Primeiras impressões do diálogo feminista sobre o Bem Viver

SOS CORPO – 13.08.2010

Nos dias 9, 10 e 11 de agosto, às vésperas do Fórum Social das Américas, a Articulação Feminista Marcosur reuniu aproximadamente 30 mulheres indígenas e não-indígenas para dialogar sobre o paradigma do Bem Viver na perspectiva feminista. Rivane Arantes, educadora do SOS Corpo e militante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), nos escreve algumas impressões.

 

rivane-sos-paraguai-fsa2010“O primeiro dia foi mais leve. Foi um momento onde elementos de nossas identidades e nossas compreensões iniciais sobre o Bem Viver foram solicitados para favorecer o entrosamento. Estávamos todas cansadas, mas isso não nos desanimou, fomos direto ao trabalho.

Infelizmente muitas brasileiras, principalmente as indígenas, não puderam participar, o que foi uma perda para todas nós, no que se refere a uma visão de América Latina e ao não compartilhamento da visão das mulheres indígenas brasileiras em torno do Bem Viver. Penso que também elas perderam uma ocasião de conhecer a experiência das mulheres indígenas andinas e seus modos de experimentar o Bem Viver, bem como as visões das demais companheiras feministas não indígenas da América Latina sobre o tema.

Além disso, creio que esse encontro seria uma boa oportunidade para diminuir a distância com as mulheres indígenas brasileiras e para contribuir para o seu recente processo de empoderamento, algo que nos parece ainda muito melindroso entre os povos indígenas do Brasil.

A metodologia utilizada no diálogo incitava as questões e reflexões que as feministas e indígenas tinham sobre as possibilidades de diálogo e o Bem Viver, num primeiro momento, e perguntava pelo lugar das mulheres nesse novo paradigma, num segundo.

Embora tenhamos compreendido as razões metodológicas da separação entre feministas e indígenas, a persistência nesse formato causou incômodos. Entre nós brasileiras, sabíamos que iríamos dialogar com mulheres indígenas que, de seus lugares e modos, estavam lutando por outro mundo a partir delas, então, para nós, elas eram feministas. As próprias indígenas também revelaram mesmo estranhamento e reivindicaram esse lugar – o de feministas, expressando que a presença delas ali, considerando o contexto em que viviam, falava por si.

A partir do final do segundo dia, então, passamos a momentos mais coletivos, foi quando muitas inquietações puderam ser dissipadas – a mim era estranha a visão das indígenas sobre o Bem Viver, brevemente apresentada na 1° dia, onde ele se sustentava em elementos como equilíbrio, harmonia, encontro, natureza… me preocupava o lugar ocupado pelas pessoas nessa visão, particularmente o lugar das mulheres, bem como a invisibilidade das relações de poder e o consequente conflito como algo constitutivo de nossa vida em sociedade. Pensando a partir do Brasil, me parecia uma visão utópica, irreal.

O Bem Viver não é uma novidade somente no Brasil, mas no resto da América Latina também. Na Bolívia e talvez Equador, onde ele começa a ser prática desde as estruturas de Estado, as feministas indígenas e não indígenas têm uma compreensão mais profunda e já têm uma crítica mais construída em torno dele. As de outros países também têm feito um esforço de compreendê-lo, elaborando suas visões desde os feminismos. Mas, o fato de não termos ainda, espaços de troca entre nós, me parece nos colocar numa situação de dificuldade nessa reflexão.

Assim, entre nós feministas, em quase todos os momentos, houve dificuldades no diálogo, sequer conseguimos consensar direito as tensões e desafios dentro do feminismo. Penso que muitas questões atravessam esse debate e há a necessidade de termos mais espaços como esse, não somente para nós, mas para as indígenas também, que revelaram dificuldades de aprofundar o Bem Viver na perspectiva das mulheres indígenas, desde seus lugares de origem, dada a cultura que também ali se atravessa.

Por fim, muitas das imagens iniciais entre feministas indígenas e não indígenas puderam ser desconstruídas. Foi um momento de muito aprendizado, mas sobretudo, de reivindicação da continuidade desse debate – é preciso aprofundar e enriquecer a construção desse paradigma com a experiência das mulheres. Para todas ali, foi consenso de que estávamos diante de uma alternativa ao que hoje estamos vivendo, com o diferencial de ter sido construído a partir das populações originárias da América Latina, portanto, a partir das populações que estão submetidas no mundo, à pobreza, ao racismo e ao sexismo, dentre outras formas de exclusão. Nesse sentido, a Nilde da AMB – Pará convocou a todas a continuar esse debate no Fórum Pan-Amazônico que irá se realizar em novembro próximo, em Santarém. Esperamos que nossas energias se encontrem e nos levem a Santarém mais fortalecidas, como todo o potencial que temos como organizações que se circunscrevem num país de tantos contrastes e desafios para nós mulheres. Não é mais possível nossa ausência dos diálogos regionais.”

fonte: www.soscorpo.org.br

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