Maioria a favor do debate sobre aborto

Daniela Estrada, da IPS

Santiago, 23/6/2010 – A maioria dos entrevistados no Brasil, Chile, México e Nicarágua concordam em despenalizar o aborto terapêutico, mas rejeitam liberar essa prática em todas suas formas, segundo pesquisa da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). “Existe uma opinião compartilhada nos quatro países sobre o aborto ser um problema grave, de saúde pública e de igualdade”, disse à IPS Claudia Dides, diretora do Programa de Gênero e Equidade da Flacso-Chile, encarregado do estudo.

A opinião majoritária obtida pela pesquisa mostra que devem ser revistas as restritivas legislações sobre aborto, principalmente nos casos em que está em risco a saúde da mãe, e que essas mudanças devem ser feitas por meio de consultas públicas, em lugar de discussões nos parlamentos. Mesmo assim, 69% dos brasileiros entrevistados se manifestaram contra a despenalização total do aborto, bem como 64,5% dos chilenos, 61,4% dos mexicanos e 81,4% dos nicaraguenses.

Para Dides, a brecha existente entre a percepção do aborto como um problema de saúde pública e equidade, e a negativa em despenalizá-lo em todas suas formas “tem a ver com uma série de variáveis”. Entre elas, destacou o pouco conhecimento da população sobre o assunto, a falta de tratamentos humanizados em centros de saúde para mulheres com complicações derivadas de abortos induzidos, e “a influência de atores políticos, como a hierarquia da Igreja Católica”. Outro nó crítico é o espaço e o tratamento que os meios de comunicação dão a esta realidade, explicou.

As primeiras análises descritivas do Estudo de Opinião Pública sobre Aborto no Brasil, Chile, México e Nicarágua foram apresentados ontem em Santiago, seguindo os lançamentos já realizados na capital mexicana e em Manágua. Os países escolhidos pela Flacso oferecem várias particularidades. No Chile e na Nicarágua, o aborto é penalizado sem exceções desde 1989 e 2006, respectivamente, enquanto no Brasil são aceitas exceções como risco de vida da mãe e violação.

No México, foi aprovada a despenalização da interrupção da gestação por qualquer motivo apenas na capital, sendo proibida na maioria dos Estados, disse Dides. Alguns meios de comunicação católicos do México inclusive se referem ao trabalho da Flacso como sendo “patrocinado por um instituto de pesquisa com tendências pró-aborto”. A pesquisa ouviu mais de 1.200 pessoas pessoalmente, homens e mulheres com mais de 18 anos de áreas urbanas e rurais de cada um dos países, para saber suas “opiniões, atitudes e conhecimentos” sobre o aborto.

Uma significativa porcentagem dos entrevistados concordou que a interrupção voluntária da gestação “é uma decisão das mulheres”, mais do que de “outros atores que sempre estão opinando”, destacou Dides. Na Nicarágua, 30,3% dos entrevistados disseram que o aborto é “um direito humano da mulher”, e 32,1%, no Brasil. Esta porcentagem subiu para 38,7% no caso do Chile e 43,5% no do México. O estudo também mostra que “há expectativas de mudança nas legislações dos quatro países. As pessoas não querem que continue como está”, assegurou Dides.

No caso do Chile, 95% dos entrevistados disseram que deveriam ser revisadas as leis sobre o aborto, bem como 87,8% dos brasileiros, 82,8% dos mexicanos e 94,2% dos nicaraguenses. “Como feminista, o estudo reafirma percepções que tínhamos sobre o aborto quanto às razões envolvidas na interrupção terapêutica estarem plenamente garantidas com possibilidade de legalização dentro da população”, disse à IPS Gloria Maira, integrante da Articulação Feminista do Chile. 

“O estudo nos dá muito em termos das estratégias sobre como o movimento de mulheres e feministas pode agir no futuro para conseguir a despenalização do aborto no Chile. Fala da necessidade de campanhas sustentadas e debate informado com a população”, acrescentou. Para Maira, o estudo também mostra que desde que o ditador general Augusto Pinochet (1973-1990), morto em 2006, penalizou o aborto terapêutico vigente até 1989, as autoridades não responderam aos interesses da população.

“Sempre nos falam dos custos políticos de apoiar os projetos de lei a favor do aborto e o que mostra o estudo é que essa é uma visão errônea e o que prevaleceu foram considerações de outro tipo, não as necessidades das mulheres e as percepções da população”, enfatizou Maira.

Por sua vez, a deputada chilena María Antonieta Saa, disse à IPS que “em todos os parlamentos latino-americanos, especialmente na América Central, existem grupos conservadores organizados, militantes, que querem levar atrás todos os avanços obtidos no campo dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres”. Esta legisladora do opositor e centro-esquerdista Partido Pela Democracia é a presidente do Grupo Parlamentar Interamericano sobre População e Desenvolvimento.

A Flacso pretende divulgar paulatinamente os resultados da pesquisa, até lançar, em dois meses, um livro incluindo o estado da arte da pesquisa e da produção científica nos quatro países sobre o aborto, uma análise comparativa da legislação, estudos de casos e uma análise da imprensa nos últimos dez anos. IPS/Envolverde

 

(IPS/Envolverde)

 


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