Eneida Vinhaes Bello Dultra
O Brasil tem sido importante referencia mundial nas ações de combate ao trabalho infantil. Sem dúvida, os mecanismos de enfrentamento para serem efetivos devem ser associados às medidas de atenção a esta parcela da população, com o desenvolvimento de políticas públicas no campo da educação integrada às ações culturais e de esporte.
No entanto, ainda persistem muitas crianças trabalhando. Na maioria das vezes em troca de dinheiro para ajudar no sustento de suas famílias. Várias em condições de trabalho análogas à escravidão ou mesmo vulneráveis a abusos ou exploração sexual.
O quadro triste se justifica, normalmente, como consequencia da pobreza. Esta realidade foi incorporada na rotina social das mais empobrecidas camadas da população, como sendo a via possível de sobrevivência ou mesmo como alternativa para ocupação das crianças, supostamente livrando-as assim da “sedução” do crime.
Infelizmente, alguns discursos que se esforçam em justificar o trabalho infantil como necessário para a sobrevida de determinado núcleo familiar ou mesmo como alternativa para saída da criminalidade, não atenta para o desvio e a contradição existente nesses próprios termos.
As crianças são destinatárias de proteção social e estatal pela legislação vigente por estarem em processo de formação e sem suficiente condição de discernir sobre seus atos, por não terem a dimensão completa dos efeitos decorrentes no mundo civil, penal, do trabalho etc. Não podem nem devem ser obrigadas a assumir responsabilidades por causa da pobreza de suas famílias e do desajuste das políticas públicas que deveriam lhes viabilizar vida digna.
Longe de se admitir como válido o argumento – já ultrapassado – de que são elas incapazes, a proteção se justifica como responsabilidade de Estado e da sociedade com as gerações futuras, exatamente pelo reconhecimento de que as crianças e os adolescentes são titulares de direitos.
É preciso refletir sobre os erros históricos que ocasionam situações como estas e não satisfazer-se com a alegação de serem meros costumes. Ao se atualizar as práticas de acordo com a ética construída na dinâmica social e com o processo de inclusão pretendido vamos evoluindo no aprofundamento das soluções de uma vivência democrática.
Se a pobreza ocasiona a exploração precoce do trabalho infantil não se pode satisfazer ou motivar essa situação como opção de vida. Não é opção e não é vida com dignidade.
O marco do Dia Mundial e Nacional de combate ao trabalho infantil, em 12 de junho, nos provoca, permanentemente, a olhar as causas. Não para justificá-las, mas para modificá-las. A efetividade dos direitos das crianças e adolescentes deve ser incorporada às políticas de Estado, em todos os níveis federativos e também nas reflexões próprias das relações sociais.
Este ano, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI em conjunto com o governo federal e setores da sociedade está conduzindo a campanha “Com Educação Nossas Crianças Aprendem a Escrever um Novo Presente sem Trabalho Infantil”. Adotando o slogan: “Toda Criança e Adolescente tem o direito de estudar. Nós temos o dever de trabalhar por isso”.
A campanha foi lançada no dia 3 de junho na Câmara dos Deputados. O Poder Executivo assumiu a incumbência de divulgar os objetivos, especialmente para mobilizar os gestores estaduais, municipais e do Distrito Federal.
Conforme dados da PNAD/IBGE, no período de 2003 a 2008 houve queda de 12,8% do trabalho infantil. No Brasil, a estimativa atual é da existencia de 5 milhões de crianças e adolescentes (os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2001, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apontaram para 8,4 milhões, entre 5 e 17 anos no início da década de 90). Esse é um resultado também do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) que promove transferência direta de renda do governo federal para inibir o trabalho precoce.
Esse tema é objeto de atuação da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Recentemente, a OIT lançou seu olhar para a situação das meninas e estima que “existam no mundo cerca de 100 milhões de meninas vítimas do trabalho infantil. Muitas delas realizam trabalhos similares aos desempenhados por meninos e também são afetadas por dificuldades adicionais e obrigadas a enfrentar diferentes tipos de perigos. Some-se a isso, o fato de que as meninas, em especial, também estão expostas a algumas das piores formas de trabalho infantil, habitualmente em situações invisíveis”.
É mesmo o acesso a educação que será capaz de reverter esse quadro, associado ao incentivo a atividades culturais e esportivas, ocupando sim nossas crianças, não com trabalho e maus tratos, mas com o despertar de suas mentes e corpos, aprendendo coisas novas, com alegria e sensibilidade para formação de mulheres e homens que exerçam a sua cidadania de maneira compatível com um Brasil que se constitui como República democrática.