Projeto para proteger meninas em risco de ablação

Por Beatrice Paez, da IPS

Nova York, 15/6/2010 – Os Estados Unidos estão atrasados em relação a vários países da Europa ocidental, que já proibiram a chamada circuncisão feminina contra suas cidadãs, inclusive além de suas fronteiras. Mas isto pode mudar em breve. A cada dia, cerca de seis mil meninas e adolescentes são submetidas à ablação do clitóris, e entre 100 milhões e 140 milhões de jovens e mulheres sofrem atualmente consequências para toda a vida devido a essa prática.

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A Lei de Proteção às Meninas e Adolescentes declararia ilegal transportar uma menor de idade ao exterior com o objetivo de submetê-la a uma mutilação genital feminina (MGF), termo genérico que compreende diferentes procedimentos como extirpação total ou parcial dos órgãos sexuais externos da mulher sem justificativa médica e por motivos culturais. O projeto foi apresentado no Congresso pelos legisladores Joseph Crowley, do governante Partido Democrata, e Mary Bono Mack, do Republicano. Agora, é aguardada a revisão por um comitê.

Os rituais de MGF são praticados em muitas partes da África, do Oriente Médio e em alguns países da Ásia, às vezes na primeira infância ou quando as meninas já cresceram, dependendo da cultura local. Existem quatro tipos de MGF que variam em severidade. A mais comum é a que a Organização Mundial da Saúde define como “retirada parcial ou total do clitóris e lábios menores, com ou sem incisão dos lábios maiores”.

Nos Estados Unidos, é concedido asilo político a sobreviventes da MGF, mas organizações como Igualdade Agora e Refúgio para as Famílias alertam que meninas que vivem neste país também podem estar em risco. Canadá, Espanha, Grã-Bretanha e várias nações escandinavas já adotaram legislações semelhantes, conhecidas como “provisões para as férias”. É comum pais partidários da prática e radicados na Europa ou nos Estados Unidos aproveitarem o período de férias escolares de suas filhas para enviá-las à África ou ao Oriente Médio para serem submetidas à ablação.

“Se algo se torna ilegal, as pessoas não vão querer burlar a lei”, disse Crowley aos jornalistas. Se forem considerados culpados, os pais podem ser multados ou receber penas de até cinco anos de prisão. No entanto, este continua sendo um assunto complexo, já que deve ser considerado o bem-estar psicológico das meninas e ter em conta a marginalização que sofrem as mulheres em algumas culturas. “Não pedimos a prisão dos pais, especialmente das mães, que no geral não têm poder de decisão sobre suas filhas serem, ou não, mutiladas”, disse à IPS a diretora da Igualdade Agora, Taina Bein-Aimé.

O projeto de lei também seria acompanhado de programas educativos para as vítimas, de conscientização sobre a MGF e as graves complicações de saúde que pode causar. As mulheres mutiladas são mais vulneráveis a infecções urinárias, problemas no parto, infertilidade, quistos, morte e necessidade de cirurgia. Muitas meninas e adolescentes estão conscientes destes riscos, mas também temem ser estigmatizadas e rejeitadas por suas famílias.

As mães preparam suas filhas para o casamento dizendo que a ablação é um “ato de amor”, e assim asseguram que não seja rejeitada pelo marido ou pelo resto da comunidade. Na terminologia das culturas que realizam essa prática, é definida como “limpeza”, e considerada uma forma de preservar a castidade ou a virgindade da mulher. O projeto de lei recebe forte apoio graças aos esforços dos movimentos de base e aos testemunhos de sobreviventes da MGF.

Fanta, uma vítima que conseguiu escapar desse procedimento com apoio dos pais, insiste na pressão que sofrem as mulheres de sua comunidade nos Estados Unidos. “Sofri muita rejeição. Não era aceita por certos membros da família”, contou. Já que no passado foi desprezado e considerado um tema claramente cultural, os que estão em maior contato com as pessoas em risco, conselheiros, trabalhadores sociais, policiais e professores, não estão capacitados para ajudar, explicou Archana Pyati, advogada do Refúgio para as Famílias.

Por sua vez, Bien-Aimé destacou a importância de redobrar os esforços da sociedade civil e criar redes dentro das comunidades como fonte de apoio e informação sobre a MGF. “As leis estaduais também têm de incluir uma provisão para as férias, porque os primeiros que devem agir são a polícia e os prestadores de serviços sociais locais”, disse à IPS. Atualmente, dos 17 Estados norte-americanos que proíbem a MGF, apenas Nevada e Geórgia incluem este tipo de provisões. IPS/Envolverde

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Crédito:
Beatrice Paez/IPS
Legenda: O congressista Joseph Crowley e Fanta, que conseguiu escapar da MGF com o apoio de seus pais.
(IPS/Envolverde)

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