Lula deveria se empenhar mais na pressão contra apedrejamento, diz ativista iraniana

Thiago Chaves-Scarelli  – do UOL Notícias – em São Paulo

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, deu um passo importante ao propor asilo para uma iraniana condenada à morte, e agora deveria fazer ainda mais pressão, entrando em contato pessoalmente com as autoridades iranianas, para que a República Islâmica não leve a cabo esse execução, afirmou nesta sexta-feira (13) a líder do Comitê Internacional contra o Apedrejamento, Mina Ahadi.

Mina Ahadi

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“Eu acho que é muito importante o que Lula fez, essa proposta de asilo, e a senhora Ashtiani ficou muito contente com isso. E eu acho que o presidente do Brasil deveria fazer ainda mais pressão e ter mais contato [com as autoridades iranianas] e conversar com Ahmadinejad, porque isso ajuda muito a senhora Ashtiani”, afirmou a ativista, em entrevista exclusiva ao UOL Notícias.

Essas declarações reiteram as críticas que Ahadi já tornou públicas em uma “carta aberta” a Lula, escrita na última semana, na qual pede que nenhum chefe de Estado do mundo reconheça o governo “criminoso” do Irã (veja íntegra do documento aqui).

Nesta sexta-feira, em conversa por telefone, Ahadi confirmou que o Irã é suscetível à pressão internacional, e por isso o caso já ganhou status de questão política a ser decidida, em última análise, pela cúpula do regime islâmico que governa o país, incluindo o presidente Mahmoud Ahmadinejad.

A ativista conta que já protestou no Irã, mas foi obrigada a fugir do país por causa da repressão do regime teocrático que vigora desde a revolução de 1979. Hoje, na Alemanha, Ahadi lidera o Comitê Internacional contra o Apedrejamento e é fundadora do Conselho Central de Ex-Muçulmanos, organismos que criticam a dureza da República Islâmica do Irã.

“Desde o começo, há 30 anos, a República Islâmica é um regime fascista. As pessoas não têm nenhum direito, a mulher não tem nenhum poder de decisão, tudo é proibido”, conta. “Não podemos fundar um jornal ou um partido – o regime vigia inclusive o que você faz em seu quarto. Não há esfera privada. É o fascismo”.

O comitê de Ahadi informa que mais de 136 pessoas foram apedrejadas até a morte nos últimos 30 anos, mas adverte que o número preciso deve ser muito maior já que a compilação dos casos fica restrita às informações publicadas em jornais oficiais, e a República Islâmica dificulta o acesso às informações oficiais. Pelo menos 24 pessoas aguardam execução por apedrejamento atualmente.

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

* * *

Raio-x do Irã

  • Nome oficial: República Islâmica do Irã 
    Capital: Teerã 
    Tipo de governo: República Teocrática 
    População: 66.429.284 
    Idiomas: Persa e dialetos persas, 58%; turcomano e dialetos turcos, 26%; curdo, 9%; luri, 2%; balochi, 1%; árabe, 1%; turco, 1%; outros
    Grupos étnicos: Persas, 51%; azeris, 24%; gilakis mazandaranis, 8%; curdos, 7%; árabes, 3%; lurs, 2%; balochis, 2%; turcomenos, 2%; outros 
    Religiões: Muçulmanos 98% (xiitas, 89%, e sunitas, 9%), outras (que incluem zoroastras, judeus, cristãos e bahais) 2% 
    Fonte: CIA Factbook

UOL Notícias: Que tipo de contato a senhora mantém com Ahstiani?

Mina Ahadi: O contato é com os filhos de Ashtiani e com o advogado.

UOL Notícias: Ela pode receber visitas?

Ahadi: Sim. Uma vez por semana há a possibilidade de os filhos se encontrarem com a mãe na prisão, às quartas-feiras, por meia hora.

UOL Notícias: O que eles contam dessas visitas? Quais são as condições na prisão?

