LIVIA DEODATO – Revista Época
”Por que será que a gente luta tanto para produzir uma obra de arte? Acho que é para sobreviver.” O questionamento que acompanhou a vida breve, porém intensa da escritora ucraniana naturalizada brasileira Clarice Lispector, instiga Beth Goulart desde muito antes de sua escolha pelas artes cênicas.
Após mais de 30 anos de TV e cinema, a atriz resolveu se dedicar integralmente a uma peça que apresentasse um pouco sobre quem foi Clarice e dos personagens criados por ela, que mais marcaram Beth Goulart. Ela mergulhou em contos e romances, entrevistas e documentos, fotografias e biografias para montar o espetáculo Simplesmente eu, Clarice Lispector, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo (Av. Álvares Penteado, 112, tel. 11 3113-3651) e no Teatro do Sesi do Rio de Janeiro (R. Graça Aranha, 1, tel. 21 2563-4163).
O resultado passa muito longe do que seria uma profusão de frases feitas (porque ótimas) de Clarice. Beth foi buscar em Clarice os mínimos gestos, olhares, jeito de caminhar, gargalhar e se entristecer com as dores do mundo. O forte sotaque é motivo para alguns dos momentos mais leves e engraçados da peça, dada a justificativa da escritora: “É porque eu tenho a língua prrrresa… e meu médico diz que pode doer se eu cortá-la”.
O momento da entrevista de Clarice é o auge do espetáculo – ela sempre foi avessa a tal. Beth fez mimese daquela concedida por Clarice à TV Cultura em 1977. Quando o jornalista insiste em perguntar a ela por que ela escreve, Clarice responde com outra pergunta: “Por que você bebe água?”, sem perder a classe empunhando um cigarro.
Em meio a cenário e figurinos impecáveis (todos muito “simples”, como Clarice diria), Beth empresta voz e vida à escritora, morta aos 57 anos de câncer, cujas três maiores satisfações eram escrever, criar seus filhos e amar. Não há o que tirar nem pôr no espetáculo. Não foi à toa que Beth levou o Prêmio Shell de melhor atriz por Simplesmente eu, Clarice Lispector.