Médicos têm medo de realizar abortos previstos em lei

Juliana Braga – Da Secretaria de Comunicação da UnB
Pesquisa da Universidade de Columbia feita em dois hospitais brasileiros conclui que falta de informação faz com que profissionais se recusem a fazer procedimento


Pesquisa da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, revela que médicos brasileiros têm medo de realizar abortos. Dois hospitais em Salvador, na Bahia, foram analisados pela antropóloga Silvia de Zordo. Dos entrevistados, apenas 13% alegaram motivos religiosos para se recusarem a fazer o procedimento. Os demais têm medo de serem criminalizados ou estigmatizados pelos colegas, mesmo nos casos previstos pela lei brasileira. O estudo foi apresentado na Universidade de Brasília, nesta segunda-feira, 28 de junho.

O temor causa danos às mulheres que chegam aos hospitais com complicações em decorrência de abortos mal feitos e também aquelas com autorização da Justiça para se submeterem ao procedimento. Elas acabam não tendo prioridade no atendimento. “Na cabeça deles, aquelas que realizam aborto estão tirando os leitos das que querem ser mães”, explica a pesquisadora. A demora no atendimento pode piorar o estado de saúde da paciente. 

Segundo a pesquisadora, o principal motivo do medo é a falta de informação. “Os médicos não sabem que podem se recusar a fazer o aborto, mas que as mulheres também têm seus direitos”, pontua. Pela lei brasileira, a mulher tem direito de fazer um aborto nos casos em que a gravidez resulta de estupro ou representa risco de vida para a gestante. Já o médico, de acordo com o Código de Ética da categoria, pode se recusar a fazer o procedimento caso não se sinta confortável, desde que não seja uma emergência e que haja outro médico de plantão para realizar o procedimento.

O temor dos médicos influencia na escolha da técnica que será usada em mulheres que chegam aos hospitais com complicações em decorrência de abortos mal feitos. Eles preferem usar a técnica da curetagem e não a aspiração manual intra-uterina (Amiu), usada pelas clínicas de aborto. “Eles não querem ser considerados ‘aborteiros’, ou seja, eles têm medo de mostrar que conhecem a aspiração manual para não parecer que realizam abortos com frequência”, explica.

A curetagem é um procedimento que necessita de pelo menos 24 horas de internação, além de jejum de seis horas porque exige anestesia geral. Isso pode retardar o atendimento e aumentar complicações médicas. Além disso, é usada uma haste de metal, que pode causar lesões no útero. Já com a Amiu, a mulher pode ser liberada em seis horas e evita o risco de danos no útero.

Silvia concluiu também que os médicos encontram mais resistência em realizar o aborto a partir da 22ª semana de gestação. Silvia explica que quando questionados, os médicos dizem que sentem mais dificuldade em fazer o procedimento após esse período porque é quando o feto começa a formar o ossos e ter feições mais parecidas com a de uma criança. “Os motivos não são médicos nem científicos. São causas que fazem parte do imaginário do médico”, destaca Silvia.

COMITÊ DE AVALIAÇÃO – Para se preservarem, os médicos que realizam aborto, mesmo nos casos previstos por lei, criam medidas de proteção que atrasam o atendimento da mulher. A paciente precisa passar por um comitê formado por psicólogos e assistentes sociais, mesmo que já tenha um laudo médico que garanta o direito.

Os médicos acreditam que a avaliação do comitê reafirma que a mulher sofreu estupro. Além disso, acaba com a possibilidade do profissional ser responsabilizado por cometer um crime. Já os psicólogos justificam a entrevista pela necessidade de garantir que a mulher tem condições psicológicas de passar pelo trauma de um aborto. “Nos dois discursos não aparece a preocupação com a mulher e com a violência que ela passou antes. Parece que o aborto é trauma maior que o estupro”, conta.

LEVANTAMENTO – Silvia de Zordo decidiu fazer a pesquisa em hospitais do Brasil por dois motivos. Segundo ela, há um paradoxo nas políticas públicas de saúde no país. O Estado permite a realização de laqueadura, oferece serviço gratuito de planejamento familiar e de medicamentos contraceptivos e contra doenças sexualmente transmissíveis, mas não permite o aborto. Em segundo lugar, o aborto ainda é uma das principais causas de mortalidade materna. Salvador foi escolhida, pois é a cidade onde o aborto é a maior causa de morte entre mães.

A pesquisadora entrevistou 22 médicos e profissionais de saúde em dois hospitais da periferia de Salvador. Ela utilizou questionários sócio-demográficos para as mulheres que procuravam o serviço e pesquisa semi-estruturada para os profissionais de saúde.

 

fonte: www.unb.br

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