Agora, não … gravidez adiada

Correio Braziliense
É cada vez mais comum as mulheres adiarem o momento de se tornarem mães. No Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, uma em cada seis gestantes atendidas tem mais de 35 anos


Fotos: Bruno Peres/CB/D.A Press
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Aos 38 anos, a professora Daniela Porto engravidou da pequena Helena, quase 10 anos depois de ter Laura. Acompanhamento médico constante garantiu uma gestação tranquila

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Poder de escolha: a atriz e produtora Daniela Vasconcelos, 30 anos, quer aproveitar mais o bom momento profissional antes de se tornar mãe


Toda mulher deve se casar e ter vários filhos o quanto antes. Há pouco mais de 50 anos, antes do surgimento da pílula anticoncepcional, era assim que as mães orientavam suas filhas sobre como agir. Hoje, os tempos mudaram — e muito. A carreira, os relacionamentos e a segurança financeira são alguns dos aspectos que muitas brasileiras têm como prioridade à frente da maternidade. As mulheres ganharam o direito de decidirem quando serão mães, podendo até optar por nunca terem filhos. 

Dados mostram que a decisão de adiar a maternidade é cada vez mais comum. Levantamento divulgado este mês pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) mostra que, pelo menos no maior hospital do país, a idade das gestantes atendidas é cada vez maior. Segundo o estudo, uma em cada seis grávidas atendidas na instituição já passou dos 35 anos. Na década de 1970, essa proporção era de uma para cada 20. Apesar de mostrar a realidade da capital paulista, a pesquisa aponta um fenômeno que parece ser global. 

O Instituto de Nacional de Estatísticas do Reino Unido anunciou em maio que a idade média das mães britânicas é a mais alta de toda a história. Segundo o instituto, ao dar à luz, as mulheres daquele país têm em média 29,4 anos. No ano passado, esse número era de 29,3 anos e, há uma década, 28,4. Por lá, no ano passado, quase 27 mil mulheres tiveram seus filhos com mais de 40 anos. 

Para a psicóloga Maria Tereza Maldonado, autora do livro Nós estamos grávidos (Integrare), essa mudança só foi possível porque a sociedade passou a enxergar a mulher de forma diferente. “Nós estamos passando por um processo de redefinição do papel feminino. Nos últimos 30 anos, a mulher se consolidou no mercado de trabalho, derrubando aquela imagem de que toda mulher tem vocação para a gravidez. A ciência inclusive vem avançando na possibilidade da gravidez cada vez mais tarde”, avalia. 

Quando é perguntada se quer ter filhos, a resposta da atriz e produtora Daniela Vasconcelos, 30 anos, é: “Sim, mas não agora”. Em um bom momento profissional, ela não pretende engravidar tão cedo. “A última coisa que eu quero neste momento é engravidar, mas no futuro eu quero, com certeza. Agora, eu não quero ter de parar o que eu estou fazendo para me dedicar a isso”, conta. Para ela, hoje a mulher tem mais independência. “A gente tem o poder de escolha. Crescemos muito profissionalmente e isso influencia a nossa noção de família.” 

O fato de as mulheres mais velhas poderem encontrar dificuldades para engravidar não preocupa tanto Daniela. “Eu acho que a medicina tem avançado muito. Há tantos casos de mulheres com 40 ou até 45 anos engravidando. Essa tendência da gravidez mais tarde fez os cientistas irem atrás e pesquisarem mais isso”, afirma. “Assim, acho que tomando os devidos cuidados e acompanhando direitinho, não terei problemas”, completa. 

Cuidados
O médico especialista em reprodução assistida José Bento diz que, de fato, muitas mulheres decidem adiar a gravidez. “Cada vez mais, a mulher quer ter estabilidade, seja ela profissional, educacional, financeira ou emocional para engravidar. Por isso, ter filhos acaba ficando para depois”, conta. Entretanto, ele explica que essa demora pode representar uma dificuldade maior em engravidar. “Biologicamente, a mulher foi feita para engravidar aos 18 anos. Isso na nossa sociedade é complicado. Nessa idade, ela ainda é uma menina”, conta o médico, autor de Engravidar — sim, é possível (Alaúde). “Entretanto, até os 35 anos, o corpo ainda consegue manter bons níveis de fertilidade. Só a partir dessa idade é que os riscos crescem, há mais chances de haver complicações durante a gravidez. Depois dessa idade, também é mais difícil que haja a fecundação”, explica. 

