Mais mulheres na política

Patrícia Zaidan / Reportagem Alessandra Roscoe – Revista Claudia

Neste exato momento, milhares de brasileiras estão sofrendo assédio moral no trabalho e nada acontece com o chefe delas. Outras tentam provar que fizeram sexo com o homem que rejeita a paternidade de seu filho. O final dessas histórias poderia ser feliz se as leis fossem escritas também por mulheres. Mas o Congresso Nacional é masculino. CLAUDIA foi a Brasília perguntar às deputadas por que a nossa força é tão pequena ali. Ouvimos delas as aventuras que encaram para chegar ao poder e as manobras que adotam para interferir nas decisões do país

Brasília é efervescente e a Câmara dos Deputados – o centro nervoso das decisões do país – vibra todos os dias. Mas mulheres são raras nesse cenário, só 45 num mar de 513 deputados. O que nos levou até lá para promover um debate foi esta inquietação: por que as mulheres, responsáveis por 40% de tudo o que é produzido no Brasil (o PIB) e maioria da população (já somos 51%!), têm tão pouco poder de fogo?

A conversa é mais do que urgente. Temos eleição em outubro, e, se a Câmara continuar com os magros 8,1% de representação feminina e o Senado com 13%, tudo que precisamos garantir por lei seguirá a passos de tartaruga… ou irá definitivamente para o fundo da gaveta.

Quer alguns exemplos? O projeto sobre assédio moral no trabalho, que pune o agressor com suspensão ou demissão e prevê indenização da assediada, se arrasta desde 2003. No caso da paternidade presumida, tomamos uma derrota no ano passado. Queríamos que o ônus da prova coubesse ao homem: para registrar o filho nascido fora de relação estável, a mulher apontaria o nome do suposto pai, e ele deveria correr para o teste de DNA se quisesse provar que não é. Na lei aprovada, no entanto, se ele se nega ao teste, a mãe tem que reunir provas – como se fosse possível – do ato sexual do passado. O divórcio direto, que extingue a lenta separação judicial e põe fim ao casamento um dia após a separação de corpos, teria sido aprovado no começo de março, como esperado. Mas, até o fechamento desta edição, permanecia sem votação no Senado. Se a bancada fosse maior, também a licençamaternidade de 180 dias, obrigatória, teria mais chances e outros projetos importantes, de economia, tecnologia e infraestrutura, trariam a marca da mulher. Reunimos as lideranças femininas da Câmara para ouvir delas o que emperra o nosso caminho.

Das 11 parlamentares que lideram as bancadas dos seus respectivos partidos, dez atenderam ao convite de CLAUDIA: a coordenadora- geral da bancada feminina, Alice Portugal (PCdoB-BA), Aline Corrêa (PP-SP), Cida Diogo (PT-RJ), Fátima Pelaes (PMDB-AP), Gorete Pereira (PR-CE), Luciana Genro (PSOL-RS), Luiza Erundina (PSB-SP), Marina Maggessi (PPS-RJ), Sandra Rosado (PSB-RN) e Solange Amaral (DEM-RJ). Depois de mobilizar a presidência da Câmara, a divisão de relações públicas e os gabinetes das deputadas, marcamos um encontro no Auditório Freitas Nobre, anexo 4. A primeira impressão sobre as deputadas: são boas de briga e atacam juntas, mesmo que as legendas se oponham aos projetos femininos. Formam uma espécie de Partido das Mulheres.

“Os partidos colocam recursos nas campanhas masculinas. Se sobrar algo, dão para as femininas”

SANDRA ROSADO

Aparecer na TV

A minirreforma eleitoral de setembro deveria ajudar a elevar o número de mulheres. As senhoras conseguiram pouco. Afinal, ficaram satisfeitas?

ALICE PORTUGAL Houve avanços. Mudamos o verbo da Lei das Cotas, que antes dizia que os partidos deveriam reservar 30% das candidaturas para as mulheres. Agora, os partidos preencherão essas vagas de fato. É o termo da lei, não tem conversa.

LUIZA ERUNDINA Nós queríamos 30% dos programas dos partidos na TV e mais 30% do Fundo Partidário. Conseguimos 10% de TV e 5% do fundo. As mulheres vão sair finalmente da invisibilidade, aparecer para ser votadas. O que conquistamos dá fôlego para continuar a luta numa cultura machista, partidarista e estreita.

ALICE PORTUGAL Sobre o dinheiro do fundo: o PMDB, por exemplo, terá de entregar 207,6 mil reais para a formação das mulheres que querem entrar na política. Isso muda muita coisa.

CIDA DIOGO Minha observação não é nada animadora. Passamos três longos anos discutindo essa reforma e ela não trouxe grandes novidades. Para dobrar a quantidade de deputadas já na próxima eleição, precisávamos ter aprovado a lista fechada: para cada candidato, o partido apontaria uma candidata.