Ahadi: Os filhos têm a possibilidade da visita, mas eles conversam com a mãe por um telefone, através de uma barreira. Uma ou duas vezes por mês eles podem entrar e ficar em uma sala com a mãe, mas sempre sob controle, eles não podem ficar sozinhos com a mãe.

UOL Notícias: Então fica sempre com eles alguém da prisão?

Ahadi: Sim, os encontros são sob controle, sob vigilância.

UOL Notícias: A senhora já escreveu uma “carta aberta” ao presidente Lula, eu gostaria de voltar a esse tema. O que a senhora pensa sobre a posição do Brasil neste caso?

Ahadi: Eu acho que é muito importante o que Lula fez, essa proposta de asilo, e a senhora Ashtiani ficou muito contente com isso. E eu acho que o presidente do Brasil deveria fazer ainda mais pressão e ter mais contato [com as autoridades iranianas] e conversar com Ahmadinejad, porque isso ajuda muito a senhora Ashtiani. Mas ao mesmo tempo é importante lembrar que esse regime é bárbaro, é brutal, e não se pode trabalhar em parceria com esse regime. Os governos devem fazer alguma coisa contra esse regime.

UOL Notícias: Esse tipo de pressão diplomática pode fazer diferença para o futuro de Ashtiani?

Ahadi: Nos últimos 30 anos, esse regime já apedrejou muitas mulheres. Alguns governos tocaram nesse assunto, a portas fechadas, mas não fizeram pressão e o regime islâmico iraniano continua com essa prática. Mas agora estamos fazendo um movimento muito grande, eu sou a líder desse movimento, e eu acho que devemos ir para a rua, impor pressão, dizer aos países para não trabalharem junto com o regime islâmico. Um regime que apedreja é um regime desumano, e as pessoas devem ser contra isso. Esse tipo de postura ajuda muito.

UOL Notícias: A senhora está hoje na Alemanha. Acredita que seria possível levar adiante esse tipo de protesto se estivesse no Irã?

Ahadi: Não. Eu já estive no Irã e já organizei protestos, mas não pudemos ficar. Houve proibições, meu marido foi detido e executado. Acabei fugindo para o Curdistão, onde fiquei por dez anos, depois vim para Alemanha. No Irã é muito difícil protestar, é muito difíc

il fazer esse tipo de trabalho lá.

Cronologia do caso

  • 2006

    Sakineh Ashtiani é presa sob a acusação de ter tido um caso com o assassino de seu marido

  • Maio de 2006

    Iraniana recebe 99 chibatadas por ter mantido “relacionamento ilícito com estranhos”. Paralelamente, é processada por adultério

  • Setembro de 2006

    Conselho de juízes condena Sakineh à morte por apedrejamento

  • Julho de 2010

    Pressionadas, autoridades iranianas estudam substituir a pena de apedrejamento por enforcamento

  • Agosto de 2010

    Sentença definitiva deve sair no final desta semana

Fonte: Folha.com

UOL Notícias: É verdade que Ashtiani poderia ser executada já esse final de semana?

Ahadi: Acho que não. A pressão internacional está muito grande e o Regime Islâmico não fará uma coisa dessas. O que acontece neste sábado é que o advogado viaja a Teerã e será decidido o que o regime fará com Ashtiani, haverá uma sessão. Bom, a decisão pode demorar ain, precisamos ver o que acontece, mas é preciso destacar que essa é uma decisão política do regime, e eles organizaram tudo – incluindo uma entrevista veiculada na TV – para que amanhã seja confirmada a pena de morte. Amanhã talvez já se diga que ela será enforcada, e não apedrejada.

UOL Notícias: Essa decisão depende de quem?

Ahadi: Eu acho que agora depende de Ahmadinejad e da cúpula do regime. Para o apedrejamento, a corte máxima deve decidir e Larijani [presidente do Parlamento iraniano] precisa assinar. Mas o caso de Ashtiani se tornou muito político e eu acho que Ahmadinejad vai conversar com a cúpula e decidir a respeito. Por outro lado, os elementos militares do regime também estão pressionando, esse vídeo é uma prova da influência desse setor. Ou seja, ao final será uma decisão política.

