Folha São Paulo, 28/12/2009
Trabalho dos pesquisadores da USP mostra que desempenho das alunas é superior em todas as séries escolares avaliadas. Uma das hipóteses para o resultado é o fato de a maioria das escolas ter muito mais professoras do que professores
Diferenças de gênero e de cor são bastante estudadas em países com instrumentos mais avançados de avaliação do ensino. Várias nações detectaram que as meninas avançam mais, deixando os meninos para trás até em áreas em que eles costumavam se sair melhor, como matemática e ciências. No caso do Saresp, o trabalho dos pesquisadores da USP Ricardo Madeira, Marcos Rangel e Fernando Botelho mostra que as meninas superam os meninos em todas as séries, até em matemática. Em sala de aula, a distância a favor delas aumenta. O pesquisador Luigi Guiso, do Instituto Universitário Europeu, em estudo que comparou meninos e meninas no Pisa (exame internacional que avalia o desempenho de jovens em testes de matemática, leitura e ciências), concluiu que, em países com níveis mais altos de igualdade de gênero (Suécia, Noruega e Islândia), há pouca diferença em matemática, mas a vantagem feminina nas provas de leitura é cada vez maior.
Se a explicação principal não é biológica, ganha força a hipótese cultural. O ambiente escolar em quase todos os países é mais feminino, especialmente nos anos iniciais, onde o percentual de mulheres no magistério supera 80% em várias nações. "O mundo da escola é feminino, e a menina é vista como mais dedicada", diz o secretário da Educação de SP, Paulo Renato Souza. A diferença no desempenho associada à cor é tema ainda mais sensível. O economista Roland Fryer Jr., da Universidade Harvard, fez um estudo que conclui que aspectos culturais podem explicar a diferença entre negros e brancos nos EUA mesmo depois de controladas características socioeconômicas. Ele concluiu que negros que se destacam nos estudos estão mais propensos a ser discriminados por colegas de mesma cor por estarem "agindo como brancos".
Professor dá a aluno nota maior que Saresp
Pesquisa da USP revela discrepância entre avaliação que professor faz de estudante e desempenho no exame oficial de SP. Autores de estudo também detectaram que há sinais de discriminação racial em favor de brancos e de que meninas são "protegidas"
ANTÔNIO GOIS – Folha São Paulo, 28/12/2009
Há uma significativa distância entre o que se vê em sala de aula e o que é revelado pelo Saresp, o sistema oficial de avaliação da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo. Estudo feito por três pesquisadores do departamento de economia da USP -Ricardo Madeira, Marcos Rangel e Fernando Botelho- mostra que os professores da rede estadual dão notas maiores a seus alunos do que as que os mesmos estudantes recebem no Saresp. Além disso, há diferença entre as notas do boletim escolar em comparações raciais e de gênero. Negros e brancos com resultado idêntico no Saresp e as mesmas características têm notas diferentes em sala de aula, em favor dos brancos. O mesmo ocorre, com intensidade maior, a favor das meninas. Esse é o primeiro estudo que confronta o desempenho de estudantes no Saresp com as notas dos boletins escolares. A maior discrepância foi verificada nas provas de matemática do 3º ano do ensino médio. Na escala do Saresp, só 36% dos alunos eram proficientes. Para os professores, no entanto, quase todos (93%) atingiram o patamar mínimo de aprendizado considerado adequado.
Nas provas de língua portuguesa da 4ª série, a distância foi menor: 79% de proficientes, segundo o Saresp, e 95%, de acordo com os professores. "O que percebemos é que o professor está avaliando seus alunos de maneira diferente do Estado. Será que isso acontece porque ele é ruim e não tem capacidade de discernir adequadamente sobre a proficiência dos estudantes? Talvez. Mas, antes de jogar pedra, temos que considerar que ele vê em sala de aula características individuais que o Estado não consegue ver", dizem os autores. Entre essas características, eles citam capacidade de expressão oral, comportamento, organização e a vivência extraclasse. Se um aluno trabalha bem em grupo, tem bom relacionamento com colegas e se mostra esforçado, isso não aparecerá no cálculo de sua nota no Saresp, mas o professor pode estar levando isso em conta no momento de avaliá-lo. "Se a sociedade considera que a missão da escola é mais do que apenas ensinar conteúdos, é de se esperar que o professor avalie isso também. Portanto, antes de concluir que o professor é ruim, temos que considerar que pode ser que o Saresp e outros exames similares sejam instrumentos incompletos de avaliação."
No caso das diferenças de sexo e raça, os autores identificaram que a distância é significativa mesmo depois de controladas todas as variáveis observáveis. Ou seja, alunos com mesma nota no Saresp, que estudam na mesma turma e com características socioeconômicas semelhantes têm desempenhos diferentes no boletim escolar, conforme sexo ou raça. No caso da diferença entre brancos e negros (o estudo soma autodeclarados pretos e pardos), uma hipótese é que seja resultado de discriminação. Os autores alertam, no entanto, que o trabalho não permite comprovar empiricamente essa suspeita, até porque não foi possível identificar comportamento diferenciado de professores brancos ou negros. Se o preconceito racial explicasse a diferença, era de se esperar que os professores negros não agissem da mesma maneira que seus colegas brancos. Para eles, é preciso fazer mais estudos para entender por que a diferença a favor de brancos persiste mesmo considerando todas as variáveis observáveis estatisticamente. "Entender se essa desigualdade é fruto de discriminação racial ou de diferenças socioeconômicas é importante para subsidiar políticas públicas de ação afirmativa", diz Madeira.