LETÍCIA SORG – revista Época
Lendo uma coluna do Nicholas Kristof no The New York Times, topei com um número impressionante: 215 milhões de mulheres no mundo querem evitar a gravidez, mas não usam nenhum método anticoncepcional moderno – ou seja, qualquer coisa que não seja a tabelinha.
Não que não queiram. É que muitas delas nem sabem da existência da pílula, que existe há 50 anos, ou da camisinha. Ou, quando sabem, não têm acesso a eles.
Kristof está viajando pela África e relata a situação de algumas mulheres na República Democrática do Congo:
“Aqui em Kinshasa, conhecemos Emilie Lunda (foto), 25 anos, que quase morreu durante o parto alguns dias atrás. Os médicos conseguiram salvar a vida dela, mas o bebê morreu. Ela ainda está se recuperando no hospital e não sabe como vai pagar a conta.
‘Não queria ficar grávida’, disse Emilie. ‘Eu tinha medo de ficar grávida’. Mas ela nunca tinha ouvido falar de controle de natalidade.”
No Congo, além da falta de educação e de dinheiro, as mulheres enfrentam também a resistência dos homens. Muitos recusam-se a usar camisinha. As clínicas e hospitais também não facilitam o acesso: só vendem a pílula para mulheres que estejam acompanhadas de seus maridos, que nem sempre concordam com a ideia de evitar ter mais filhos. Muitos associam uma prole numerosa à virilidade.
Pode ser uma impressão errada, fruto das campanhas de distribuição de camisinha durante o Carnaval, mas as mulheres do Brasil parecem estar numa posição muito mais confortável para decidir quantos filhos vão ter.
Mesmo assim, 46% das gravidezes no Brasil não são planejadas, de acordo com a última pesquisa Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), de 2006.
Fiquei impressionada com o número. Aqui, onde o Ministério da Saúde faz campanha na TV sobre a distribuição de camisinha, aqui, onde não é necessário ter o aval do marido para usar a pílula, quase metade das crianças vêm ao mundo meio no susto. Ainda há mulheres aqui, embora uma minoria, sem acesso aos métodos ou sem informação necessária para usá-los.
Segundo estimativas do Instituto Guttmacher, no mundo, nascem, por ano, cerca de 75 milhões de bebês frutos de gravidezes indesejadas.
O maior problema é que, das 123 milhões de mulheres que dão à luz todos os anos, apenas metade recebe atendimento pré-natal adequado.
Se todas as mulheres do mundo conseguissem evitar a gravidez indesejada, 70% das mortes no parto poderiam ser evitadas. E morreriam 44% menos bebês do que morrem hoje.
Em 2010, a pílula anticoncepcional faz 50 anos de idade. Quantos anos mais vamos esperar para que ela, e mesmo a mais antiga camisinha, virem uma possibilidade para todas mulheres do mundo?