Fernanda Aranda, iG São Paulo
Conheça a jovem bióloga que desenvolveu uma vacina para tratar uma das doenças mais comuns em mulheres
A figura é de uma jovem com cabelos compridos presos em meio rabo de cavalo, um discreto piercing no nariz e outro em forma de argola na orelha, além de calça de moletom, tênis e blusa confortável. O currículo mostra a experiência científica já de 8 anos em pesquisas, doutorado em curso na Universidade de São Paulo (USP) e criação de uma vacina que pode radicalizar o tratamento de uma das principais doenças femininas, o câncer de colo de útero.
Mariana Diniz, 28 anos, pesquisa fórmulas contra o HPV desde os 20 de idade
Quem reúne estes dois mundos, sem o menor sinal de contraste, é Mariana Diniz, 28 anos. De segunda a sexta-feira, ela veste o avental branco, “mergulha” no microscópio, faz e refaz experiências com camundongos, escreve artigos científicos e dá um duro danado no laboratório do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Aos finais de semana, escolhe uma beca mais descolada no armário, ideal para seu programa favorito que inclui sessões de cinema no Espaço Unibanco, bares na Rua Augusta e teatros promocionais no SESC, todos localizados na região mais moderna e descolada do centro paulistano.
Mariana foi a vencedora do prêmio nacional de jovens empreendedores no final do ano passado, promovido pelo banco Santander, e seu projeto acaba de ser selecionado para a disputa Ibero-americana.
A bolsa de R$ 50 mil que ganhou em novembro, usada para a continuidade das pesquisas, foi reconhecimento de um trabalho que teve iniciou em 2000, durante uma das primeiras aulas de graduação de Biologia do curso noturno da USP.
“O Instituto de Ciências Biomédicas precisa de estagiários para pesquisas sobre vacinas feitas com DNA”, disse a professora à turma de novatos. Aquele anúnico fez acender uma luz em Mariana.
Do papel para a realidade
O interesse na vaga é o início da história de uma cientista que antes de completar 30 anos já conseguiu indícios consistentes de que vai assinar a criação de uma vacina para tratar o HPV– as hoje disponíveis são preventivas da infecção.
Os testes em animais conduzidos por Mariana mostraram que as doses estimulam o sistema imunológico, impedem o avanço do vírus (causador do câncer de colo de útero), e reduzem as lesões. Se os efeitos forem confirmados em pessoas, em um futuro próximo, o produto poderá coibir a alta mortalidade de mulheres pela doença, hoje a terceira causa de morte do sexo feminino entre 10 e 49 anos, como mostram os dados do Ministério da Saúde.
“Conseguimos (o plural é em referência ao professor e dois colegas que ajudam no trabalho) ainda a parceria de um laboratório que vai financiar os testes clínicos em humanos e também a produção em larga escala das doses”, diz Mariana. “Esta segunda etapa dos testes deve começar já neste semestre. É muito bom saber que um projeto desenhado há tanto tempo pode sair do papel e virar realidade.”
Medicina, Alquimia e Cidade Universitária
Nascida em Campinas, interior de São Paulo, Mariana Diniz é a primeira de três irmãos. Sempre estudou em bons colégios e as notas altas conquistadas em todas as disciplinas, de Português à Geografia, além da predileção pela área biológica, inicialmente confundiram os planos da então garota. “Quando menina, achava que queria ser médica”, lembra.
Saiba mais sobre o HPV
As brincadeiras de criança, no entanto, já indicavam que seu forte era o laboratório e não o consultório. “Adorava fazer experiências com aquele brinquedo Alquimia, misturar produtos e ver no que dava”. Perto de prestar vestibular, teve uma conversa com pediatras, ginecologistas e ortopedistas que não deixou dúvidas sobre qual caminho escolher. “Percebi que não era bem aquela profissão que queria. Pesquisa sempre foi algo que me encantou.” Encontrou, então, a Biologia.