UOL Notícias: Qual foi o objetivo do vídeo divulgado essa semana?

Ahadi: Eles veicularam a entrevista sem mencionar em nenhum momento a questão do apedrejamento, como se a história toda fosse outra. Agora o regime fala em participação em assassinato para poder executá-la. Isso tudo é falso, é uma resposta para as críticas do Ocidente. Irã insiste para o mundo que é uma questão interna e que os outros governos não deveriam se meter.

UOL Notícias: A senhora é muçulmana?

Ahadi: Não. Eu abandonei a religião, quando era ainda jovem, aos 15 anos de idade. E há dois anos fundamos aqui na Alemanha uma organização de ex-muçulmanos, ou seja, com pessoas que abandonaram o islamismo.

UOL Notícias: A senhora já chegou a comparar o regime islâmico com o fascismo. Por quê?

Ahadi: Desde o começo, há 30 anos, a República Islâmica é um regime fascista. As pessoas não têm nenhum direito, a mulher não tem nenhum poder de decisão, tudo é proibido. E eles sempre falam: esse é o desígnio de Deus, essa é a lei de Deus. Ou seja, a sharia, a lei que vale no Irã, não pode ser questionada. E se você diz ‘não concordo com essa lei’ eles respondem que você está contra Deus, que você ofende Deus, e deve ir para a prisão ou ser executado. As pessoas são mortas em nome de Deus. Não podemos fundar um jornal ou um partido – o regime vigia inclusive o que você faz em seu quarto. Não há esfera privada. É o fascismo.

 

Campanha pela vida da iraniana Sakineh tem repercussão mundial

GloboNews

Iraniana foi condenada à morte por apedrejamento.

 

A vida das mulheres no Irã ficou mais arriscada depois que o presidente Ahmadinejad assumiu o poder, em 2005. Ou melhor, a vida de quem quer que não concorde com o governo, ou que cometa o que se considera crimes contra a moral. Como Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento, acusada de adultério. Só que desta vez, o lamento da condenada atravessou barreiras da censura e escapou para o mundo. Organizações de defesa dos direitos humanos conseguiram chamar atenção da opinião pública, de autoridades mundiais, e entre elas, o presidente do Brasil.

O Sem Fronteiras desta semana procura vozes espalhadas por vários países para ouvir o que se passa no Irã, sobre a sorte dos perseguidos do regime liderado por Ahmadinejd.

 

Marie Claire pela libertação de Sakineh

Por Redação Marie Claire
Associated Press

A iraniana Sakineh Ashtiani, de 43 anos, é viúva, tem dois filhos. Acusada de adultério, foi condenada à morte pela Justiça do seu país. A primeira sentença decretava que ela fosse enrolada em lençóis brancos, enterrada na areia até os ombros e então golpeada com pedras “grandes o suficiente para causar dor, mas não p

ara matar instantaneamente”. Nesta semana, o governo de seu país reviu a pena e indicou que Sakineh não deve ser apedrejada, mas enforcada. 

Entidades de direitos humanos passaram a protestar no mundo todo contra a execução. Milhares de pessoas participaram das mobilizações. O presidente Lula ofereceu asilo a Sakineh no Brasil. 

Marie Claire condena o tratamento dado às mulheres pela justiça iraniana e apoia a campanha internacional que pede a libertação de Sakineh. 

Junte-se a nós nessa luta e assine também o abaixo-assinado “Free Sakineh“, que já tem mais de 150 mil assinaturas virtuais e pode ajudar a pressionar o governo iraniano a buscar uma saída humanitária. 

*A cor verde usada em nosso título virou um símbolo da resistência iraniana à eleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Foi a cor usada pelo partido de Hossein Mousavi (oposição) durante as eleições no ano passado. 

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