Tariana Hackradt, especial para o iG São Paulo – 17/08/2010 12:18
Mães procuram médicos para adiar a primeira menstruação das filhas, mas especialistas explicam porque essa atitude é equivocada
A menarca é um dos últimos processos da puberdade. Mães devem conversar com as filhas sobre o que está acontecendo com o corpo delas em vez de tentar adiá-la
Engana-se quem pensa que só as pré-adolescentes sofrem com a sua primeira menstruação. Os dilemas envolvendo a menarca atormentam também pais e mães, que se preocupam com a pouca idade com que as filhas entram na puberdade. Se nas gerações anteriores as meninas menstruavam entre 14 e 16 anos, hoje elas costumam menstruar entre 9 e 13 anos. A média, para ser exato, é de 12,2 anos, segundo Talita Poli, hebiatra do Hospital Santa Catarina. Também nos Estados Unidos, pesquisas recentes apontaram que as meninas entram na puberdade cada vez mais cedo – e sugeriram uma ligação entre obesidade e a chegada precoce da menstruação.
A médica especializada em adolescentes aponta algumas explicações para a antecipação da menarca, a primeira menstruação, como melhorias nutricionais e estímulos externos – acesso a informações pela internet e pela televisão, por exemplo. “Essa diminuição da idade é natural, não é motivo de preocupação. Se melhoram as condições de vida das meninas, elas se desenvolvem mais rápido e, consequentemente, amadurecem e menstruam mais rápido também”, explica Talita.
A médica Felisbela Soares de Holanda, do setor de ginecologia endócrina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), endossa as palavras da hebiatra e completa dizendo que os pais só devem se preocupar com a primeira menstruação das filhas caso ela aconteça antes dos oito anos de idade. Nesse caso, a questão se torna patológica e é chamada de puberdade precoce. “Quando as meninas começam a desenvolver caracteres secundários, como mama e pêlos pubianos, antes dos nove anos de idade, aí fazemos exames de sangue e avaliação óssea para ver se ela sofre de puberdade precoce. Caso sofra, começamos um tratamento com medicação específica”, afirma. Esse tratamento, porém, não é recomendado para meninas que têm a primeira menstruação após os nove anos, garante a médica.
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Antônio Caetano Pereira Simões, pediatra especializado em menarca e professor do departamento de pediatria da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), concorda com a opinião da colega e explica que, ao contrário do que muitos pais pensam, retardar a menarca não vai fazer com que a menina, que não sofre de puberdade precoce, cresça mais. “O ‘estirão’ das meninas acontece antes da primeira menstruação, mas bloqueá-la não significa que haverá um novo estirão. A menarca não é um sinalizador da velocidade de crescimento, ela é um dos últimos processos da puberdade”, fala o médico.
Os três especialistas apontam em unanimidade que retardar a menstruação de uma pré-adolescente é um erro. “As mudanças pubertárias assustam, mas é errado postergá-las. O adolescente não tem maturidade para fazer essa escolha, e os pais não têm que incentivar isso. Tomar medicamentos para retardar a menstruação é o mesmo que mexer no eixo hormonal. O que uma mãe ganharia adiando uma coisa que tem que acontecer?”, questiona a hebiatra Talita. “Não é uma opção saudável usar a medicação para quem sofre com puberdade precoce em quem não sofre. Nunca se sabe como o corpo da menina vai se comportar depois que ela parar de tomar os remédios”, completa a médica.
Danos psicológicos
A psicóloga Lúcia Helena Laprano Vieira, responsável pelo acompanhamento das pacientes do Ambulatório de Ginecologia da Criança e Adolescente da Unifesp, afirma que, quando é procurada por mães que estão preocupadas com o amadurecimento das filhas, explica o processo pelo qual as meninas estão passando e tenta aconselhá-las. “A mãe precisa entender que esse é o mundo, que ela não pode ficar com medo de ver a filha crescer e, por isso, querer bloquear a menstruação. Meu conselho é que ela trate a filha de acordo com a idade que ela tem e que mostre para ela que a menstruação acontece com outras meninas também”, diz. Talita completa dizendo que é importante não se sentir diferente das amigas nesse período da vida. “A adolescência é um processo complexo e, para o adolescente, é importante ser igual ao grupo. Retardar a menstruação da menina pode fazer com que ela se sinta de fora”, explica.
Marina Vasconcellos, psicóloga pela PUC–SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), especializada em Psicodrama Terapêutico pelo Instituto Sedes Sapientiae, e terapeuta familiar e de casal pela Unifesp, aconselha as mães a enfrentaram o medo de conversar com as filhas. “Apostar em um remédio que mexe com o organismo não é a saída. O correto é falar sobre as mudanças do corpo da forma mais natural possível, com livros e imagens que estejam de acordo com a idade das adolescentes”, encerra.
Meninas americanas entram na puberdade aos 7 ou 8 anos de idade
Estudos estrangeiros associam obesidade ao desenvolvimento precoce e alertam para o papel dos pais no apoio às crianças
Puberdade precoce: papel dos pais é ajudar filhas a entender o que está acontecendo
Novas pesquisas mostram que o início da puberdade se dá cada vez mais cedo entre as garotas americanas. Aos 7 ou 8 anos de idade muitas delas já começam a apresentar desenvolvimento das mamas. Segundo especialistas, o aumento no índice de obesidade infantil – há muito tempo relacionad
o ao desenvolvimento sexual – pode ser a causa disso. No Brasil, a idade média da menarca (ocorrência da primeira menstruação) é de 12,2 anos. Mesmo assim, muitas mães procuram adiar a puberdade de suas filhas através de tratamentos – o que os médicos condenam.