No dia em que completou 38 anos, a professora Daniela Porto levou um susto. Os enjoos que sentia e o atraso no ciclo menstrual finalmente estavam explicados: quase 10 anos depois de ter a primeira filha, Laura, ela estava grávida novamente. “Não foi nada planejado. Eu fiquei até insegura, já que teria que passar por todo o processo de gravidez novamente”, conta. Nove meses depois nasceu Helena, hoje com 10 meses. 

A gravidez tranquila foi possível graças aos cuidados constantes que tomou. “Fiz um pré-natal muito cuidadoso. Não faltei a nenhuma consulta e segui todas as orientações do meu médico”, lembra Daniela. “Hoje eu vejo que ter tido a Helena foi muito bom, ela é o xodó aqui de casa. Se, no início, eu fiquei insegura, hoje eu comemoro a chegada dela”, completa a professora. 

Os especialistas contam que, independentemente da opção escolhida, o mais importante é planejar desde cedo. “Aos 25 anos, a visão de mundo que uma mulher tem é completamente diferente da que ela terá aos 35. Então é importante que ela reflita bem sobre essa questão agora para depois não se arrepender”, explica a psicóloga Maria Tereza. 

Para evitar arrependimentos ou problemas de infertilidade no futuro, o médico José Bento explica que uma boa saída é o congelamento de óvulos. “Assim, ela pode decidir com mais calma depois”, afirma. A técnica consiste na extração de células reprodutivas do ovário e sua conservação em tubos de nitrogênio líquido, com temperaturas inferiores a 
-190ºC. “Nessas condições, o óvulo não envelhece, sendo possível fazer uma fecundação em laboratório e introduzi-lo no útero quando a

mulher achar que é a hora certa”, completa. 

Todas essas ferramentas podem ser utilizadas para quem só quer ter filhos bem depois dos 35 anos. Mas há ainda as mulheres que preferem não tê-los. É assim para a agente de turismo Angélica Fornazier, 36 anos. Para ela, uma gravidez está fora de cogitação. “Na minha forma de ver o mundo, acho que deveria ter sido antes dos 30 anos. Hoje tenho uma vida livre demais para ter um filho”, conta. “Eu acho que nossa diferença de idade ficaria muito grande. Como não aconteceu antes, acho que não dá mais”, diz. 
Ela acha que a sociedade já está mais aberta à possibilidade de uma mulher simplesmente não querer ser mãe. “Mas ainda existe uma pressão bem grande. Muitas vezes cobram, perguntam”, conta. Segundo ela, são comuns situações em que ela é questionada sobre o assunto. “Ainda há situações em que a coisa é mais agressiva. Não perguntam se eu vou engravidar, mas quando eu vou engravidar”, completa. 

Leia sobre os riscos de uma gravidez depois dos 40 anos


Ouça entrevista com o médico José Bento

Prós e contras

Veja algumas vantagens e desvantagens de engravidar depois dos 35 anos 

Vantagens
» A mulher tem mais tempo para se dedicar a outras áreas da vida, como carreira e relacionamentos 

» Quando engravida, em geral a situação financeira está melhor, o que facilita a criação de uma criança 

» A mãe está mais madura e preparada para lidar com as situações que envolvem a educação do filho 

» Com a vida mais estável, a mulher tem mais tempo para se dedicar à criança, podendo dar mais atenção a ela 

Desvantagens
» Existe uma possibilidade maior de ocorrência de problemas gestacionais e problemas genéticos no bebê 

» A diferença de idade entre mãe e filho é maior. Se não for trabalhada bem, pode gerar problemas na relação dos dois no futuro 

» Ter mais de um filho fica mais difícil, já que, geralmente, o corpo precisa de pelo menos dois anos para se recuperar entre uma gestação e outra 

» Se a mulher demorar muito, a fecundação pode se tornar mais complicada 

Fontes: Dr. José Bendo e psicóloga Maria Tereza Maldonado

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