Jornal Nacional
Na primeira reportagem da série sobre os desafios do país, veja um retrato preocupante da saúde no interior do Brasil.
Nesta semana, o Jornal Nacional apresenta uma série de reportagens especiais sobre as cinco maiores preocupações dos brasileiros, reveladas por uma pesquisa exclusiva, encomendada ao Ibope.
No resultado, que o JN divulgou na segunda, a saúde apareceu em primeiro lugar. O governo relata avanços, mas 41% dos cidadãos escolheram a área como a que mais preocupa.
Os repórteres Marcelo Canellas e Lúcio Alves mostram alguns problemas que ajudam a entender por quê.
A professora Rosângela Ferreira da Silva cansou de zanzar em cima da maca. “Eu fui pro Crof, do Crof me mandaram pro HS, do HS me mandaram pro Crof de novo, do Crof me mandou pra cá de novo”.
Ou falta equipamento. “Tinha um aparelho quebrado, não dava pra fazer cirurgia, e me encaminharam pra cá”, disse a dona de casa Salete Alves de Souza. Ou falta médico. “Não dá pra tratar lá em Quirinópolis. Lá não tem neurocirurgião”.
A maior queixa vem das pequenas cidades. A pesquisa do Ibope apontou que a saúde é a principal preocupação de todos os brasileiros. Mas no Norte e no Centro-Oeste é ainda maior.
O que dizer de um sistema de saúde que empurra pacientes do interior para a capital? “Está falido. Não atende o seu cidadão no seu local”, afirmou um médico.
Goiás. Quase a metade dos municípios não tem unidades de emergência. São 3h em Quirinópolis, interior do estado. Quatro horas de viagem, o ônibus segue lotado de pacientes para Goiânia, onde a prefeitura de Quirinópolis mantém um albergue e um funcionário.
“Eu que marco as consultas, os exames, as cirurgias”, diz o funcionário.
O que não significa garantia de atendimento. “Falou que era pra vir que já estava pronto e marcado. Nós chegamos e, realmente, estava marcado. Só que tudo errado!”, reclamou a comerciária Cleovane Melo.
A cirurgia, marcada há um ano, era de vesícula. Mandaram para a ginecologia. O médico ficou furioso e deixou claro na receita: “O paciente é idoso, mora no interior e se submeteu a uma viagem totalmente desnecessária”.
“Eu não entendi isso aí, eu mandei pra eles na secretaria pra eles resolverem”, defende-se o funcionário.
A doença não espera o tempo que a papelada quer. Em dez anos, a relação do número de leitos por mil habitantes vem caindo em todo o país. Para o lavrador Odair Martins de Freitas, os sintomas pedem pressa. “Sinto muita dor no estômago, o que come faz mal”.
Diagnóstico: hérnia no esôfago. Ordem médica: cirurgia em no máximo 60 dias. “Há sete anos, eu marquei uma cirurgia de uma hérnia no esôfago e até hoje não funcionou. Estou esperando que me chamem”.
No sudeste do Pará, acontece exatamente o contrário: em vez de o paciente viajar até o tratamento, é o tratamento que viaja até o paciente.
Onze municípios se reuniram e montaram um consórcio para oferecer serviços como uma unidade móvel. Ninguém mais precisa ir até a capital para consultar um oftalmologista.
O ambulatório fica, em média, dois dias em cada cidade. “É muito mais fácil você chegar até ele do que ele sair”, afirma um médico.
As pessoas fazem exame de vista. O laboratório, dentro da unidade móvel, faz a lente recomendada e o paciente vai embora de óculos. Tudo de graça.
E se não tivesse esse serviço? “Ah, eu teria que pagar uma consulta em Marabá, que é caríssimo: R$ 180”, conta a professora Glória Silva.
Consórcios como esse são raridade no país. Há evolução nos índices da saúde, mas a melhora é lenta. A mortalidade infantil caiu, principalmente na Região Nordeste, que ainda detêm os piores números do país.
A expectativa de vida cresceu no mesmo período e hoje é menor no Nordeste e maior na Região Sul.
De 2002 a 2007, aumentou o número de cirurgias eletivas realizadas. Segundo o Ministério da Saúde, o país erradicou o sarampo e interrompeu a transmissão do cólera e da rubéola.
Mesmo assim, o que prevalece é uma insatisfação detectada por pesquisadores e cientistas sociais. “Os brasileiros estão tendo uma vivência, uma percepção de piora da sua qualidade de saúde. Pra dar uma nota desde muito ruim até muito bom, as notas piores têm aumentado nos últimos dez anos. Reflete uma demanda da sociedade que o estado não está conseguindo atender”, declarou Marcelo Neri, economista-chefe do CPS/FGV.
A aplicação de recursos na saúde pelo Governo Federal quase triplicou de 97 a 2007, mas continua representando menos de 2% do Produto Interno Bruto, que é a soma de tudo que é produzido pela economia do país.
Uma das alternativas têm sido os ônibus ou a ambulancioterapia, numa viagem interminável. É o que faz Cleovane para que a mãe seja atendida um dia.
“Tentar outros meios pra nós conseguir a cirurgia da minha mãe o mais rápido possível, porque se ela continuar desse jeito, ela vai morrer. Depois que ela morrer, eu não vou querer fazer a cirurgia dela mais”.
Nesta quarta, a repórter Lília Teles vai mostrar a segunda maior preocupação dos brasileiros: a educação.