente, que assumirá em janeiro de 2011, terá como tarefa a consolidação do Brasil como um Estado laico, é o que desejam ativistas e especialistas em direitos dos homossexuais. Para eles, os avanços nesse tema são obstruídos por questões religiosas que impedem a concretização de bandeiras históricas, como a criminalização da homofobia e a união civil entre parceiros do mesmo sexo.
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Segundo o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), entidade que reúne 237 organizações em todo o país, Tony Reis, o estado laico é uma reivindicação do movimento. “Hoje os argumentos contra a nossa cidadania vem de setores fundamentalistas religiosos que se utilizam da Bíblia para incentivar a violência e a discriminação”, afirmou.
Entre os principais pleitos levados aos candidatos à Presidência da República estão também o acesso ao trabalho para pessoas transexuais e travestis, a segurança pública, o direito ao uso do nome social, maior investimento na saúde e equiparar ao crime de racismo qualquer tipo de violência contra homossexuais.
No âmbito internacional, a homossexualidade, até 1990, era classificada como um transtorno mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No ano seguinte a Anistia Internacional passou a considerar a discriminação um desrespeito aos direitos humanos.
No Brasil, as tentativas de mudanças na legislação se arrastam desde a aprovação da Carta Magna de 1988, quando as entidades representativas tentaram inserir o termo orientação sexual no Artigo 5.º da Constituição, que trata de igualdade de direitos entre os cidadãos.
O primeiro projeto de lei (PL) sobre parceria civil entre casais do mesmo sexo foi encaminhado ao Congresso Nacional em 1995, mas durante 14 anos não chegou a ser votado. Em 2009 foi apresentado um substitutivo que o atualizava, o PL 4.914. Além dele, mais 17 projetos de lei sobre os direitos homossexuais estão em tramitação.
Para o juiz de direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Roberto Arriada Lorea, o Legislativo brasileiro representa o que há de mais retrógrado sobre os direitos sexuais e reprodutivos, diferentemente do que ocorre em países como a Argentina e o México, onde o Legislativo é atuante e democrático.
“A cidadania sexual encontra um obstáculo forte de alguns atores religiosos. É lamentável que o Brasil não seja o carro chefe da consolidação de uma cidadania sexual no âmbito da América Latina. O Poder Judiciário vem suprindo esta lacuna e faz avançar por meio da jurisprudência [decisão judicial já proferida que pode servir como fundamento para outras casos]”, disse.
Sobre o tema união estável, o magistrado defende que este é um direito que está disponível a todas as pessoas independentemente de orientação sexual. “À luz dos princípios constitucionais e da Lei Maria da Penha, que estabelece uma nova definição para a família brasileira independentemente de orientação sexual, o casamento civil é um direito humano e não um privilégio heterossexual,” afirmou.
Para Lorea, a educação católica, instituída por meio de acordo recente do governo brasileiro com o Vaticano, propõe a discriminação contra os homossexuais e é incompatível com uma sociedade justa, livre e solidária expressa na Constituição. “Esperamos um governo mais posicionado e radical. Se temos uma proposta de um Brasil sem homofobia, não podemos admitir o ensino religioso na escola pública”, disse.
O antropólogo e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), Luiz Mott, disse que o Brasil é um país contraditório no tratamento aos homossexuais. “Tem o lado cor de rosa, é o campeão das paradas gays, e tem a associação de BGLT, mais organizada da América Latina, mas tem o lado do vermelho sangue, representado pela homofobia. A cada dois dias um gay, uma travesti ou uma lésbica é barbaramente morto, vítima de crimes de ódio”, afirmou.
Segundo Mott, nos últimos anos o país acompanhou a tendência mundial de reconhecimento de direitos civis para o parceiro homossexual. Isto já aconteceu para os funcionários da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, e a mudança no Censo 2010 do IBGE incluirá a variável casal homossexual.
“O Judiciário tem dado pareceres favoráveis nos casos de direito de herança, mudança de nome e operação transgenital, mas esperamos que o presidente eleito tenha mais vontade política para enfrentar as forças reacionárias representadas pelo fundamentalistas religiosos no Congresso”, disse.
A advogada especializada em direito homoafetivo, Maria Berenice Dias, ratifica a necessidade de mudança na legislação por causa de seu caráter pedagógico e da repercussão social positiva. “As pessoas têm medo de se posicionar sobre o assunto e serem rotuladas de homossexual. Sem a aprovação da lei, não se consegue avançar, nem criminalizar a homofobia. Hoje as decisões ficam à mercê da sensibilidade e da ausência de preconceitos de um juiz”, afirmou.
Edição: Aécio Amado