Por que nunca há uma mulher na tesouraria dos partidos?

SOLANGE AMARAL Não há mulheres nem na presidência nem na direção dos diretórios regionais. Eles não entregam os cargos. Mas deputados e senadores incorporaram a mulher no discurso. Querem votos, é claro. Nosso próximo passo é colocar na lei uma punição para o partido que descumprir as novas regras.

“Manter a Lei Maria da Penha foi a vitória mais recente. Se assédio sexual é crime, foi por pressão”

ALICE PORTUGAL

Desafios e brigas

Se aprovada a Proposta de Emenda à Constituição, de Erundina, haverá sempre uma mulher na direção da Casa. O que isso agregará?

LUIZA ERUNDINA As mesas da Câmara e do Senado e as Comissões Permanentes são o núcleo do Poder Legislativo. Dependem das mesas as decisões políticas, as deliberações sobre pauta de votação e a administração dos recursos. É um absurdo que, em 184 anos de existência do Legislativo, nunca uma mulher tenha ocupado um cargo titular na mesa da Câmara – no Senado já houve. Se não estivermos lá, as nossas reivindicações não serão concretizadas.

FÁTIMA PELAES Quando cheguei ao Congresso, em 1991, as coisas eram mais lentas. A então deputada Jandira Feghali estava grávida e nos envolvemos numa luta derrotada para criar a licença-maternidade na casa (hoje já está instituída). De lá para cá, ganhamos muitas brigas. Fui relatora do planejamento familiar, propus e consegui aprovar a licença-maternidade para mães adotivas. Como bancada, conquistamos o direito de ter nossa representante no colégio de líderes e criamos a Procuradoria da Mulher aqui na Casa.

ALICE PORTUGAL A vitória mais recente: manter a Lei Maria da Penha, que quase caiu na reforma do Código do Processo Penal. Se o assédio sexual é crime, foi graças a nossa pressão. Quanto ao assédio moral e à aposentadoria da dona de casa, estamos debatendo. Outro projeto, redigido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres e adotado pela bancada, garante igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres e considera a lida familiar como responsabilidade de ambos. O que não conseguimos aprovar, atribuímos à nossa pequena representação.

O que vocês diriam para a leitora que ainda crê que a política é feia e suja?

SANDRA ROSADO Digo que a política é para ser correta, embora alguns a maculem.

LUCIANA GENRO Ela é isso mesmo e só pode ser mudada se as mulheres vierem participar.

ALICE PORTUGAL Nós temos a chancela raríssima de representar as mulheres e por isso não sou pessimista. O tamanho do gigante que enfrentamos é descomunal e, apesar dele, marcamos muitos pontos.

O estômago

Por que as mulheres não estão no poder?

LUCIANA GENRO Elas são líderes em muitas áreas, mas rejeitam a vida partidária por falta de estômago. Para mim, política é uma opção. Mesmo assim, não é fácil lidar com o jogo do toma lá, dá cá, a corrupção e as concessões nas quais o interesse público fica de fora. Essas práticas antigas causam nojo. Meu partido é presidido por uma mulher, Heloísa Helena, e isso dá outra dinâmica à operação da política. Não digo que mulheres sejam incorruptíveis, mas basta ver os jornais. Proporcionalmente, elas se envolvem menos em escândalos que os homens.

A vida pessoal pesa na decisão de virar política?

ALINE CORRÊA Pesa.
Minha família é de Pernambuco, sou deputada por São Paulo e não conto com o apoio de ninguém. Vivo sozinha e tenho duas filhas, de 12 e 14 anos, que ficam em Campinas (SP). Montei uma estrutura melhor para ajudá-las enquanto fico em Brasília, mas no começo eu as levava para reuniões e movimentos. Elas viraram minhas “secretárias”.

LUCIANA GENRO Política é feita à noite. Nem sempre tive com quem deixar meu filho, quando pequeno, para ir às reuniões.

SANDRA ROSADO Não são muitos os maridos que compreendem. O meu ajuda em casa. Mas tive a oposição do meu pai, que era político e sabia quanto é dura essa vida. Também observo que as mulheres nos olham com interrogação. Querem saber se, sendo deputada, eu sei cozinhar, cuidar da família. Ainda há o medo de vir para a vida pública e perder o lado privado.

Empresário X mulher?

Por que o dinheiro é curto para vocês?

SANDRA ROSADO Os partidos colocam recursos nas campanhas masculinas. Se sobrar algo, dão para as femininas. Antes, eles olham com desconfiança se você tem chances de ser eleita e se vai dar retorno à legenda.