Os pais, uma professora de Educação Física e um especialista em máquinas de autopeças, nada sabiam sobre as funções de um biólogo, mas incentivaram os rumos anunciados pela primogênita. Encontrar o nome na lista de aprovados da USP fez com que ela deixasse imediatamente a casa em Campinas – grande e com quintal – para morar em um apartamento de 50 metros quadrados, dividido com outras quatro estudantes. “É pequenininho mas fica ao lado da Cidade Universitária (zona oeste paulistana). Tenho a vantagem de morar em São Paulo sem precisar enfrentar o que há de pior aqui, o trânsito”, diz.
Teste e vida real
As delícias de não ter o congestionamento entre casa/faculdade também fizeram a balança pender para o lado do “sim” na hora de Mariana aceitar a oportunidade de estagiar no laboratório dentro da própria USP. E as mais de oito horas que todo dia passava – e ainda passa – fazendo experimentos com as possíveis vacinas de DNA davam a sensação diária de que o seu lugar era mesmo entre tubos de ensaio, fórmulas matemáticas e reagentes químicos. “Fui me envolvendo, lendo os artigos científicos e incentivada a apresentar projetos para tentar bolsas de patrocínio”, avanços na carreira creditados ao orientador Luiz Carlos de Souza Ferreira.
As vacinas existentes hoje custam R$ 400 a dose, em média, e previnem contra o HPV. Não há imunizante terapêutico
Em 2002, Mariana encontrou a possibilidade de pesquisar uma vacina contra o HPV, vírus sexualmente transmissível que, dizem as pesquisas, acometem 80% das mulheres em alguma fase da vida.
Democrática, a doença está em todas as classes sociais, mas na parte mais carente da população, descobriu Mariana em seus estudos, a evolução do problema tende a ser mais cruel.
Para aquelas que não têm acesso à saúde de qualidade e não fazem exames simples, como o papanicolau, o vírus pode evoluir para o câncer de colo de útero, ainda muito letal no País (segundo o Instituto Nacional do Câncer serão 18.430 novos casos só este ano).
A “vida real” tornou-se fio condutor dos testes feitos por Mariana. “Ao mesmo tempo em que revolta ver mulheres morrendo de uma doença que poderia ter sido evitada com um simples papanicolaou, isso acaba virando incentivo para as pesquisas”, diz. “No laboratório, sempre focamos em encontrar uma vacina que não fosse cara e de fácil aplicação, para que pudesse chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS) e a quem mais precisa.”
Próximo passo
Após o encontro com o HPV, muitos avanços das pesquisas foram catalogados nas pranchetas, companheiras inseparáveis de Mariana. De estagiária do Instituto de Ciências Biomédicas da USP ela conseguiu passar direto da pós-graduação para o doutorado, sem o mestrado entre as duas fases como seria natural, de tão sólidos que foram seus achados.
Com os resultados em mãos e com o dinheiro conseguido com o prêmio Santander, Mariana criou uma empresa e conseguiu a parceria com o laboratório, a Farmacore, para avançar ainda mais na elaboração do produto. Para comprovar se a vacina será a saída para quem só vê o médico depois que as lesões provocadas pelo HPV estão em fase muito crítica, a bióloga e a empresa aguardam aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para começar a produação em escala e aplicá-la em humanos.
Entre uma espera e outra, a tática para reduzir a ansiedade – e garantir a sobrevivência – diz Mariana, é sempre pensar em um novo projeto. “Quem trabalha com pesquisa e vive de bolsas de estudos precisa dar um passo já pensando no próximo, com no mínimo seis meses de antecedência entre um e outro”, dá a dica aos que pensam em seguir carreira.
União
Um passo depois do outro e Mariana Diniz tornou-se uma das jovens cientistas mais promissoras do País sem precisar abdicar das horas consideradas preciosas para lazer, academia e namoro. A bandeira que levanta contra o HPV é emblemática: reúne vida real e a ciência, duas paixões que ela sempre conseguiu conciliar no mesmo caminho.