No novo estudo americano, foram examinadas mais de 1.200 garotas de 6 a 8 anos em duas ocasiões, entre os anos de 2004 e 2006, por dois pediatras ou enfermeiras diferentes que sentiram a presença de tecido mamário. “Quisemos ter cuidado para não confundir depósitos de gordura com tecido mamário”, explicou o Dr. Frank Biro, autor do estudo e diretor do departamento de medicina adolescente no Children’s Hospital, em Cincinnati, nos Estados Unidos.
Segundo a equipe de pesquisadores relatou na edição de setembro da revista Pediatrics, dentre as meninas de 7 anos de idade, cerca de 10,4% das de raça branca, 23,4% das de raça negra e 15% das de origem hispânica já mostravam o início do desenvolvimento das mamas. Dentre as garotas de 8 anos, 18,3% das de raça branca, cerca de 43% das de raça negra e pouco menos de 31% das de origem hispânica mostraram evidências de desenvolvimento dos seios. Os números sugerem um aumento no início da puberdade precoce em relação a estudos anteriores.
Biro afirmou que o aumento foi ainda mais significativo dentre as meninas de 7 anos de raça branca, cuja taxa dobrou em apenas uma década. Um dos estudos descobriu que cerca de 5% das meninas brancas de 7 anos e 10,5% das de 8 anos mostravam desenvolvimento das mamas.
Nesse mesmo estudo, dentre as meninas negras, o índice de desenvolvimento mamário foi de 15,4% para as meninas de 7 anos e 36,6% para as de 8 anos. Os dados anteriores não incluem informações de garotas de origem hispânica.
Falta de preparo
Especialistas se mostraram alarmados com as descobertas. Biro relatou que, em termos de saúde da mulher, a puberdade precoce, incluindo a ocorrência do primeiro ciclo menstrual em garotas muito jovens, está associado a um risco maior de câncer de mamas ao longo da vida.
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Segunda a Dra. Marcia Herman-Giddens, professora-adjunta de saúde pública da University of North Carolina, o desenvolvimento precoce está associado a pressões psicológicas e sociais com os quais garotas tão jovens possivelmente não estão preparadas para lidar, incluindo os avanços sexuais dos homens e garotos e mais velhos.
“As meninas podem até parecer mais velhas, mas, mentalmente, elas são praticamente iguais a qualquer menina de 7 ou 8 anos de idade”, disse Herman-Giddens, que conduziu o estudo anterior. “Elas realmente perdem uma boa parte da infância. Quando meu estudo saiu, recebi cartas e emails muito tristes e comoventes de mulheres jovens que tiveram puberdade precoce. Elas relatavam as experiências horríveis do assédio de homens e garotos mais velhos e também as sensações sexuais que elas não conseguiam entender”.
Avaliação e apoio
O que estaria ocasionando a maturação sexual precoce das garotas? Segundo Biro, o aumento de peso em idade jovem parece ser o culpado. Meninas que desenvolveram as mamas mais cedo mostraram a tendência de ter um índice de massa corporal (IMC) mais alto. Biro ressaltou que, embora ainda não se saiba muito sobre a influência do IMC no início da puberdade, as células gordas produzem leptina – hormônio envolvido no despertar da maturação sexual feminina.
Biro e seus colegas também estão realizando testes de sangue e urina das meninas para determinar se a exposição a agentes químicos poderia ser um fator contribuinte, mas tais resultados ainda não estão completos.
O especialista explicou, porém, que mesmo que fique constatado que a exposição ambiental tem alguma influência, há uma forte associação entre o ganho de peso excessivo e a puberdade precoce. “As meninas que entram na puberdade mais cedo apresentam IMC mais alto e estudos mostraram que elas mantêm o IMC mais alto ao longo da vida”, disse Biro.
Se uma criança apresenta sinais precoces de puberdade, os especialistas recomendam a avaliação de um pediatra ou de um endocrinologista para prevenir problemas médicos. Pais e pediatras também podem ajudar as meninas a manter um peso saudável através de alimentação e exercícios adequados, aconselha Herman-Giddens.
Caso a caso
Na opinião dos especialistas, mesmo com essas medidas, algumas garotas simplesmente terão a predisposição de se desenvolver mais cedo, e isso é perfeitamente normal. Herman-Giddens diz que, embora o desenvolvimento precoce apresente riscos para as meninas, os pais podem ajudá-las conversando com elas. “Haja o que houver, os pais simplesmente não podem ignorar a questão. Mulheres me contaram que seus pais se calaram e não souberam como lidar com a questão ou ajudá-las. Isso é muito difícil para a criança. Os pais precisam fazer as meninas sentirem que são normais, que só estão um pouco adiantadas”.
Em um segundo estudo publicado na revista The Lancet, conduzido por Mildred Maisonet da Emory University, de Atlanta, nos Estados Unidos, foram examinados os históricos de 4.000 garotas britânicas entre os 8 e os 14 anos de idade. Sua equipe descobriu que as garotas cujas mães tinham tido a primeira menstruação antes dos 12 anos, que fumaram durante a gravidez ou que eram o primeiro filho mostraram maior propensão à puberdade precoce.
O estudo constatou que filhas de mães obesas também se mostraram mais propensas à obesidade e ao desenvolvimento precoce das mamas. O peso e a altura no nascimento não apresentaram influências com o tempo de início da puberdade, embora um aumento rápido do IMC na infância possa estar associado à puberdade precoce.