CIDA DIOGO Não conseguimos cravar na reforma o financiamento público de campanha. Com ele, as mulheres não dependeriam do dinheiro das empresas, que preferem as candidaturas masculinas.

ALICE PORTUGAL Seria uma forma de as grandes fortunas não interferirem nas eleições. Podemos ser simpáticas e receber rosas no dia 8 de março, mas não somos atraentes para negócios.

MARINA MAGGESSI Discordo. Empresário não está preocupado com o gênero. A relação passa pela cultura do beneficiamento e da rédea. Dizem: “Se você votar como quero, dou grana para sua campanha”. Se o deputado é ligado nas questões da construção civil, as empreiteiras vão atrás dele; se defende o armamento, as fábricas de armas vão cercá-lo. E vêm atrás de mim também. Querem ver se eu mudo do desarmamento para o armamento. Seria uma vitória para eles. Mas existem as empresas idôneas, claro. Costumo dizer que não tenho apoiadores, eu tenho fãs.

GORETE PEREIRA Eu conto com minha imagem. É com ela que a mulher faz campanha. Se ficar esperando financiamento, a gente não anda. Outra coisa de que não podemos depender é de conchavos. Eles são acertados depois do expediente, no bar ou no futebol.

Como vocês conquistam espaço aqui dentro?

MARINA MAGGESSI Sou presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. E a primeira mulher a presidir uma comissão estritamente masculina, formada por delegados e coronéis. Briguei muito por isso. Venho do mundo masculino, que é a Polícia Civil, e acho que o preconceito depende de nós. Eu encaro. Digo: “Vem cá, você é homem do pescoço para baixo; do pescoço para cima é igual a mim, não é?” Não temos que nos abaixar. Precisamos é de aliados masculinos. E eu os tenho. São aqueles que não disputam vaidade, e sim competência. Fico pensando se seria necessário muitas mulheres… Acredito mais na qualidade. Se quantidade fosse alguma coisa, o time do Flamengo seria campeão todo ano.

LUIZA ERUNDINA Para a gente ganhar mais poder, temos que tirar dos homens. Nem em 100 anos vamos juntar votos femininos suficientes para mudar isso e outras coisas. Sem maioria, precisamos fazer aliados, convencendo os homens de que a participação feminina não é só uma questão nossa. É uma questão de democracia, da sociedade civilizada, moderna e avançada.

Conheça alguns projetos de lei importantes para as mulheres

A PEC 590/2006 sobre representação das mulheres nos cargos da mesa, proposta da Luiza Erundina.

A PEC 030/2007 da Deputada Angela Portela, que trata da licença maternidade de 180 dias (isso tornará obrigatória a licença. Não será mais uma licença concedida por apenas algumas empresas que aderiram ao programa do governo federal, que dá isenção de imposto para os patrões que aderirem.

Projeto de Lei da Secretaria especial de Políticas para as Mulheres, apresentado pela deputada Alice Portugal em nome da bancada feminina de número 6653/2009, que trata da proteção do trabalho da mulher.

Projeto de Lei 7072/2002

Dispõe sobre a concessão de título de transferência de posse e de domínio das moradias financiadas com recursos do orçamento geral da União, preferencialmente à mulher. Autoria: senador Mauro Miranda (PMDB-GO).

Projeto de Lei 2369/2003

Dispõe sobre o assédio moral nas relações de trabalho. De autoria do deputado Vicentinho.

Proposta de Emenda Constitucional 00385/2001, da deputada Lúcia Choinacki

Institui benefício assistencial para as donas de casa, alterando os artigos 195 e 203 da Constituição, criando a renda mínima de um salário mínimo, não acumulável com outro benefício previdenciário ou assistenciais, exceto pensão por morte, a ser deferido às donas de casa que completem 60 anos de idade, independentemente da comprovação ou recolhimento da contribuição.

PL 02593/2003

Ementa: Altera CLT para proibir o assédio moral nas práticas de trabalho. Da deputada Maria do Rosário.

PEC28/2009

Dispõe sobre o divórcio direto e permite que o divórcio possa acontecer um dia depois da separação. Extinguindo a separação judicial lenta e burocrática. A PEC já foi aprovada em dois turnos na Câmara e em primeiro turno no Senado, onde aguarda o segundo turno. Autoria: Deputado Antonio Carlos Biscaia.

PEC00393/2005

Cria a obrigatoriedade e a gratuidade da educação infantil para crianças de zero a seis anos de idade. Autoria: Deputada Heloísa Helena (PSOL-AL).

A ratificação da Convenção 156 da OIT trará também outros benefícios importantes como condições igualitárias no trabalho para homens e mulheres e divisão de tarefas domésticas e cuidado com os filhos entre homens e mulheres.

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